O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi à tribuna da casa na última sexta-feira (18) para criticar o presidente Jair Bolsonaro. O parlamentar falou que Bolsonaro mentiu quando atribuiu a ele o fato de o Brasil não conceder o pagamento do 13º salário aos beneficiários do Bolsa Família em 2020. O forte pronunciamento de Maia foi mais um capítulo — talvez o mais explícito de todos — da guerra aberta entre o deputado e o presidente da República, que tem como foco a disputa pelo comando da Câmara.
Bolsonaro apoia a candidatura de Arthur Lira (PP-AL), o líder do Centrão. Já Maia ainda não definiu o nome que terá a sua chancela, mas construiu um bloco de partidos que garante, em tese, maioria na disputa para o comando da casa. A eleição na Câmara está agendada para 1º de fevereiro de 2021 e a votação é secreta.
Os elementos da disputa entre Maia e Bolsonaro incluem temas que vão desde a agenda de costumes até a suspensão do recesso parlamentar, passando pelo combate à pandemia de coronavírus e o relacionamento entre o Congresso e os ministros.
Nesta segunda-feira (21), um novo tema entrou nessa batalha: a PEC dos municípios, que eleva em 1% as transferências da União para o Fundo de Participação dos Municípios e que pode retirar mais R$ 4 bilhões por ano do caixa do Tesouro Nacional.
Acompanhe a seguir, em detalhes, as pautas que alimentam a guerra de nervos entre Rodrigo Maia e o Palácio do Planalto:
Agenda de costumes
Maia disse, em entrevistas recentes, que uma das razões de Bolsonaro para emplacar um aliado no comando da Câmara é garantir o avanço da chamada pauta de costumes — ou seja, projetos relacionados a questões como armas, aborto, drogas e gênero.
O presidente da Câmara alegou que há um certo consenso entre as diferentes candidaturas em relação ao campo econômico, e que o apoio à agenda de costumes seria o diferencial de Arthur Lira. Maia falou também que a pauta de costumes “divide o Brasil, radicaliza o Brasil, gera ódio entre as pessoas”.
“E como essa é a agenda do presidente, eu continuarei sendo um leal adversário do presidente da República, naquilo que é ruim para o Brasil”, falou Maia, durante o seu pronunciamento da sexta-feira.
O discurso de Maia foi repercutido por apoiadores do governo, como os deputados Diego Garcia (Podemos-PR) e Marco Feliciano (Republicanos-SP), que viram na fala do democrata uma amostra do distanciamento que ele teria com o governo federal.
Por outro lado, Lira não indica uma adesão plena à agenda de costumes. O parlamentar tem dito que sua candidatura é para o fortalecimento da Câmara e para “dar voz” à totalidade dos deputados. O indicado à vice-presidente da Casa em sua chapa, Marcelo Ramos (PL-AM), expôs que não é favorável à pauta de costumes do grupo bolsonarista.
Maia defende recesso parlamentar
A decisão de manter ou não a paralisação dos trabalhos do Congresso durante o mês de janeiro entrou também no campo dos conflitos entre Maia e o governo. O presidente da Câmara passou a defender que os parlamentares trabalhem em janeiro, ideia que tem ganhado corpo entre congressistas de diferentes partidos. Maia justifica seu ponto de vista pela pandemia de coronavírus e a necessidade que, segundo ele, o Congresso tem de votar temas relevantes para o país.
O posicionamento do democrata foi contestado por Lira e outros parlamentares que viram na ideia de Maia não um desejo de votação de propostas, mas sim de intensificação de articulações para as eleições internas.
“Nos últimos anos, a pauta foi de Rodrigo Maia e não da Câmara. E agora, no apagar das luzes, e para dar tempo para articular um projeto pessoal de sucessão, ele volta a querer impor sua vontade. Centenas de deputados têm compromisso em suas bases e já fizeram suas agendas — percorrendo os municípios e já iniciando o diálogo com os novos prefeitos eleitos. Boa parte do que está parado poderia ter sido votada, por entendimento do colégio de líderes. Coisa que não aconteceu”, escreveu Lira em suas redes sociais no domingo (20).
A suspensão do recesso, que está previsto na Constituição, depende de um posicionamento do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na semana passada, Alcolumbre disse que tomaria sua decisão sobre o tema na sexta-feira (18), o que não ocorreu. A Gazeta do Povo consultou Alcolumbre sobre o assunto, mas não obteve resposta.
A interrogação sobre o tema revela ainda mais uma etapa da distensão entre Alcolumbre e Maia. O presidente do Senado tem se mostrado um aliado do Planalto, em postura diferente do deputado do Rio de Janeiro. No passado, Maia chegou a dizer que ele e Alcolumbre eram “irmãos siameses”, tamanha a aliança entre ambos. Mas a proximidade entre os dois sofreu abalos nas últimas semanas.
Bolsa Família e auxílio emergencial
O discurso de Maia da sexta, quando ele chamou o presidente Bolsonaro de mentiroso, foi a conclusão de um embate iniciado no dia anterior. Durante sua habitual live semanal nas redes sociais, Bolsonaro falou que Maia deveria ser responsabilizado pelo fato de não ocorrer pagamento do 13º do Bolsa Família em 2020.
“Você está reclamando do 13º do Bolsa Família, que não teve. Sabia que não teve este ano? Foi promessa minha? Foi. Foi pago no ano passado. Mas o presidente da Câmara deixou caducar a MP. Vai cobrar de mim? Cobra do presidente da Câmara, que o Supremo agora não deu o direito de ele disputar a reeleição. Cobra dele”, disse Bolsonaro.
