Marcos Cintra foi a primeira vítima do choque entre visões distintas para a reforma tributária. O novo imposto sobre transações financeiras continua nos planos de Paulo Guedes e equipe
O estopim para a demissão do secretário da Receita, Marcos Cintra, foi a recriação de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. A celeuma em torno do novo imposto do cheque traduz uma divergência sobre a essência da reforma tributária e pode levar o Congresso a um impasse insolúvel com o Executivo.
O primeiro ponto a entender é que, embora Cintra fosse o rosto que acostumamos a associar ao novo imposto, ele não é o único nem o mais importante defensor dele. A ideia ainda é defendida pelo ministro Paulo Guedes e por parte relevante da equipe econômica e, ao contrário do que afirmou o presidente Jair Bolsonaro no tuíte em que anunciou a demissão de Cintra, não deverá sumir.
Os motivos que levam Guedes a defendê-la são ligeiramente distintos dos que motivam Cintra. Para Cintra, tratava-se de um passo rumo à obsessão de toda a vida: um imposto único que levasse ao fim de todos os demais, com cobrança simples e sem necessidade de burocracia para fiscalização. É uma ideia que, apesar de atrair empresários ligados ao varejo, carece de qualquer fundamento ou sentido amparado na realidade. Mero delírio, como expliquei num post semanas atrás.
Para Guedes, a criação na nova CPMF tem um sentido mais prático. Ele tem a intenção expressa de reduzir a contribuição empresarial sobre a folha de pagamentos, hoje em 20%, para pelo menos 13%. Acredita, com isso, ser capaz de estimular a criação de empregos e resgatar a dinâmica do crescimento econômico.
O novo Imposto sobre Transações Financeiras (ITF) – cuja alíquota já foi aventada em 0,2%, 0,28%, 0,4% e até 1% sobre saques ou depósitos, com arrecadação estimada entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões anuais – compensaria a receita do governo perdida com a desoneração da cobranças sobre as empresas.
Entre os economistas, não há dúvida de que a recriação da CPMF é uma péssima ideia. Por três motivos (também explicados em post recente). Primeiro, incentiva transações em dinheiro vivo e a circulação fora do sistema bancário, reduzindo o potencial de arrecadação. Segundo, inibe a especialização (e o consequente aumento da produtividade), ao levar empresas a concentrar atividades internamente.
Terceiro, é aquilo que os economistas chamam de regressivo: incide igualmente, com a mesma alíquota, sobre ricos e pobres. Pune, portanto, quem ganha e tem menos. Em vez de uma cobrança apenas sobre empresas, haveria outra sobre todos os brasileiros, de qualquer estrato social. Seria um imposto socialmente injusto.
A obsessão de desonerar a folha de pagamento das empresas não é a única que move a concepção de reforma tributária do governo. Guedes também resiste à proposta em tramitação na Câmara, que prevê a unificação de impostos estaduais e municipais, acabando com a guerra fiscal. Para ele, os estados devem manter o poder arrecadatório e ter autonomia para atrair investimentos.
As duas visões – desonerar empresas e ampliar a fatia de arrecadação de estados e municípios – opõem a a proposta tributária de Guedes à que está na Comissão Especial da Câmara. Não há conciliação possível. Ou bem haverá CMPF, ou não. Ou haverá unificação de impostos estaduais e municipais, ou não.
Assim como havia intervindo no debate da reforma previdenciária em defesa de idades mínimas diferentes para homens e mulheres, Bolsonaro entrou na discussão tributária movido por uma causa popular. A CPMF tem péssima fama e ninguém quer saber da volta dela.
Mas as divergências entre a visão tributária de seu próprio governo e a que parece ter apoio da maioria do Congresso são maiores, inconciliáveis e permitem antever um impasse. Impostos envolvem ainda mais interesses e conflitos que aposentadorias e pensões. Não é coincidência que todo governo prometa reformá-los para simplificar a vida das empresas e cidadãos, mas até agora nenhum tenha conseguido. Cintra foi apenas a primeira vítima de uma batalha política que mal começou.
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