Oposição do Paraguai busca impeachment de presidente por acordo energético com Brasil

O presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez — Foto: Jorge Adorno/Reuters

Presidente do Partido Liberal diz que irá apresentar pedido à Câmara alegando traição à pátria, mas abertura do processo depende de votos de movimento dissidente de partido do governo. Cronograma de compra de energia de Itaipu até 2022 irá elevar gastos do Paraguai em mais de US$ 200 milhões.

Partidos de oposição do Paraguai anunciaram nesta quarta-feira (31) que apresentarão um pedido de impeachment contra o presidente, Mario Abdo, e o vice-presidente Hugo Velázquez, por conta do escândalo em torno de um polêmico acordo energético com o Brasil.

Políticos e parlamentares reagiram contra a assinatura do acordo fechado em maio, que estabelece um cronograma para a compra de energia gerada pela hidrelétrica binacional Itaipu até o ano de 2022.

Resumo do caso:

  • em maio, os governos brasileiro e paraguaio fecharam sigilosamente um novo acordo que, na prática, fará o Paraguai pagar mais caro pela energia de Itaipu
  • pelo novo acordo, o Paraguai aumenta a previsão de consumo de energia garantida (mais cara) e renuncia ao benefício do consumo de energia adicional (mais barata).
  • o novo acordo levou o chanceler paraguaio, presidente de Itaipu e outros dois funcionários de alto escalão a renunciarem
  • oposição paraguaia acusa o presidente Mário Abdo de favorecer interesses brasileiros e vai entrar com um pedido de impeachment na câmara dos deputados

“Vamos preparar a documentação necessária para o processo por traição à pátria, isso significa mau desempenho e serão necessárias novas eleições”, disse Efraín Alegre, presidente do Partido Liberal, a principal sigla de oposição no país.
O processo de impeachment deve ser iniciado na Câmara dos Deputados, onde são necessários 53 votos para a acusação. Em seu bloco, a oposição reúne apenas 38, portanto a abertura do processo dependerá dos votos do Honor Colorado, movimento dissidente do partido de governo liderado pelo ex-presidente Horacio Cartes.

Antonio Rivas assumiu nesta quarta-feira (31) o ministério das Relações Exteriores do Paraguai. — Foto: HO / Paraguay's Foreign Relations Ministry / AFP
Antonio Rivas assumiu nesta quarta-feira (31) o ministério das Relações Exteriores do Paraguai. — Foto: HO / Paraguay’s Foreign Relations Ministry / AFP

O que diz o acordo

A oposição paraguaia acredita que o acordo pode levar a aumentos nos custos de energia para o país. O jornal paraguaio “ABC Color” aponta que a usina de Itaipu fornece energia com dois preços diferentes a Brasil e Paraguai: há a energia garantida (mais cara) e a energia adicional, que é um excedente (mais barato).

Em 2007, em troca da instalação de mais duas turbinas binacionais, das quais o Brasil precisava, o Paraguai conseguiu negociar o benefício para comprar energia adicional em maior quantidade, pagando menos do que se consumisse o mesmo volume na forma de energia garantida.
Com a nova ata, diz o “ABC Color”, o Paraguai concorda em usar a energia garantida de Itaipu – mais cara que a excedente, que é usada hoje pelo país -, renunciando assim ao benefício da energia adicional (mais barata). O novo acordo geraria uma diferença de US$ 350 milhões (R$ 1,3 bilhão) para a Administração Nacional de Eletricidade (Ande) paraguaia, segundo especialistas da área ouvidos pelo periódico.

Brasil está disposto a fazer justiça, diz Bolsonaro

Nesta quarta-feira, assumiram o novo ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Antonio Rivas, e novo titular paraguaio de Itaipu, Ernst Bergen. Os antecessores deles pediram demissão da pasta na segunda-feira (29) por causa do acordo de Itaipu.

O novo chanceler do Paraguai, que antes ocupava o cargo de vice-ministro das Relações Exteriores, anunciou que irá na sexta-feira (2) a Brasília para uma reunião com representantes do governo de Jair Bolsonaro para cancelar o documento e disse que encontrou “uma visão positiva” nos representantes do Itamaraty.

“Queremos corrigir a situação com o Brasil”, disse o diplomata. Os vizinhos pretendem invalidar a ata e instruir os técnicos da Ande e da Eletrobras para um novo contrato.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, também comentou nesta quarta (31) a questão de Itaipu.

“Olha, nosso relacionamento com o Paraguai é excepcional, excelente. Estamos dispostos a fazer justiça neste questão de Itaipu Binacional, que é importantíssimo no Paraguai e importante para nós”, disse Bolsonaro, segundo a Reuters.
“Não é questão de ceder ao Paraguai. Não é meio a meio? A princípio é por aí. As pequenas derivações a gente acerta aí”, acrescentou.

Em nota, o Itamaraty declarou que o governo brasileiro acompanha o processo de “juízo político” contra o presidente paraguaio.

“Ao reiterar total respeito ao processo constitucional do Paraguai, o Brasil confia em que o processo seja conduzido sem quebra da ordem democrática, em respeito aos compromissos assumidos pelo Paraguai no âmbito da cláusula democrática do Mercosul – Protocolo de Ushuaia”, afirma a nota.

Renovação em 2023

O excedente de água não usado na produção de energia escoado por uma das três calhas era o equivalente à vazão média das Cataratas do Iguaçu, 1,4 milhão de litros por segundo — Foto: Adenésio Zanella/Itaipu Binacional
O excedente de água não usado na produção de energia escoado por uma das três calhas era o equivalente à vazão média das Cataratas do Iguaçu, 1,4 milhão de litros por segundo — Foto: Adenésio Zanella/Itaipu Binacional

A hidroelétrica de Itaipu, construída sobre o rio Paraná, que separa o Brasil e o Paraguai, produz 14 mil megawatts e é a segunda maior do mundo, atrás da chinesa Três Gargantas. O Brasil consome 93% da energia da usina, e compra o excedente do Paraguai.

A oposição paraguaia questiona a venda dessa energia “a um preço ridículo”, segundo afirmou o parlamentar Ricardo Canese, que pertence ao partido Frente Guasú (Frente Grande).

Depois de 50 anos, em 2023, os dois países devem rever o tratado original de Itaipu, assinado em 1973 pelos ditadores Alfredo Stroessner e Ernesto Geisel.

Um novo tratado envolve a revisão do preço da energia, que sempre foi percebida no Paraguai como desfavorável aos seus interesses.

“O Paraguai deixou de receber US$ 75 bilhões por não vender a preço de mercado, desde que a usina começou a operar em 1984”, garantiu à AFP o cientista político Miguel Carter, segundo cálculo feito a partir de dados oficiais.

Confira matéria do site G1.

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