O 13º do Bolsa Família foi definido por uma Medida Provisória (MP) editada em 2019, e a MP determinava seu pagamento apenas no ano passado. Para que o benefício se tornasse permanente, seria necessário que a MP fosse convertida em lei, o que é feito pelo Congresso. A MP acabou não indo a votação e seus efeitos foram suspensos. Maia realmente não pôs a proposta em pauta — mas, segundo ele, o fez após ter recebido sinalização do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A crítica de Bolsonaro levou Maia a colocar na pauta da Câmara a votação da MP 1000, que prorrogava para 2021 o auxílio emergencial, cuja vigência está prevista para se encerrar ao fim de 2020. Maia indicou, em um primeiro momento, a votação da proposta na própria sexta. O governo não tinha interesse em fazer a votação do projeto por entender que não há recursos disponíveis para a continuidade do benefício. Maia, depois, acabou recuando e a MP não foi votada.
Revolta da vacina
Já uma MP que foi votada — e acabou tendo um resultado desagradável ao governo — foi a MP 1003, que regula a participação do Brasil em um consórcio internacional de financiamento de pesquisas da vacina contra a Covid-19.
Embora a Câmara tenha aprovado o texto que liberou investimentos brasileiros de R$ 2,5 bilhões no projeto, rejeitou a possibilidade de exigência de um termo de compromisso para quem quiser se vacinar contra a doença. A ideia de uma espécie de “contrato” tem sido sugerida por Bolsonaro como uma contrapartida ao que ele considera uma exigência para a vacinação.
Segundo o presidente, empresas que estão produzindo a vacina não se responsabilizam por eventuais danos causados pelo imunizante. Então, o termo de compromisso seria uma garantia de que a vacinação é uma escolha individual e que o governo federal também não precisaria arcar com consequências negativas.
A emenda contra o termo de responsabilidade foi elaborada pela deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada por 235 votos favoráveis e 150 contrários. O texto de Zanotto diz, em um de seus trechos: “Como a nossa Agência Sanitária antes de aprovar o uso emergencial já faz a análise destes dados de segurança e eficácia demonstrados nos estudos preliminares e ensaios clínicos em humanos já publicados, não vemos como produtivo o fato de que a população a ser vacinada deva assinar um termo esclarecido de livre consentimento TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido)”.
PEC dos municípios
O governo foi surpreendido nesta segunda-feita (21) com a inclusão na pauta de votações da Câmara da proposta de emenda à Constituição (PEC) que aumenta os repasses da União para municípios. A PEC aumenta em 1% as transferências da União para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso retiraria mais de R$ 4 bilhões do caixa do Tesouro Nacional por ano.
Durante a sessão, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), subiu ao plenário e pediu a Maia que a PEC fosse retirada da pauta, mas foi rechaçado pelo presidente da Casa. “Então vota contra, ué. Aí eu sou obrigado a segurar tudo?”, respondeu Maia, fora do microfone. A conversa acabou sendo captada pela transmissão da sessão. “Aí o presidente (Bolsonaro) vai e diz que os prefeitos estão contra mim”, completou Maia, numa clara referência ao episódio do 13º do Bolsa Família. Prefeitos pressionam a Câmara para aprovar a proposta.
Ao longo da sessão, Maia defendeu a votação da PEC dos municípios. De acordo com ele, a proposta foi aprovada em primeiro turno no plenário no ano passado e a pauta não é uma surpresa. “Não foram cinco sessões de espera, foram 12 meses de espera. Eu tenho certeza que ninguém vai dizer que a colocação da PEC na pauta significa qualquer surpresa a qualquer parlamentar na Casa.”
Em represália, a base aliada do governo começou a obstruir a sessão, arrastando as votações. Horas depois, o presidente da Câmara cedeu: anunciou que retiraria a PEC dos municípios da pauta desta segunda e que pautaria a medida para ser votada nesta terça-feira (22), às 18 horas, para dar tempo ao governo de garantir votos e aprovar um requerimento retirando o texto do plenário. “Estou dando prazo, tempo suficiente para que o governo organize a base. É importante a sociedade saber como cada um vota.”
Rivalidade entre Maia e governo é antiga
Rodrigo Maia é presidente da Câmara há mais de quatro anos e vive uma relação conflituosa com o governo Bolsonaro desde o início da gestão do presidente da República. No ano passado, um dos seus alvos foi o então ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que cobrara de Maia avanços no chamado pacote anticrime. Na ocasião, Maia chegou a chamar Moro de “funcionário do presidente”.
O presidente da Câmara teve embates mais diretos com Bolsonaro em outros instantes. Um momento delicado ocorreu em abril, quando Bolsonaro chamou a atuação de Maia de “péssima” e disse que o Brasil “não merece” o deputado, além de falar que o presidente da Câmara estava “conduzindo o Brasil para o caos”.
Mas o principal foco de embates entre Maia e o Executivo é o ministro Paulo Guedes. Maia criticou Guedes em diversas ocasiões pelo fato de que, segundo ele, o ministro não entregou ao Congresso projetos para as reformas econômicas. Guedes também alfinetou Maia em várias oportunidades. Em recente entrevista à revista Veja, o ministro falou que o presidente da Câmara tinha um “cronograma” para efetuar o processo de impeachment de Bolsonaro, ao lado de governadores e outras autoridades.
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