Uma série de projetos de lei e seus defensores aguardam ansiosamente pela votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados – não tanto pela necessidade da reforma em si, mas porque, enquanto ela estiver na casa, nenhum outro assunto caminhará satisfatoriamente. Entre os que esperam o momento de voltar aos holofotes estão os defensores da permissão para criação de municípios, os chamados “emancipalistas”. O PLP 137/2015 está pronto para ir a plenário, tendo já superado todas as comissões que deveriam analisá-lo.
O projeto devolve aos estados a prerrogativa de criar municípios, desde que com alguns critérios. Há exigências mínimas de população, que varia de acordo com a região do país; a população da área que pretende se emancipar tem de aprovar o desmembramento em plebiscito, bem como os moradores do município que perderá território; e, o mais importante, exige-se um estudo que comprove a viabilidade econômica dos municípios envolvidos no processo – tanto para o que se emancipa quanto para o que sofrerá o desmembramento. Ocorre que a aprovação deste estudo, no fim das contas, não será técnica, mas política, cabendo à respectiva Assembleia Legislativa, onde não raro haverá deputados interessadíssimos na emancipação de municípios que podem servir de base eleitoral.
Hoje, é mais importante pensar na fusão que no desmembramento de municípios
De fato, existe uma lacuna na legislação a respeito da criação de municípios. Isso porque uma emenda constitucional teve de ser aprovada em 1996 para colocar fim a uma farra de emancipações sem critério iniciada logo após a promulgação da Constituição de 1988. Naqueles oito anos, em que bastava uma decisão do governo estadual para um desmembramento, o número de municípios no país subiu quase 30%. Muitos deles foram criados por pura conveniência política, sendo economicamente inviáveis, dependendo sempre dos Fundos de Participação para conseguir fechar suas contas. Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) publicado em 2018 mostrou que 1.872 municípios em todo o país – ou seja, um terço do total – não geram arrecadação suficiente nem mesmo para pagar os salários de prefeito, secretários e vereadores. Em janeiro de 2017, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) paranaense já havia comprovado, em outro estudo, a inviabilidade econômica de 96 dos 399 municípios do estado.
Assim, se por um lado é preciso haver regulamentação, por outro é preciso analisar a razoabilidade e o impacto das regras propostas. Governos anteriores e parlamentares estimam que, pelos critérios do PLP 137, o país poderia ganhar cerca de 400 novos municípios. Multiplique-se este número pelo número de novos cargos administrativos em todos os escalões – prefeitos, vice-prefeitos, secretários, vereadores, assessores e assim por diante – para se ter uma ideia do custo financeiro que o projeto traria.
Falando à Gazeta do Povo, a deputada federal Flávia Moraes (PDT-GO), defensora do projeto, afirmou que não haveria despesa adicional aos cofres públicos porque se trataria apenas de “outros agentes” que dividiriam a mesma verba já existente: “O projeto não vai aumentar o valor que é destinado para os municípios, na verdade se vai dividir o bolo. O município que vai ser criado vem de outro município, e a receita daquele município vem do anterior, então vai ter um compartilhamento”. Ora, é exatamente esta a questão. Se a arrecadação não aumenta e agora há dois municípios dividindo o mesmo valor que antes custeava apenas um, isso significa que aumentará a parte desse dinheiro destinada ao pagamento de salários de políticos e assessores, diminuindo o valor investido pelo poder público nos serviços essenciais oferecidos à população.
Os emancipalistas ainda contam com o discurso do governo federal no sentido de uma revisão do pacto federativo e da redistribuição do bolo tributário, do qual os municípios ficam hoje com a menor parte. Plataformas meritórias, sem dúvida. Mas esse redirecionamento dos recursos para as esferas subnacionais de governo – estados e municípios –, se e quando vier, não tem a finalidade de sustentar elites políticas locais, e sim de permitir que o poder público possa oferecer com qualidade e eficiência os serviços que são de sua responsabilidade, como saúde, educação e segurança pública.
Por certo há casos em que a emancipação se justifica, especialmente quando um bairro ou distrito gera arrecadação substancial, mas não recebe atenção equivalente em termos de serviços. Mas o PLP 137, da forma como está redigido, ainda faz da criação de municípios uma questão de interesse mais político que técnico ou econômico. Hoje, é mais importante pensar na fusão que no desmembramento de municípios; justiça seja feita, essa possibilidade também é contemplada no PLP 137, mas o simples fato de seus principais defensores estarem mais interessados em novos municípios que em unir os já existentes mostra qual dos instrumentos acabará sendo mais usado e qual acabará desprezado.
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