Em meio à crise, 41 cidades do Ceará arrecadaram menos de 1% da despesa

Auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) levou em consideração valores de 2017. Nenhum município cearense chegou a custear 30% do que precisou para manter os serviços

Auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluiu que 41 municípios do Ceará arrecadaram, em 2017, menos de 1% das despesas totais do ano. Dos valores utilizados pelos 184 municípios para a prestação de serviços básicos à população, que incluem, além da arrecadação própria, transferências de outros entes e repasses extras, 96% da amostra não conseguem custear nem 10% do que gastam. Outros 4% não chegaram a captar 30% do necessário.

A drástica dependência de recursos extras para a sobrevivência das Prefeituras no Ceará é resultado de um estudo elaborado pelo corpo técnico do Tribunal que durou cerca de um ano para ser concluído. Com a diminuição de recursos a cada ano, intensificada pela crise econômica, os prefeitos cearenses seguem, em coro, cobrando a revisão do Pacto Federativo, que pode corrigir cifras repassadas da União aos municípios. Principal reclamação dos gestores no interior, a folha de pagamento dos servidores é outro destaque do relatório. Pelo menos, 90% dos municípios não arrecadam nem sequer 10% dos gastos com os profissionais.

Prefeitura mais bem ranqueada no quesito, São Gonçalo do Amarante consegue pagar 58,85% dos servidores com receita própria – seguida de Aquiraz (42,68%), Jati (39,57%) e Fortaleza (37,31%).

Considerando receita própria, os impostos sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e as contribuições de melhoria de competências municipais, com foco nos resultados alcançados em 2016/2017, a Corte identificou que em 30 municípios houve a arrecadação menor do que projeções iniciais. Em Reriutaba, o percentual chegou a -70,75%. Em Jati, o índice chegou a 2.260,03%.

Para o Tribunal, resultados inferiores ou superiores a 30% de variação “podem denotar ineficiência no planejamento orçamentário e/ou no esforço arrecadatório e que não são salutares à administração tributária”.

As divergências entre a expectativa e a realidade são explicadas na ausência de corpo técnico qualificado para calcular a previsão. Questionadas, 77,72% das prefeituras afirmaram que o sistema de arrecadação utilizado é terceirizado.

A ausência de estrutura ideal tem prejudicado a capacidade de administração dos próprios gastos municipais e aumentado a dependência financeira em relação à União e ao Governo do Estado, segundo o relatório. Entre 2015 e 2017, a relação da média de arrecadação própria e a receita corrente caiu ano a ano, indo de 9,21%, passando a 9,05% e encerrando em 8,73%.

Prefeituras

“É muito sofrimento para se recolher qualquer centavo, além de salientar que 33% da nossa população vivem na sede do município. Outros 66% vivem no interior, onde é mais pobre ainda. A arrecadação que a gente recolhe é de serviços, de ISS, de empresas que prestam serviços no município e que graças a Deus a gente tem conseguido obras importantes”, explica o prefeito de Cariré, Elmo Aguiar (PDT).

Prefeito de Cedro, o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz (PDT), explica que a receita não é tão simples. Arrecadar recursos no interior envolve, além de incentivos, corpo técnico qualificado para criar políticas locais de produção de riqueza. O gestor trabalha uma alternativa de premiação de prefeitos que consigam evoluir na administração das contas públicas.

“Esse modelo da gestão fiscal dos municípios está extremamente ultrapassado. Precisamos mudar para que a gente possa fazer com que os prefeitos sejam estimulados a arrecadar mais”, cobra o presidente. A Associação quer a implementação de um programa ao estilo do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), que vincula repasses do ICMS à qualidade do ensino nos municípios.

“Não é fácil a industrialização em pequenos municípios. Não é só uma questão de querer. Acho que depende dos prefeitos, seria mudar uma forma de pensar, de fazer uma parceria junto com o Governo do Estado para que a gente pudesse, nos moldes do Paic, criar uma nova mentalidade de fazer gestão fiscal”, pontua Diniz.

CNM

Eduardo Stranz, consultor da área de estudos técnicos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), pontua que, apesar do cenário negativo de produção própria de receitas, “a transferência não é um favor do Estado e da União”, já que a riqueza, gerada pelo município, “vai para os cofres do Estado e da União e eles geram uma pequena parcela” para as cidades.

“Não concordamos com a visão, com a pecha, de que municípios ‘vivem de favor’. Recebem transferências porque foram geradas ali, para a cidade se manter, gerar os serviços públicos”, reclama.

A Confederação destaca ainda o “componente político” para a cobrança do IPTU, por exemplo. A capacidade de cobrar os impostos e o empenho na fiscalização podem ser um dos caminhos a seguir.

Forte concentração de renda no Ceará

Apenas dez dos 184 municípios do Ceará concentram 84,6% da receita própria arrecadada por todas as prefeituras cearenses. O dado faz parte do relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE), divulgado ontem, que analisou a eficiência dos municípios na gestão financeira.

Segundo o TCE, Fortaleza, São Gonçalo do Amarante, Aquiraz, Eusébio, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Sobral, Brejo Santo e Iguatu, juntos, somam R$ 1,5 bilhão em receita própria arrecadada. No somatório de todos os 184 municípios, o valor é de R$ 1,8 bilhão.

A Capital é responsável por R$ 1,1 bilhão em receita própria, mas concentra também o maior número de habitantes, 2,6 milhões de pessoas. A cidade mais populosa tem 65,49% da receita própria arrecadada no Estado.

A receita desses dez municípios é garantida, principalmente pela cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS), que corresponde a 59,41% do arrecadado.

O estudo da Corte mostra que o investimento em grandes obras tem beneficiado municípios como São Gonçalo e Brejo Santo. Além de serem cidades de médio porte, em razão da quantidade de habitantes e do nível de urbanização, recebem as obras, respectivamente, do Complexo Portuário do Pecém e da Transposição do Rio São Francisco.

Para o conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará, Wellington Silva, o Pacto Federativo precisa ser mudado como forma de reverter o quadro.

“A maior parte dos impostos ficou a cargo dos municípios. Grande concentração (de arrecadação) da União, média para os estados e pequena para os municípios. Congresso e Governo Federal precisam se conscientizar que os municípios cearenses precisam arrecadar”, diz.

Por outro lado, a Aprece pontua a necessidade de novas políticas, já que a quase totalidade de novas empresas são instaladas na Região Metropolitana.

Confira matéria do Site Diário do Nordeste

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