Aos poucos, usinas de açúcar e álcool retomam plantio manual de cana e ex-boias-frias dividem canaviais com trabalhadores escolarizados
Em plena era da colheita e plantio mecanizados nos canaviais, Bruno Aparecido Paulino, 23 anos, foi contratado para colocar as mãos na terra. Desde o início do ano no grupo São Martinho, Paulino planta mudas de cana-de-açúcar criadas em estufas, que têm sido multiplicadas em campos experimentais. Filho de pedreiro e com ensino médio completo, Paulino faz parte de uma nova safra de trabalhadores que voltou a plantar cana manualmente.
A volta do manejo manual está longe de se tornar rotina nos 9,4 milhões de hectares cultivados no País. Pouco a pouco, porém, esse cenário está mudando. Grupos como o São Martinho, um dos maiores produtores de açúcar e álcool do País, têm trabalhado no desenvolvimento de suas próprias mudas, consideradas mais produtivas. Outros utilizam cana crua ou compram mudas no mercado. A diferença é que, para plantá-las, algumas usinas estão deixando de lado seus pesados e modernos equipamentos. Descobriram que a utilização de trabalhadores, neste caso, é mais eficiente que a máquina. As plantadeiras, além de compactar a terra, desperdiçam matéria-prima.
Caminho sem volta, a mecanização dos canaviais eliminou cerca de 500 mil vagas nos últimos dez anos, muitas delas ocupadas por boias-frias que vinham do Nordeste para cortar cana no Centro-Sul do País. Parte desse contingente foi aproveitado pelas usinas e ganhou outras funções, como operadores de máquinas, mecânicos e até em cargos administrativos, mas muitos foram para a rua, engrossando as estatísticas de desemprego. O setor, que já teve 1,3 milhão de trabalhadores, hoje emprega cerca de 850 mil pessoas.
Homem x máquina
“Ainda bem que o homem voltou a exercer uma função que foi tirada pela máquina”, diz Benedito de Souza, o Dito, de 62 anos. Há 47 anos no grupo, chefia uma equipe de trabalhadores rurais que plantam pelo sistema meiosi. “Meu pai era cortador de cana no grupo. Comecei também como cortador, mas virei encarregado em 1981. Meu filho também trabalha aqui, como químico formado. Isso é motivo de orgulho.”
Irmãos trabalham no mesmo canavial
Na equipe comandada por Dito há mais veteranos do que iniciantes. Entre eles, Marquinhos Coelho dos Santos, 42 anos. Há sete anos na Virálcool, veio do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, para trabalhar na lavoura no interior de São Paulo. Analfabeto, não pôde tirar carteira de motorista. Por isso, exerce a mesma função desde que entrou na empresa. Já seu irmão Adenilson Coelho dos Santos, 31 anos, chegou há um ano para trabalhar no mesmo grupo. Com ensino médio completo, já foi metalúrgico em Belo Horizonte, mas o desemprego o empurrou para o campo. Marcone, irmão de Adenilson e Marquinhos, que não soube nem dizer sua idade (ele pediu ajuda à reportagem e mostrou seu RG para responder à pergunta), também chegou à usina há pouco tempo. “Estudei até o 4º ano (do ensino fundamental). Trabalhar no campo foi minha única opção. Mas eu gosto.”
A seguir, algumas histórias de trabalhadores rurais.
Sofia Gomes, de 45 anos, trabalha em usina sucroalcooleira há um bom tempo. “Saí de José Gonçalves de Minas (cidade no norte de Minas Gerais) para procurar melhores oportunidades de emprego em São Paulo. Não deu para estudar muito. Trabalho desde muito cedo em lavoura. Comecei na roça do sítio dos meus pais. Estou há um ano e meio aqui (na biofábrica de mudas de cana pré-brotadas da São Martinho). O que eu faço agora é bem mais tranquilo do que um trabalho mais pesado no campo. Aqui, quando não estou separando as geminhas (pequenos gomos de cana, depois plantadas em estufas para multiplicação), ajudo em outras funções na usina fazendo outras atividades agrícolas.”
Marlon Lago, 46 anos, que já foi cortador de cana, comemora a volta do plantio manual. “Fico muito feliz de dizer que os homens estão voltando a fazer o trabalho das máquinas agrícolas. Quero que as plantadeiras de cana se aposentem e que as usinas voltem a contratar mais gente. Já fui cortador de cana. Cortava cerca de 10 toneladas por dia, mas não era muito bom no que eu fazia. O desemprego está muito alto lá fora e fico satisfeito com a retomada da meiosi.”
Ricardo Bergamasco, 36 anos, fez curso profissionalizante e passou a conduzir máquinas depois que a colheita manual foi abolida. “Antes de entrar aqui na empresa, trabalhei no corte de cana por um ano. Com a mecanização do setor, fiz cursos profissionalizantes na São Martinho e agora sou apontador (operador de máquinas). Tenho dois filhos. Eu os incentivo a estudar muito, porque sei o quanto é importante ter uma profissão. A vida é melhor no comando de um trator do que no chão cortando cana.”
Gilson dos Santos, 46 anos, começou como temporário na biofábrica da São Martinho e agora é contratado. “Vim para São Paulo pela primeira vez em 2008 para trabalhar em canaviais. Voltei algumas vezes para minha cidade natal. Nasci em Bom Jardim, em Pernambuco, mas lá não tinha muito trabalho. Na minha região, o trabalho era em lavouras de coco verde e graviola. Desde 2013, me estabeleci em Rincão (a 50 quilômetros de Ribeirão Preto). Cheguei até aqui por indicação de um amigo no início do ano. Comecei como temporário e acabei sendo contratado como trabalhador fixo. Não tinha ideia do que era o plantio meiosi e o que eram canas pré-brotadas. Entendo que exerço um trabalho nobre aqui.”
Rita Maria Gomes Marques, 42 anos, veio do Norte de Minas para trabalhar em lavoura em São Paulo. “Não tinha ideia do que era cana pré-brotada antes. Entendo que é um processo importante.”
Paulo Edimir Soares, de 54 anos, saiu de Maringá (PR), sua cidade natal aos 16 anos. Hoje, ajuda no plantio de cana da usina Virálcool. Pai de cinco filhos, Paulo os incentiva a estudar para não ter de trabalharem no campo. “Mas se um dia precisarem, a gente tem de trazê-los para cá.”
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