Em três anos, empresas brasileiras já levantaram mais de US$ 5 bilhões nos EUA

Wall Stree é a sede das principais bolsas de NY como a New York Stock Exchange (NYSE) — Foto: Reuters

Desde 2017, 8 empresas decidiram abrir capital no mercado acionário norte-americano. Neste ano, duas companhias nacionais já estrearam em Wall Street.

Nos primeiros sete meses deste ano, duas empresas brasileiras estrearam na bolsa nos Estados Unidos: a Linx, de software, e a Afya, de educação médica. Elas estão na ponta de um movimento que começou em 2017 e já levantou US$ 5,3 bilhões para companhias nacionais, em oito aberturas de capital.

O movimento ainda é tímido, mas indica que mercado acionário norte-americano pode ser um caminho para as empresas brasileiras. No mesmo período, desde 2017, 15 empresas fizeram a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa brasileira, a B3, arrecadando R$ 32 bilhões.

“Eu diria que [a abertura de capital no exterior] não é uma tendência generalizada, é uma situação que vai variar de caso a caso, dependendo do perfil de cada uma das empresas”, afirma responsável pelo investment banking do Citi Brasil, Eduardo Miras.

A aposta de empresas brasileiras nos mercados internacionais, sobretudo nos Estados Unidos, tem sido liderada por companhias do setor de tecnologia de rápido crescimento – ou por aquelas que têm um pé nesse ramo. É no mercado norte-americano, onde o investimento em bolsa está muito mais consolidado, que elas vão encontrar investidores dispostos a financiá-las e a aceitar um risco maior.

“Por conta de o mercado ser muito mais maduro, existem investidores de todos os tipos e muitos deles são mais dedicados à tecnologia. Quando se investe em tecnologia, é preciso de um certo conhecimento, dado que a probabilidade de não ter sucesso é maior do que de a uma empresa convencional”, diz André Rosenblit, responsável pela área de equities do banco do Santander.

Além de Linx e Afya, estão listadas atualmente nos Estados Unidos:

  • a companhia aérea Azul – que também tem capital aberto no Brasil;
  • a mineradora Nexa Resources – ex-Votorantim Metais;
  • as empresas de meio pagamento PagSeguro e Stone;
  • e a Arco Educação.

A Nethoes abriu o capital na bolsa de Nova York em abril de 2017, mas não opera mais no mercado americano. A empresa teve as ações, que não tinham bom desempenho, recolhidas após a compra pelo Magazine Luiza, em junho deste ano. A operação custou US$ 115 milhões ao Magazine.

Por que lá fora?

Em geral, abrir o capital nos EUA custa mais caro do que no Brasil. Aqui, os custos com a operação podem variar de 2,5% a 5,6% do volume captado, enquanto no mercado americano esse percentual vai de 4% a 11,7%, segundo estudo feito pela PwC a pedido da B3. Quanto maior a operação, menos os gastos pesam na conta.

Apesar disso, além da maior quantidade de investidores dispostos a colocar dinheiro no negócio, o mercado de ações dos EUA oferece uma série de vantagens em relação ao brasileiro, segundo analistas:

  • acesso um mercado com maior liquidez;
  • avaliação da empresa em dólar;
  • exigência de volume menor de ações em circulação (free float);
  • possibilidade de ter ações com poder de voto especial;
  • acesso a fundos específicos.

Em um mercado com maior volume de negociações na bolsa, é maior a possibilidade de conseguir uma boa precificação das ações na estreia. E ter a empresa avaliada em dólar facilita potenciais fusões e aquisições, além de ser mais seguro para o investidor.

“Por mais que o desempenho da empresa não dependa do câmbio, o estrangeiro fica exposto à volatilidade quando compra a ação em real”, diz Marcos Piellusch, professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Para ser listada nos segmentos especiais da B3, as empresas precisam deixar um mínimo de 25% de ações circulando no mercado, ou seja, os donos precisam se desfazer dessa fatia no momento da abertura de capital. É o chamado “free float”, mecanismo que serve para garantir a liquidez dos papéis. Nos EUA, o percentual exigido é menor, de 10% – e atrai as companhias para o mercado americano.

“Imagine que o dono da empresa quer abrir o capital, mas acredita que as ações vão valorizar muito mais. Ele não precisa vender 25% [da empresa num primeiro momento], ele vende só 10% e tem oportunidade de vender outros 15% num outro momento. Isso realmente faz diferença”, explica Rosenblit, do Santander.

Outro atrativo do mercado americano é uma classe de ações que garante direitos especiais de voto ao detentor, algo que não existe na bolsa brasileira – o mais próximo disso são as “golden shares”, detidas pelo Estado em companhias que já foram públicas.

“Isso é muito comum nas empresas de tecnologia. Permite que a companhia continue levantando capital, mas mantendo um grau de controle de influência significativos pelos fundadores. Jeff Bezos, por exemplo, tem uma fatia pequena da Amazon, mas uma boa parcela dos votos”, diz Miras, do Citi. Stone e PagSeguro optaram por esse recurso, segundo ele.

“Nos EUA há também uma oferta significativa de fundos que aplicam em setores específicos, como o de tecnologia, o que acaba sendo um chamariz para de investidores. Gera um fluxo indireto no papel, é mais uma motivação”, diz Rosenblit.

O que esperar do futuro

Na visão dos analistas, os Estados Unidos podem continuar como um caminho para as companhias brasileiras, e o mercado de ações do Brasil terá de preencher as suas lacunas para atrair as empresas que hoje preferem exterior.

A expectativa é que o cenário de juros baixos no Brasil – a Selic hoje está em 6% – leve parte dos investidores a migrar da renda fixa para a variável nos próximos anos, o que, portanto, pode ajudar a aumentar a demanda pelo mercado acionário brasileiro.

Sede da Bovespa, no Centro de São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Arquivo
Sede da Bovespa, no Centro de São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Arquivo

Hoje, quando comparado com resto do mundo, o mercado acionário brasileiro é considerado pouco maduro. De todo o lucro gerado pelas empresas do Brasil, só 10% estão na bolsa. Em países desenvolvidos, essa fatia gira em torno de 20% a 25%.

“Há poucas empresas com capital aberto e um potencial enorme [do mercado acionário brasileiro]”, diz Rosenblit, do Santander. “No Brasil, temos pouco investimento em ações, e uma população gigantesca, de 200 milhões de habitantes.”

Nos próximos 12 meses, o Santander estima, por exemplo, que a bolsa brasileira pode ter a abertura de capital de 25 a 30 empresas se não ocorrer nenhuma turbulência no cenário local e internacional. Esse número pode recuar para apenas cinco aberturas de capital se houver uma piora econômica no Brasil e no exterior, segundo o banco.

“Sempre vai haver espaço para duas coisas, tanto uma abertura de capital nos EUA como no Brasil”, afirma Michael Viriato, professor de finanças do Insper. “Mas é provável que em algum momento, nos próximos anos, vamos atravessar um momento similar ao que houve entre 2004 e 2008, quando o volume do IPOs foi muito grande no Brasil.”

Confira matéria do site G1.

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