Disputa por recursos do petróleo ameaça Previdência e pode rachar Maia e Alcolumbre

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e Senado: casas têm entendimentos diferentes para divisão de recursos do Petróleo.| Foto: J. Batista/Agência Câmara

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse nesta quinta-feira (3) que defende que o governo federal edite uma medida provisória (MP) com as regras de distribuição aos estados e municípios de recursos obtidos com o leilão de lotes do pré-sal, previsto para 6 de novembro. “Qual foi a sugestão levantada pelo próprio líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e referendada na presença do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni? Que a gente buscasse o entendimento e levasse a sugestão de uma MP sobre esses recursos”, declarou.

O consenso sugerido pela fala de Alcolumbre, entretanto, não encontra abrigo no ambiente real da política. O assunto é um dos que mais tem despertado embates entre diferentes lideranças nas últimas semanas. É um imbróglio que envolve disputa entre governadores, pode afetar a reforma da Previdência e causar incômodo entre Câmara e Senado. Recentemente, Maia chegou a dizer que ele e Alcolumbre são “irmãos siameses”, em razão da proximidade de ideias.

Proposta de divisão de recursos opõe Maia e Alcolumbre
A indisposição entre Câmara, Senado, governadores e Palácio do Planalto se dá pela indefinição em torno dos critérios de como os recursos serão distribuídos. As duas casas do Congresso Nacional têm entendimentos diferentes sobre o tema.

A proposta de uma MP, sugerida por Alcolumbre, foi interpretada por Maia como uma violação ao Parlamento. O presidente da Câmara entende que a ideia pode ser inconstitucional: a medida teria força de lei e solucionaria de forma provisória a questão, atropelando temporariamente a discussão dentro do Legislativo. A questão pode quebrar a unidade entre Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – recentemente, Maia chegou a dizer que ele e Alcolumbre são “irmãos siameses”, em razão da proximidade de ideias.

O tema gerou também troca de farpas entre o senador Cid Gomes (PDT-CE) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), chamados entre si de “achacador” e “coronel”. Em meio ao impasse, Maia disse que as retaliações à Câmara ocorrem porque “o sucesso da Câmara incomoda”. Mas também na quinta-feira (3), Maia disse esperar “uma construção conjunta, sob a liderança dele [Alcolumbre]” para uma definição pacífica.

Racha entre estados, governo e Congresso vira ameaça à Previdência
A indefinição sobre o tema pode travar a reforma da Previdência porque parte dos senadores cobra do governo uma decisão rápida sobre o assunto. A expectativa dos parlamentares é a de que os critérios da distribuição estejam confirmados antes do leilão do dia 6.

A pressão sobre o governo não vem apenas de oposicionistas, e sim de membros de Centrão e até mesmo do líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP). Como o repasse de recursos contempla governadores e prefeitos, os senadores se sentem cobrados em suas bases.

As pressões em torno do tema ganharam ainda mais relevância após a derrota que o governo teve durante a votação do primeiro turno da reforma da Previdência no Senado. Apesar da aprovação do texto base, como desejava o Planalto, houve também o voto favorável dos senadores a um destaque em um tópico sobre abono salarial que ajudou a desidratar a reforma.

O momento foi interpretado como um sinal de fragilidade da articulação política do governo e uma amostra de que a vitória da reforma em segundo turno, que era dada como certa há algumas semanas já não é mais tão garantida.

Entenda a disputa de recursos do petróleo

As discussões sobre o repasse das verbas relacionadas à exploração do pré-sal existem desde que as reservas foram descobertas, em meados da década passada. Os debates sobre os recursos do petróleo costumam girar em torno de temas como a centralização de recursos na União ou o repasse maior a estados e municípios; a compensação maior a regiões produtoras ou uma distribuição igualitária entre as diferentes localidades do país; e também os índices que serão utilizados no ato da distribuição.

O debate atual tem o leilão de novembro como referência, em especial por conta da grande expectativa de arrecadação – de R$ 106 bilhões. Deste montante, estima-se que R$ 33 bilhões sejam destinados à Petrobras. É desta fatia que se originarão as verbas que chegarão aos cofres de estados e municípios.

