Operação The Intercept saiu pela culatra e o acirramento favorece Bolsonaro

Bolsonaro aproveita o clima de Fla-Flu para conquistar mais espaço

João Marco Cunha
O Globo

Os fins justificam os meios? Essa questão tem levantado controvérsia entre pensadores há muitos séculos. Porém, nas resenhas filosóficas de botequim, a resposta é inequívoca: depende, tanto do fim, quanto do agente. Se uma pessoa tida como virtuosa está buscando finalidade percebida como nobre, a tolerância para o uso de meios eticamente contestáveis pode atingir níveis bem elevados. Assim sendo, a discussão é focada em quem são os virtuosos e quais são as finalidades nobres.

Glenn Greenwald viu-se com uma arma de destruição em massa nas mãos: farto conteúdo expondo indivíduos nada virtuosos — Moro, Deltan e seus pares — que buscavam fins abjetos — tirar Lula da cena política e jogá-lo na cadeia — através de meios ilegais e imorais, o conluio entre juiz e procuradoria.

SUPERBOMBA – Com essa “mãe de todas as bombas” jornalística lançada, ele iria desmascarar o ministro da Justiça, além de abalar gravemente o presidente Bolsonaro e, quem sabe, derrubá-lo. Nada disso aconteceu.

As percepções são sempre carregadas de uma boa dosagem de subjetividade. Para a maioria do povo brasileiro, os protagonistas da Lava-Jato estão em um patamar de virtuosismo semelhante ao que Greenwald atribui a Lula, justamente por combaterem a corrupção que o ex-presidente representa para essa parcela da população.

Portanto, considerando os agentes dignos e seus objetivos nobres, até mesmo aqueles que viram ilegalidades nas conversas — e não foram muitos dentre os que apoiam a Lava-Jato — deram de ombros. Relevante, sim, é o fato de agentes públicos terem suas conversas privadas violadas, pensaram (embora, via de regra, não tenham reagido da mesma forma quando o famoso áudio do “tchau, querida” teve o sigilo levantado).

NADA MUDOU – No frigir dos ovos, apenas uma parcela ínfima da população trocou de lado. Moro continua ministro, e Bolsonaro segue ostentando a faixa verde e amarela. Poder-se-ia concluir, então, que o tiro da bala de prata de Greenwald falhou. Mas, na verdade, ela saiu pela culatra.

O vazamento exposto em “The Intercept” serviu como novo impulso à polarização nacional, que vinha arrefecendo desde as eleições. Os lulistas viram a materialização incontestável do golpe que eles sempre denunciaram, enquanto os partidários da Lava-Jato viram o perigo de um retrocesso no combate à corrupção.

O acirramento do clima de Fla-Flu favorece o presidente Jair Bolsonaro, que foi quem melhor se aproveitou desse ambiente durante o período eleitoral. A ameaça vinda do inimigo comum ajuda a manter unida a base que o elegeu, a despeito de divergências que ficaram claras nos primeiros meses de governo.

IMAGEM DE LULA – Mas a consequência mais relevante da desastrada ação de Greenwald foi a reabilitação da imagem de Lula para uma parcela do eleitorado, ressuscitando-o politicamente.

“O Lula tá preso, babaca” é uma frase emblemática. Com ele fora de cena, os grupos de esquerda teriam a chance de se agruparem em torno de outra liderança, viabilizando-a para a próxima eleição presidencial. A disputa por essa posição estava apenas começando.

Agora, a fragmentação entre lulistas renitentes e demais esquerdistas parece mais provável. Nesse caso, o trabalho dos candidatos mais à direita será facilitado em 2022.

UM BOM EXEMPLO – Em 20 de Julho de 1944, um grupo de oficiais alemães planejou e executou um atentado contra Hitler. Se bem-sucedidos, provavelmente encerrariam a guerra no flanco ocidental e seus nomes estariam entre os mais conhecidos de história da humanidade.

Mas não foi o que aconteceu. Eles foram executados e caíram em relativo ostracismo. Gleenwald agiu convicto da nobreza dos seus fins e, talvez, tenha acreditado que entraria para a nossa história. Não será fuzilado, como foram os insurgentes alemães, mas, certamente, será menos lembrado que eles daqui a algum tempo.

Confira matéria do site Tribuna da Internet.

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