Treze pessoas da Vale e da Tüv Süd, que atestou a segurança da barragem que rompeu, são investigadas.
Seis meses após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, as investigações ainda não foram concluídas e ninguém está preso. Na Justiça estadual, a mineradora foi condenada, pela primeira vez, a reparar os danos provocados pela tragédia. Na Justiça trabalhista, um acordo vai garantir indenização aos familiares das vítimas. No Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sugeriu indiciamento de funcionários da Vale e da Tüv Süd. Até agora, 248 mortes foram confirmadas e 22 pessoas seguem desaparecidas.
De acordo com a Polícia Civil, o inquérito que vai apontar os responsáveis e as causas do rompimento da barragem, já conta com 3 mil páginas, além de quase um terabyte de documentos e mídias digitais. Pelo menos 140 pessoas prestaram depoimentos.
Treze funcionários da mineradora e da empresa Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da estrutura, continuam sob investigação. Eles foram presos duas vezes, mas por causa de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em março, estão soltos. Segundo um dos delegados que está à frente das apurações, Luiz Otávio Braga Paulon, “nada impede que novas pessoas venham a ser investigadas, além da própria Vale, em relação aos crimes ambientais”.
As causas do rompimento ainda são apuradas pela polícia e dependem de laudos periciais para conclusão. “A perícia está analisando todos os fatores que podem ter, de alguma forma, contribuído para o rompimento. Dentre eles, estão as detonações dentro das cavas de Jangada e Córrego do Feijão, que ocorriam a alguns poucos quilômetros da barragem B1”, contou o delegado.
A Polícia Civil já tem em mãos informações e dados obtidos pelos instrumentos que monitoravam a estabilidade da estrutura e se as pessoas responsáveis pela segurança. “A pessoa que deveria ter acionado esse plano de ação emergencial é a Cristina, que é a engenheira da obra. Segundo o entender dela, não era caso de acionamento do plano de emergência”, informou o delegado.
Paulon não antecipou a que tipo de crimes os suspeitos podem responder. “De forma geral, além dos crimes ambientais que vão envolver poluição, mortandade de animais, existe também a possibilidade da imputação do próprio crime de homicídio”, afirmou.
Força-Tarefa
As investigações acerca dos responsáveis e das causas da tragédia e os trabalhos para garantir a reparação a familiares de vítimas e recuperação ambiental são compartilhadas pelos integrantes da Força-Tarefa liderada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Criado na noite da tragédia, o grupo é formado ainda pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Advocacia Geral do Estado e da União, Polícias Civil e Militar, Defensoria Pública, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil Estadual.
Nesta quarta-feira (24), o Ministério Público informou que a conclusão das investigações deve ocorrer em um prazo de 60 a 90 dias.
CPIs Brumadinho
A tragédia em Brumadinho também mobilizou os legislativos estadual e federal. Foram criadas três CPIs da Assembleia Legislativa de Minas, Câmara dos Deputados e do Senado, para apurar as responsabilidades em relação ao rompimento da barragem. Até agora, apenas a do Senado concluiu as apurações. O relatório final sugeriu o indiciamento de 14 pessoas, entre funcionários da Vale e da Tüv Süd.
Na Assembleia Legislativa, os deputados da CPI já colheram mais de 100 depoimentos, de testemunhas da tragédia, funcionários da Vale e de investigados. O relatório final deve ser apresentado em setembro.
“Nós temos um conjunto de fatos, eventos, documentos e depoimentos que atestam a responsabilização da Vale no rompimento da barragem e, principalmente, no não acionamento do Plano de Ação de Emergência, colocando a vida dos funcionários em risco. Infelizmente, 270 pessoas vieram a falecer”, disse o relator da comissão, deputado André Quintão.
Condenação na Justiça de MG
A Justiça estadual condenou a Vale, no dia 9 de julho, pela primeira vez, a reparar os danos provocados pelo rompimento. Não foi fixado um valor que a mineradora deve pagar. O bloqueio de R$ 11 bilhões também foi mantido para garantir a reparação e indenização a quem teve, de alguma forma, a vida afetada após o rompimento da barragem.
Estabelecer quem são os atingidos, promover a reconstrução da vida destas pessoas e determinar a indenização a que terão direito são os grandes desafios, segundo o promotor do Ministério Público Estadual André Sperling.
Várias assessorias técnicas estão sendo escolhidas pela população das localidades afetadas pela lama para fazer este levantamento. “As assessorias técnicas vão trabalhar para permitir a reconstrução de uma forma de vida que as pessoas tinham e perderam. Não é só indenização; o dinheiro”, explicou o promotor.