Os parlamentares defendem que 30% do total vá aos outros entres, sendo 15% para os governos estaduais e 15% para as prefeituras. O entendimento da maior parte dos congressistas é que os critérios para a distribuição entre cidades e estados sejam os mesmos adotados atualmente para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada em setembro pelo Congresso pretendia solucionar o assunto, e estabelecer os critérios para o repasse. Mas modificações feitas pelos senadores, depois de o texto ter sido originalmente aprovado pelos deputados, fez com que a norma voltasse para análise da Câmara.

Com isso, a PEC acabou sendo promulgada, mas apenas com seus pontos menos controversos – entre eles, o que define que os recursos enviados pelo governo federal aos estados e municípios neste contexto não entrem no chamado “teto de gastos”. Com isso, a discussão permaneceu aberta e o projeto voltou para análise dos deputados. A sugestão de uma medida provisória aparece justamente pelo receio de que o processo de debate no parlamento não seja concluído a tempo do leilão.

E a reforma?
É aí que a reforma da Previdência volta ao centro do debate. Como a mudança no sistema de aposentadorias e pensões é o grande projeto do governo em 2019, todas as discussões acabam esbarrando nela.

Os senadores se queixam da falta de solução sobre o tema. Alguns se recordam que o estabelecimento de critérios chegou a ser proposto por Paulo Guedes ainda em 2018, quando o economista não havia tomado posse como ministro.

Vice-líder do governo no Senado, Elmano Férrer (Podemos-PI) disse que “não existe nada condicionado” em relação à resolução da cessão onerosa e a realização do segundo turno da votação da reforma da previdência. “Nós queremos votar até o fim da primeira quinzena de outubro, e faremos o máximo para isso”, declarou. O parlamentar, entretanto, admitiu que “há divergências” em torno do tema e destacou a pressão recebida por líderes políticos locais.

“Os governadores do Nordeste estiveram aqui na segunda-feira [dia 30] e pressionaram por uma solução quanto a esse assunto. Eles querem uma definição, e mesmo com grande parte deles fazendo oposição ao governo federal. Nesse tipo de debate as questões partidárias acabam ficando de lado”, declarou.

Férrer também disse não esperar que a disputa entre Arthur Lira e Cid Gomes evolua. “Isso já deve estar superado. Foi coisa de momento, no calor da discussão. Nós conhecemos o estilo do Cid, que acabou tendo uma reação brusca. Mas já passou”, apontou.

Novas alternativas de distribuição
Além de uma discussão de “vaidades” entre Câmara e Senado, o embate entre Lira e Cid Gomes teve como gancho a possibilidade de que parte dos recursos arrecadados nos leilões sejam destinados para o pagamento de emendas parlamentares. Em sua fala que despertou críticas dos deputados, o senador falou que Lira espera que 5% das verbas sejam remetidas às emendas, habitualmente utilizadas pelos parlamentares para contemplar obras em suas bases eleitorais.

Relator do debate sobre a cessão onerosa na CCJ da Câmara, o deputado Aureo (Solidariedade-RJ) é autor de uma proposta para outro critério de distribuição: em vez de 15% para estados e 15% para municípios, seriam 10% para os governos estaduais e o restante para as prefeituras.

O parlamentar disse que sua proposta teve boa receptividade inicial entre os colegas. Ele pauta sua ideia na defesa da distribuição de atribuições entre os entes federativos: “os municípios acabam tendo mais tarefas no dia a dia, então precisam de mais recursos”.

Aureo também afirmou ser contrário à ideia de resolver a questão por meio de uma MP. Diferentemente do que foi dito por Alcolumbre, ele acredita na possibilidade de a Câmara concluir as votações em tempo hábil para a legislação valer à época do leilão de 6 de novembro. “Há condições de se votar isso em tempo, tanto na comissão especial quanto no plenário. A Câmara está trabalhando bastante. Vamos aprovar”, disse.

Medida provisória: solução, mas não definitiva
Caso o governo siga a indicação de Alcolumbre e edite uma MP sobre o tema, poderá ter uma solução que atenda o problema do leilão do dia 6, mas isso não indica que o tópico será assunto encerrado.

Isso ocorre por conta da regulamentação das MPs. As medidas provisórias têm validade imediata. Porém, se não forem avaliadas pelo Congresso e transformadas em lei no prazo de 180 dias, deixam de ter efeito. Além disso, não é raro que no debate feito pelo Legislativo as medidas passem por alterações que acabem modificando o objeto inicial da proposta. Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro já editou 28 medidas provisórias. Destas, nove tiveram suas vigências encerradas.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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