Para professor que representou academia nas negociações de paz em Havana, possibilidade de grupo dissidente se tornar nova Farc é ‘escassa’
Entre os argumentos dos ex-líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que anunciaram a volta às armas, há elementos importantes que precisam ser considerados, na opinião do coordenador do curso de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos Medina Gallego, para quem o governo já vinha dando sinais de não cumprimento do pacto. “As possibilidades de que esse grupo se converta em uma organização tão importante como chegou a ser as Farc são realmente escassas”, afirmou Gallego, em entrevista ao Estado.
O professor, representante do mundo acadêmico nas negociações em Havana, explica que, de acordo com as declarações dos dissidentes, a luta armada proposta agora não é contra a população, mas contra forças públicas e políticas classificadas pelos rebeldes como “corruptas”. “Eles fizeram um chamado profundo para que o governo retome a implementação do acordo e execute as ações necessárias para mostrar ao mundo que o país está levando adiante esse pacto.”
O anúncio dos guerrilheiros é o fim do acordo de paz?
Acredito que as declarações de Iván Márquez, juntamente com outros comandantes conhecidos do período de guerra, preocupam, mas não devemos ser alarmistas e decretar o fim do processo de paz. As declarações não significam que não esteja valendo mais o que foi decidido em Havana.
Eles têm razão ao afirmar que o acordo estava sendo descumprido?
Grande parte dos relatórios sobre o cumprimento do acordo mostra que o governo do presidente Iván Duque estava preocupado e simulando o cumprimento do pacto. Na realidade, os indicadores mostram o contrário. A missão de verificação das Nações Unidas, liderada por José Mujica e José Luis Rodríguez Zapatero (observadores do pacto), apresentaram em relatório cujos argumentos dão razão a essa dissidência, quando afirmam que o pacto não estava sendo cumprido.
Como fica agora o partido Farc?
Esse anúncio é uma ruptura definitiva desse grupo com o novo partido político que se formou da antiga Farc, que está satisfeito com o resultado da negociação de paz. Os dissidentes deixam oficialmente de ser parte do partido.
O grupo será uma nova Farc?
As possibilidades de que esse grupo se converta em uma organização tão importante como foram as Farc são realmente escassas.
Por que?
Primeiro, porque na carta de intenção os rebeldes defendem uma modalidade de guerra que não é contra a população, mas contra a força pública, fundamentalmente contra a classe política, que eles classificam como corrupta. Eles falam também que construirão um modelo de economia de guerra que centra sua atenção contra as economias ilegais e as empresas transnacionais, que minam os recursos do país, estabelecendo assim um relacionamento com empresários, agricultores e comerciantes, buscando um compromissos reais para com o desenvolvimento da vida social e econômica dos territórios. Eles também fazem uma ponderação da prática histórica de mais de 200 anos dos governos colombianos de não cumprirem acordos de paz.
O sr. concorda?
Tem um fundo de verdade e é necessário ponderar que eles fazem um chamado profundo ao governo para que retome a implementação do acordo e realmente execute os termos que indicam que ele está sendo cumprido. Essas ações são necessárias para mostrar ao mundo que o país está cumprindo esse acordo.
Como deve ser a conduta do presidente Iván Duque?
O presidente tem dois caminhos. O primeiro é abordar essa situação maneira negativa, ressaltando que os guerrilheiros não cumpriram o acordo. Mas é preciso lembrar que mais de 78% das pessoas que se desmobilizaram com o pacto estão nos espaços territoriais (da guerrilha) e participam da política. Somente cerca de 14% dos dissidentes estão retomando as armas. No segundo, ele precisa considerar que a sociedade terá de refletir sobre a maneira como ele vinha se comportando com relação ao acordo e evitar um novo ciclo de violência.
Há o risco de um novo conflito civil?
O modelo de guerra que os dissidentes propõem é completamente distinto, no qual se evita a confrontação com a polícia e com o Exército. Os sequestros e todas as ações militares poderão agora ser mais seletivos e direcionados a políticos corruptos e negligentes com o acordo. Para construir sua ‘economia de guerra’, os rebeldes deverão ter como alvos as atividades ilegais de mineração, narcotráfico e, com certeza, extorsão das empresas transnacionais.
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