Continuidade da medida por recomendação das autoridades é mais defendida entre as pessoas idosas, as menos escolarizadas e as que vivem no Cariri, de acordo com estudo do Instituto Opnus
A Covid-19 tirou de todos, subitamente, um direito e uma vontade essenciais: o acesso à cidade e ao outro. Já são quatro meses e meio desde o decreto de isolamento social no Ceará, e a pandemia segue ativa, com uma média de 400 novos casos diários, segundo a Secretaria da Saúde (Sesa). Cearenses ainda se dividem quanto à manutenção do isolamento, mas a maioria é clara: 76% defendem a continuidade da medida, se for determinada por autoridades de saúde, conforme pesquisa realizada pelo Instituto Opnus, encomendada pelo Sistema Verdes Mares.
O estudo entrevistou 1.408 pessoas de todas as regiões do Estado, por telefone, em relação às opiniões delas sobre a pandemia; e foi feito entre 23 e 26 de julho, com maiores de 18 anos. O intervalo de confiança dos resultados do levantamento é de 95%, e a margem de erro máxima é de 2,6 pontos percentuais para mais ou para menos.
Apenas 21% dos entrevistados afirmaram ser contra o isolamento social, e 3% não souberam ou não responderam. Se olhada cada região, a maior concordância foi entre os caririenses: 84% deles são favoráveis à medida, e 14%, contra. Em Fortaleza, 75% são a favor e 24% contra; na Região Metropolitana, 79% são favoráveis, e 17% contra; na Região Norte, 79% defendem o isolamento, e 15% não; nos Sertões, 73% são a favor e 25% contra; e no Leste do Estado foi contabilizada a menor defesa: só 56% são a favor, e 43% são contra a medida sanitária.
No geral, são os idosos cearenses os que mais defendem o ato de ficar em casa: 85% são favoráveis. A média entre os mais jovens é de 74%. Para Cynthia Melo, psicóloga e pesquisadora da Universidade de Fortaleza, isso reflete um instinto de autoproteção entre os maiores de 60 anos. “A Covid-19 não seleciona candidatos, mas há os grupos de risco. É possível que os idosos tenham uma instabilidade emocional maior por isso, por se reconhecerem como um desses grupos”.
Saúde mental
Ainda que jovem, a assistente administrativa Aleksandra Vasconcelos, 34, é uma das defensoras da permanência do isolamento – que praticou por três meses, mas precisou abrir mão para voltar ao trabalho presencial. “Quanto mais pessoas dentro de casa, mais o índice de contaminação diminui e menos o vírus pode se espalhar. Nem todo mundo se conscientizou, mas obrigatoriamente muitos tiveram que ficar em casa, e isso fez com que a doença não se proliferasse mais ainda. Estamos colhendo os frutos disso”, avalia.
Mesmo com o respeito ao isolamento, Aleksandra está entre os quase 170 mil cearenses que contraíram a Covid-19. Embora não tenha sido hospitalizada, ela, que pegou a doença do pai, levou cerca de 30 dias para se recuperar de todos os sintomas. “Minha saúde mental foi muito abalada, pelo fato de estar em casa, pela mudança drástica e por medo dos meus pais e do meu filho pegarem. Tive três crises de ansiedade muito fortes, precisei de acompanhamento psicológico”, relembra.
Ela compõe outro dado preocupante da pesquisa: mais de seis a cada dez (62%) cearenses tiveram algum sintoma emocional durante a pandemia, sendo os sentimentos de medo de sair de casa, medo em geral e ansiedade os mais citados. As mulheres foram as que mais relataram as alterações (70%), ainda que mais da metade (53%) dos homens ouvidos as tenham mencionado. O isolamento e as perdas corroboram com o cenário: entre os mais de 1,4 mil cearenses ouvidos, 43% perderam algum amigo ou familiar para a Covid-19, e 60% têm em casa alguém que faz parte de grupos de risco.
Para Karla Patrícia, psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza, medo e insegurança são “naturais” e estão entre os fatores para que a maioria dos cearenses defenda o isolamento, mas “pode-se pensar também que há bom senso de se seguir o que as autoridades de saúde têm determinado”. “Para quem quer ficar em casa mas precisa sair, ou quem pode ficar em casa e quer sair por não suportar mais, o ideal é tomar todos os cuidados. Saber que não acabou, o risco continua e ainda é alto. É preciso se cuidar como no começo: usar máscara, evitar o contato próximo, andar com álcool em gel, evitar aglomerações”, pontua.
A profissional alerta, ainda, que é “cedo” para mensurar as consequências da pandemia à saúde mental, mas assegura que haverá – visão endossada pela psicóloga Cynthia Melo. “A Covid-19 é além de uma crise epidemiológica, uma crise psicológica. Os números mais assustadores de mortes, por exemplo, não retratam os casos de adoecimento mental. Existem registros de que houve um aumento significativo de estresse pós-traumático (TEPT), estresse pandêmico, depressão, ansiedade e Transtorno Obsessivo Compulsivo após outras pandemias. Na atual pandemia, temos percebido esses quadros”, cita.
Otimismo
Apesar disso, a melhora nos índices de disseminação da doença tem refletido, aos poucos, na percepção dos cearenses em relação a ela: de acordo com a pesquisa do Instituto Opnus, 61% acreditam que a pandemia “está melhorando”, porcentagem que sobe para 80% se recortados apenas os fortalezenses. A ideia pode refletir num “relaxamento” do isolamento. Após cerca de 100 dias em casa, convivendo com ansiedade e insônia, a assistente de compras Isabela Romão, 26, escolheu a Praia de Tabuba, em Caucaia, como primeiro destino não-essencial, no dia 5 deste mês.
“Fui tomar um sol, pegar um vento, botar os pés na água, ver a luz sem ser pela janela. Tava muito deprimida em casa, porque fui uma das privilegiadas que pôde se isolar desde o início”, pontua. Numa segunda tentativa, já na Capital, relaxar não foi bem o verbo. “Tava superlotada, não tinha como haver distanciamento. E me sinto muito insegura quando tô na rua e vejo alguém sem máscara, fico morrendo de medo quando tem muita gente no local”, confessa.
Keny Colares, infectologista do Hospital São José (HSJ), alerta que é preciso mais controle da população no retorno às ruas, para que não seja preciso o Governo do Estado determinar, de novo, mais rigidez no isolamento social. “Os riscos que existem são de retorno do aumento do número de casos da Covid-19, e de então, ao invés de termos um processo de abertura progressiva das atividades, termos uma regressão: atividades voltarem a ser bloqueadas. É preciso manter todas as medidas, como uso de máscara e o distanciamento físico”, alerta.
CE tem 141.449 recuperados
Nessa quarta-feira (29), o Ceará alcançou a marca de 141.449 pessoas recuperadas de Covid-19, desde o início da pandemia. No entanto, Estado contabiliza 169.138 infecções e 7.648 mortes por complicações da doença, conforme dados da plataforma IntegraSUS, gerida pela Secretaria de Saúde do Estado (Sesa).
A taxa de letalidade da enfermidade é de 4,6%. Há ainda 75.786 casos em investigação e já foram realizados 449.804 exames para diagnóstico.
Ainda liderando a lista de municípios com maiores indicadores, Fortaleza registrou 41.912 infecções e 3.690 óbitos. Em Sobral, também em destaque, os números chegam a 9.735 confirmações e 282 mortes.A Flourish map
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