O governo e a cúpula do Congresso fecharam um acordo para permitir o pagamento de uma nova rodada de auxílio emergencial. Será votada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com “cláusula de calamidade pública”. Essa cláusula permitirá a suspensão de parte das regras fiscais pelo tempo que for necessário para que o governo possa pagar despesas emergenciais, como o auxílio, fora do teto de gastos – regra que limita as despesas da União. Em troca, essa PEC possibilitará o acionamento de medidas de contenção de gastos.
O acordo foi fechado na quinta-feira (18) após reunião entre líderes partidários, presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). A PEC será votada no plenário do Senado na próxima quinta-feira (25), segundo a assessoria do presidente da Casa. O senador Márcio Bittar (MDB-AC) será o relator. Ele deve apresentar seu parecer até a próxima segunda-feira (22).
Para acelerar a tramitação, Bittar deve redigir seu parecer em cima da PEC Emergencial, que tramita na Casa desde 2019. Essa proposta já prevê medidas para o controle de despesas. O relator apenas vai retirar pontos polêmicas, como a permissão para corte de salário e de jornada de servidores públicos, e acrescentar a cláusula de calamidade. O parecer está sendo desenhado junto com a equipe econômica.
“Ficou ajustado que, dentre muitos [projetos] que vamos pautar na semana que vem, será pautada a PEC Emergencial. O parecer será apresentado pelo senador Marcio Bittar de hoje até segunda-feira. A aprovação pelo Senado permitirá, através de uma cláusula de orçamento de guerra, uma cláusula de calamidade, que se possa ter a brecha necessária para implantar o auxílio emergencial”, afirmou Pacheco em coletiva de imprensa.
Por que essa PEC é necessária para pagamento do auxílio emergencial?
A aprovação da PEC é necessária porque hoje não há espaço fiscal para acomodar o auxílio emergencial no Orçamento. O governo tem estimado um gasto entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões com a nova rodada, que deve ter quatro parcelas e começar em março. O valor do benefício e o público-alvo estão sendo definidos, mas devem ficar entre R$ 200 e R$ 250 por parcela e atingir cerca de 40 milhões de pessoas, incluindo as que recebem o Bolsa Família.
A legislação também não permite que o governo edite hoje um crédito extraordinário para pagar o auxílio, já que esse crédito é somente para despesas urgentes e imprevisíveis. Técnicos da equipe econômica entendem que não há mais imprevisibilidade, já que o auxílio foi pago por nove meses no ano passado.
Então o governo precisa mudar a Constituição para permitir pagar despesas emergenciais via crédito extraordinário – em outras palavras, endividamento público –, mesmo quando não há imprevisibilidade. A nova condição será a “cláusula de calamidade pública”. Depois de aprovada a PEC na Câmara e no Senado, o governo editará duas medidas provisórias: uma que criará a nova rodada de auxílio e outra que abrirá crédito extraordinário para pagamento do benefício.
O que é a cláusula de calamidade?
A “cláusula de calamidade pública” vai funcionar de maneira semelhante ao Orçamento de Guerra, implementado em 2020. A diferença é que ela será permanente, ou seja, poderá ser acionada sempre que necessário, enquanto o Orçamento de Guerra ficou limitado ao ano de 2020.
Com isso, sempre que União, estados e municípios entrem em estado de calamidade pública, eles ficarão dispensados de cumprir parte das regras fiscais para poder pagar despesas emergenciais, via crédito extraordinário. A suspensão valerá enquanto durar o estado de calamidade.
Em entrevista ao portal G1, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, disse que essa cláusula, quando acionada, suspenderá temporariamente a chamada “regra de ouro” — que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes — e permitirá a flexibilização do teto de gastos – regra que limita o crescimento das despesas do governo à inflação. Despesas emergenciais poderão ser pagas fora do teto de gastos, via crédito extraordinário, isto é, com a emissão de títulos da dívida pública.
Ainda não está claro se a meta fiscal – o resultado das contas públicas que o governo deve perseguir – será também dispensada. A PEC do Orçamento de Guerra permitiu ao governo descumprir a meta. Tanto que as contas públicas federais fecharam 2020 com um rombo de R$ 743,1 bilhões, ante a meta prevista de R$ 124,1 bilhões. O Orçamento de Guerra foi necessário para permitir o combate à Covid-19 e aos seus efeitos na economia.
Também não se sabe qual será definição de “calamidade pública” que será usada na PEC. A definição será essencial para sabermos em quais situações será disparado o acionamento da cláusula com dispensa de regras fiscais e permissão para gastos fora do teto. A legislação atual considera como calamidade uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público.
Medidas de contenção de gastos
Além de permitir gastos extras, a “cláusula de calamidade” acionará medidas de contenção de gastos. É uma forma de contrapartida. O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), informou que o acordo é para que a PEC não contenha artigos polêmicos, como a redução em 25% do salário e da jornada de trabalho dos servidores, e foque apenas em pontos de consenso.
Por isso, a tendência é de que as medidas sejam as mesmas aprovadas no ano passado como contrapartida à ajuda financeira dada pela União a Estados e municípios. São elas: proibição a conceder aumento ou reajuste a funcionários públicos; proibição de criar emprego, cargo ou função que implique aumento de despesa; proibição de concursos públicos, salvo exceções; e vedação à criação de despesa obrigatória de caráter permanente. As proibições seriam válidas enquanto durasse a calamidade.
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