A ampla rejeição do plenário da Câmara dos Deputados a todas as manobras imaginadas pela oposição para que a votação da reforma da Previdência não ocorresse já dava ideia do que estava por vir: quase todos os requerimentos para adiar ou suspender a análise do texto foram derrotados com mais de 308 votos, a quantidade necessária para aprovar a reforma propriamente dita. Quando, finalmente, os empecilhos foram removidos e a PEC foi à votação, o que se viu foi uma vitória incontestável da reforma no primeiro turno de votação na Câmara: foram 379 votos, bem mais que os 330 considerados “seguros” pelo governo e pelos defensores do texto no Congresso.
Partidos que não são nem do Centrão nem da base aliada do governo deram apoio integral à proposta, como o PSDB (apenas uma deputada foi contrária) e o Novo. Alguns outros casos foram muito emblemáticos: o Solidariedade deixou o sindicalista Paulinho da Força, aquele que defendera a desidratação da reforma, falando sozinho – os outros 13 deputados da legenda votaram pela reforma. Mesmo integrantes de partidos de oposição ajudaram a construir a maioria necessária, desafiando a orientação da legenda: PSB e PDT contribuíram, respectivamente, com 11 e 8 votos, cerca de um terço de cada bancada. A responsabilidade para com o Brasil falou mais alto que ideologias ultrapassadas, slogans vazios e números intencionalmente manipulados para fazer crer que a reforma não era necessária.
Esta primeira aprovação poderia ter sido muito mais tranquila
Mas o placar, com esses 71 votos a mais que o necessário para a aprovação do texto, ilude. Esta primeira aprovação poderia ter sido muito mais tranquila – não em termos de números, mas em termos do clima criado e alimentado pelos atores envolvidos. Esqueçamos a oposição de esquerda, que tentaria sabotar a reforma de qualquer maneira; o que realmente ameaçou a reforma foi o fogo amigo. Mesmo sabendo da importância da reforma e da necessidade de conquistar o apoio de três quintos da Câmara, o governo não foi capaz de montar uma base aliada suficientemente forte, deixando para o Centrão um protagonismo que nem sempre foi exercido de maneira republicana. A decisão de deixar de fora os militares, apresentando um projeto separado para eles, não tinha nenhuma boa justificativa e atrasou o início da tramitação da PEC em um mês. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, trocaram farpas publicamente quando deveriam estar jogando juntos. A própria bancada do PSL, partido de Jair Bolsonaro, até agora está dividida entre os que defendem a integralidade da proposta de Guedes e os que pretendem aliviar as regras para certas categorias, especialmente a dos policiais – e o presidente da República não ajudou em nada ao tomar o lado destes últimos, inclinando-se para o corporativismo.
Levando tudo isso em consideração, compreende-se a surpresa mesmo entre os aliados do governo com a votação conquistada. No entanto, após esta primeira das quatro grandes vitórias necessárias (duas no plenário da Câmara e duas no plenário do Senado), as dificuldades ressurgiram, com a demora para analisar os 15 destaques apresentados ao texto-base – a sessão que deveria ter sido aberta no fim da manhã desta quinta-feira só começou no fim da tarde, e no momento da publicação deste texto ainda não havia ocorrido nenhuma votação. A análise dos destaques é necessária para encerrar o primeiro turno da votação da reforma na Câmara.
É nos destaques que mora o perigo, pois alguns deles pretendem amenizar ainda mais as exigências para categorias que já têm regras diferenciadas pelo texto-base, enquanto outros querem mudanças nas regras de transição. Se aprovados, tornarão a reforma menos igualitária que o projeto original, ou reduzirão ainda mais a economia prevista, valor que já caiu no relatório de Samuel Moreira (PSDB-SP) em comparação com o texto enviado pelo governo. Apesar de o primeiro desafio ter sido superado, talvez ainda seja muito cedo para comemorar.
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