Foi um voto incomum para o ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF): com a voz baixa e sem a firmeza que gosta de exibir, dando ritmo e tônica às palavras, Celso de Mello desfez, por ora, as incertezas sobre o destino do ex-presidente Lula. Por 3 votos a 2, em uma maioria que incluiu o voto decisivo de Mello, fiel da balança entre os colegas da 2ª Turma, o Supremo negou, nesta terça-feira (25), conceder liberdade provisória, em decisão cautelar, ao ex-presidente. A proposta para soltar Lula era do ministro Gilmar Mendes.
A decisão foi tomada no julgamento de um habeas corpus (HC) em que a defesa de Lula questiona a parcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública. A questão só poderá ser retomada após o recesso do STF, que vai de 2 a 31 de julho.
Caberá à ministra Cármen Lúcia, que preside a turma, colocar novamente o HC em pauta – os ministros ainda não votaram o mérito da questão, mas apenas a sugestão de Mendes, que propunha dar uma espécie de “salvo conduto” a Lula enquanto o tribunal não terminasse o julgamento.
Na verdade, o HC começou a ser votado no ano passado, ocasião em que o relator Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia se manifestaram contra o pedido. A defesa de Lula alegava, entre outras coisas, o fato de Moro ter aceitado ser ministro de Jair Bolsonaro (PSL) como prova de sua parcialidade.
Mendes pediu vista da ação e liberou-a para julgamento um dia após o site The Intercept Brasil divulgar as supostas conversas entre Moro e integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, há pouco mais de duas semanas. As reportagens caíram como uma bomba no tribunal e o então presidente da 2ª Turma, ministro Ricardo Lewandowski, colocou a ação em pauta para esta terça-feira (25).
Começou um período de suspense no STF – e no mundo político, que passou a farejar uma eventual decisão pela soltura de Lula. Na imprensa, Gilmar Mendes partiu para o ataque: foi o primeiro a aventar a possibilidade de usar provas obtidas ilicitamente a favor do réu e chegou a dizer que Moro e Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, “anularam” a condenação de Lula. Ministros mais alinhados à Lava Jato, como Fachin e Roberto Barroso, foram mais cautelosos sobre o caso concreto, mas manifestaram apoio à operação.
A já notória cisão entre os membros da 2ª Turma entrou nos cálculos. De um lado, nos casos da Lava Jato, Fachin e Cármen sempre votam juntos. De outro, Mendes e Lewandowski são os que mais contrariam os primeiros. No meio, Celso de Mello, que costuma ser o fiel da balança entre os dois grupos. A incerteza aumentou ainda mais, porque Mello, em 2013, foi o único ministro da 2ª Turma a votar pela suspeição de Moro, em um recurso que questionava a atuação do então juiz no caso Banestado.
Mello, naquela ocasião, por bem menos do que hoje alega a defesa de Lula, considerou que Moro fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor”, transformando-se em investigador. É justamente a sombra do “juiz investigador” que paira novamente sobre a conduta de Moro, com a revelação das supostas conversas entre o ex-juiz e os integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Em 2013, porém, não havia discussão sobre a legalidade ou a veracidade de provas, um dos pontos que, depois das revelações do site Intercept, torna a discussão do HC de Lula ainda mais complicada.
Na prática, Gilmar e Lewandowski conseguiram colocar a Lava Jato na defensiva pela primeira vez. Sob a sombra de novos vazamentos anunciados pelos editores do site, a possibilidade de uma eventual soltura do ex-presidente Lula, depois de sua prisão em abril do ano passado, concretizou-se nos corredores do Supremo.
Do outro lado, Moro e os integrantes da Lava Jato adotaram a estratégia de não reconhecer a autenticidade das mensagens e, ao mesmo tempo, afirmar que não havia nada de fora do normal no conteúdo dos vazamentos. Juridicamente, impediam que o STF considerasse confirmadas as conversas; politicamente, combatiam o desgaste de sua imagem.
Deu certo. Nos bastidores, a avaliação é que as novas revelações do Intercept nestas duas semanas não foram fortes o suficiente para mover a 2ª Turma. Mendes intuiu a derrota e, nesta segunda-feira (24), manobrou para tirar a ação da pauta. No início, pareceu que a decisão havia sido de Cármen Lúcia, que negou, por mais de um ano, colocar em pauta a questão da execução da pena em segunda instância. Depois, confirmou-se que a decisão havia sido mesmo de Mendes. Faltou combinar com os russos: a defesa de Lula continuou pedindo prioridade, com base nas regras processuais e regimentais – réu preso e julgamento já iniciado – e, nesta terça-feira (25), compareceu ao julgamento.
Diante das câmaras, Mendes não teve o que fazer: explicou que, na medida em que o HC de Lula estava em último lugar da lista na pauta, não haveria tempo de concluir o julgamento e, portanto, seria melhor decidir em outra ocasião. Cármen Lúcia trucou: lembrou as regras de prioridade, consultou Fachin, o relator do habeas corpus, que, por sua vez, jogou a bola para Mendes: como o pedido de vista estava em suas mãos, cabia a ele decidir o que fazer.
Gilmar Mendes saiu-se então com a sugestão de votar o adiamento – só seu voto tem mais de 40 páginas – mas, no meio tempo, conceder liberdade provisória a Lula.
A proposta para soltar Lula
Celso de Mello e Lewandowski queriam pular a proposta para soltar Lula: até afirmaram que estavam prontos para votar o mérito, mas a sugestão não prosperou. Deu-se o que já era esperado: Fachin e Cármen reafirmaram seus votos contra o HC; Mendes e Lewandowski decidiram por conceder a liberdade provisória. Estes dois últimos não chegaram a reconhecer a legalidade e a veracidade dos vazamentos, mas argumentaram que todo o conjunto de alegações contra Moro era suficiente para dar sinais de fumaça – e onde há fumaça, há fogo.
O decano, com um voto tímido, não deu este passo. Ressalvou diversas vezes que sua decisão nesta terça-feira (25) não reflete seu voto final, no mérito, que será dado no futuro. Por menos do que há neste HC de Lula, Mello já considerou Moro suspeito. Mesmo Fachin chegou a afirmar que não vê nada de novo nos vazamentos que mostre a parcialidade de Moro, mas “por ora, por enquanto”. A estratégia de Gilmar, que manteve o suspense por duas semanas, fracassou – mas nada indica que a novela tenha acabado.
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