A vitória da chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner sobre o presidente Mauricio Macri no primeiro turno das eleições da Argentina foi uma rejeição às políticas de austeridade – que têm causado protestos em outros países da região.
A esquerdista Cristina Kirchner, presidente do país por duas vezes, é alvo de quase uma dúzia de processos na justiça em casos de corrupção. Mas ela é popular entre os eleitores de fora da capital Buenos Aires, e as reformas de Macri não conseguiram entregar o crescimento econômico que ele prometeu.
Macri convidou Fernández, que assumirá a presidência em 10 de dezembro, para uma reunião um dia após a eleição na Casa Rosada, em Buenos Aires. Os dois tomaram café nesta segunda-feira e deram início à transição de governo entre sorrisos e apertos de mão.
Após a vitória de Fernández, o Banco Central da Argentina anunciou que as compras dos argentinos em dólar serão limitadas a US$ 200 mensais por conta bancária e US$ 100 em espécie até dezembro. O limite anterior era de US$ 10 mil por mês. A medida visa controlar o valor da moeda americana.
Após a divulgação do resultado da eleição no domingo à noite, Fernández disse: “os argentinos precisam saber que todo compromisso que fiz é um compromisso ético. Nós construiremos a Argentina solidária e igualitária que todos sonhamos”.
Os desafios para isso não são poucos. A inflação deve passar de 54% em 2019; o desemprego é de 10%; a pobreza atinge mais de 35% da população; e o PIB deve acumular queda de 2,4% nos anos do governo Macri. Fernández terá que recuperar o país dessa profunda crise enquanto tenta equilibrar as demandas de sua base populista por mais gastos sociais com as demandas concorrentes dos credores da Argentina.
FMI
Macri solicitou um financiamento de US$ 56 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) em junho de 2018, a instituição já repassou US$ 44 bilhões ao país. Fernández é crítico do acordo e planeja renegociar os prazos para pagamento da dívida com o FMI, além de negociar com credores privados.
A vice influente
Muitos também questionam o papel de Kirchner sobre as decisões de Fernández: a ex-presidente se limitará a exercer as atribuições da vice-presidência, ou terá uma influência mais ampla no governo?
Predomina entre os analistas, mesmo entre os mais críticos ao kirchnerismo, a opinião de que Fernández exercerá o poder se vencer. “Será um governo em que ele comandará, pois o presidencialismo é muito forte na Argentina. Mas o segredo dessa chapa é ter conseguido reagrupar o peronismo. Os governadores terão um papel fundamental, e Cristina também terá o seu”, avalia o analista político Sergio Berensztein. Os governadores têm forte influência sobre o voto dos senadores argentinos, o que em geral é usado para aprovar projetos em troca de liberação de recursos.
Acuada por denúncias de corrupção desde que deixou a presidência Cristina tratou de manter uma vaga no Senado. O posto lhe dá imunidade parlamentar. Pesquisa das consultoras D’Alessio e Berensztein antes das eleições disse que sete em cada dez peronistas acreditavam que Fernández mandaria em caso de vitória. Entre os macristas, a proporção era oposta.
Redução da classe média
A redução da classe média e o aumento da pobreza estavam entre os principais temas da campanha. A faixa dos considerados pobres hoje engloba 35,4% da população argentina, segundo dados da Universidade Católica Argentina. Segundo um estudo paralelo, do Instituto de Pensamento e Políticas Públicas (IPyPP), desde 2015, 2,7 milhões de argentinos deixaram a faixa da classe média.
Desemprego
O desemprego na argentina é de 10%, mas chama a atenção de especialistas o fato de 29% da população economicamente ativa estar procurando emprego. “Muita gente aparece como ocupada, mas está procurando trabalho porque a desvalorização do peso tornou o salário insuficiente”, diz Claudio Lozano, economista do IPyPP.
Acordo Mercosul – União Europeia
A eleição de um partido de oposição ao atual governo argentino não deverá ter impacto no acordo entre o Mercosul e a União Europeia, avaliou o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, nesta segunda-feira.
Segundo Ferraz, o acordo UE e Mercosul teve forte apoio da sociedade argentina e é pouco provável que a nova gestão interrompa o processo. Ele estima que, se tudo correr como o esperado, em meados de 2020 o acordo deverá a ter sua vigência aprovada.
“A convicção (da manutenção do acordo) parte do diagnóstico de que é um acordo muito vantajoso para ambas as partes, Mercosul e UE, e vai trazer vantagens para os consumidores, com produtos mais baratos e acessíveis. Com o tempo, isso vai ficar mais claro”, disse Ferraz, que não acredita que as críticas à postura do Brasil em relação ao meio ambiente por alguns países europeus possa prejudicar a aliança. “Toda essa eventual celeuma que foi criada por questões ambientais vai passar e a racionalidade do debate vai ser retomada e ele vai ser aprovado”, afirmou.
Educação
A educação argentina ainda mantém um bom nível comparada aos vizinhos, mas perdeu a vantagem que tinha, avalia o professor Axel Rivas, diretor da escola de Educação da Universidade San Andrés. Nos anos 1960, o país superava a todos em quantidade de anos na escola entre os maiores de 25 anos. Em 2010, foi ultrapassado pelo Chile.
Questionado sobre a diferença entre os governos de Cristina Kirchner e o de Mauricio Macri, Rivas diz que o modelo peronista investia mais, mas “rezava” para dar resultado. O governo atual fez o contrário: propôs grandes mudanças e cortou investimentos.
Em 2018, o investimento em educação foi o menor da década: 5,1% do PIB, sendo que a lei determina gastos de 6% do PIB. Deste montante, 70% foram para a educação universitária, em gastos com infraestrutura e salários. Mas, mesmo privilegiado na distribuição de recurso, o ensino superior dá sinal de recuos.
O último ranking da consultoria QS indicou que 63% das universidades pioraram de posição em relação ao ano anterior. O aumento da pobreza, segundo a Universidade Católica Argentina, é um dos fatores que afetam a qualidade da educação. Segundo Manuel Álvarez Trongé, um dos maiores especialistas em educação do país, a pobreza afeta metade das crianças em idade escolar. Isso faz com que hoje 40% tenham problema de nutrição. Embora tenha havido evolução no ensino primário, metade dos estudantes não termina o ensino médio.
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