Para Sperling, a autonomia dos afetados na escolha da assessoria técnica é o grande ganho em relação ao que ocorreu em Mariana, onde a barragem de Fundão se rompeu há cinco anos e a Fundação Renova foi criada pela Vale e BHP, controladoras da Samarco, para realizar o trabalho. “Por mais que tenha sido criada para fazer processo de reparação, na prática estas duas empresas mineradoras imprimem dentro do processo de reparação a vontade delas. E isso tem sido prejudicial para os atingidos, para o processo de reparação”, avaliou.
Acordos individuais
Desde março, a Defensoria Pública de Minas Gerais tem intermediado, junto aos atingidos, acordos individuais com a Vale. De acordo com o defensor Antonio Lopes de Carvalho Filho, a proposta é garantir que as pessoas impactadas de alguma forma pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão tenham a reparação aos danos sofridos mais rápido, sem precisar aguardar decisão judicial. Todas as conquistas coletivas posteriores serão garantidas também a quem já aderir a este acordo, segundo o defensor.
Interessados devem ir até a sede da Defensoria em Brumadinho, onde receberão um atendimento inicial. Um dia será agendado para que seja entregue documentação comprobatória, que será encaminhada à Vale. É a mineradora que constrói a proposta de negociação. “Nada é passado sem que os defensores se ocupem para garantir a segurança e regularidade de tudo aquilo”, garante o defensor.
Acidente de trabalho
“Para mim, minha irmã ainda está trabalhando, ela está fazendo hora extra. Porque ela saiu para trabalhar, ela estava trabalhando e não retornou. A empresa não garantiu a segurança dela e dos demais”, afirmou a professora Nathália Oliveira, irmã de Lecilda Oliveira, uma das 22 pessoas que ainda estão desaparecidas seis meses após o rompimento da Barragem B1, em Brumadinho.
Lecilda Oliveira trabalhava na Vale havia 28 anos. Ela deixou dois filhos, de 22 e de 27 anos. A irmã dela, Nathália, é quem acompanha as buscas, as investigações e os processos judiciais. Ela questiona o acordo fechado pelo Ministério Público do Trabalho e a Vale, homologado na Justiça do Trabalho no último dia 15, que prevê o pagamento de R$ 700 mil a cônjuge, filho, mãe e pai e R$ 150 mil a irmãos. Por dano material, os dependentes também vão receber pensão mensal vitalícia até 75 anos..
“A Vale é que propôs isso. As famílias tinham que votar e dar a resposta. Todo mundo ficou querendo colocar um ponto final, ficou com medo do processo se arrastar anos na justiça e acabou aceitando. O valor não vai acabar com a dor”, disse Nathália.
Andresa Rodrigues que perdeu o único filho, Bruno Rodrigues, na tragédia, também não se conforma com o resultado. “É preciso sair deste patamar de que o lucro está acima da vida. A vida tem que estar acima do lucro, porque senão não justifica você ter esta exploração predatória e assassina do minério. Enquanto estas indenizações ficarem acerca do que está vinculado hoje, matar continuará sendo um lucro para a empresa”, disse.
O acordo também determina a estabilidade no emprego de três anos para empregados próprios e terceirizados da Vale, bem como pagamento de auxílio creche no valor de R$ 920 mensais para filhos com até três anos de idade e auxílio educação, no valor de R$ 998 mensais, para filhos com até 25 anos de idade.
Como dano material coletivo, será feito o pagamento de R$ 400 milhões em agosto. Segundo o Tribunal Regional do Trabalho, com o acordo, o bloqueio de R$ 1,6 bilhões foi liberado.
O procurador do Ministério Público do Trabalho Geraldo Emediato comemorou o resultado. “Este é o maior acordo já realizado em termo de indenização por dano moral individual e dano moral coletivo. Embora represente 70% do pedido, consideramos que, em menos de 6 meses do acidente, conseguir 70% do pedido foi um ganho considerável. Qualquer valor acima disso, dependeria de um trâmite de pelo menos 10 anos. Em termos de dano moral coletivo, foi 50% do valor que pedimos. Certamente, seria discutido até o STF demoraria mais de 15 anos”, disse.
Denúncia trabalhista
O Ministério Público do Trabalho também tem acompanhado como a Vale tem empregado estes funcionários. Sindicatos denunciaram que a mineradora tem mantido estas pessoas no apoio aos trabalhos de buscas do Corpo de Bombeiros.
“Esta é uma irregularidade gravíssima. Não é uma função do empregado. E essas pessoas não tem condições psicológicas de realizar este serviço. Ficarão abalados se tiverem que identificar um corpo”, disse o procurador do Ministério Público do Trabalho Geraldo Emediato.
O Corpo de Bombeiros confirmou que os funcionários da Vale estão apoiando na operação das máquinas, mas nega que eles estejam removendo os corpos ou segmentos encontrados.
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