Senado e Câmara estão avaliando e aprovando sucessivos pedidos para que o ministro da Justiça, Sergio Moro, compareça às casas legislativas para prestar esclarecimentos a respeito das conversas com o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato. O conteúdo dos supostos diálogos foi ilegalmente obtido por um hacker e publicado pelo site The Intercept Brasil, levando esquerdistas e defensores do presidente Lula a rasgar as vestes com aquela indignação nunca vista quando eles são colocados diante da realidade dos megaescândalos de corrupção armados pelo PT.
Moro irá à Comissão de Constituição e Justiça do Senado no dia 19 – e louve-se, aqui, o fato de o próprio ministro ter tomado essa iniciativa –, e também deve ir à CCJ da Câmara no dia 26. Além disso, outra comissão da Câmara, a de Trabalho, Administração e Serviço Público, aprovou convite ao ministro da Justiça, frustrando o petista Rogério Correia, autor da proposta, que desejava uma convocação – neste caso, Moro seria obrigado a comparecer, enquanto um convite é passível de recusa. Também há pedidos para que o ministro seja convocado para ir ao plenário da Câmara e à Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ambos apresentados por um deputado do PCdoB.
Usar o imbróglio envolvendo Moro e Dallagnol como um “complicador”, seja para atrasar a tramitação da reforma, seja para barganhar apoio, é misturar assuntos sem relação alguma
Se é verdade que entre as funções do Legislativo está a fiscalização dos atos do poder público, também é verdade que há parlamentares – seja a oposição de esquerda, sejam os encrencados da Lava Jato – interessados em usar o imbróglio para paralisar o Congresso Nacional às vésperas de uma discussão fundamental para o futuro do país: a votação da reforma da Previdência na Comissão Especial e, depois, no plenário da Câmara. Gastar tempo precioso do Legislativo com discursos inflamados contra a Lava Jato, como já ocorreu na noite de quarta-feira, durante a análise de vetos presidenciais e a votação do crédito suplementar para o governo federal, e com uma série de convocações ou convites redundantes é expediente bastante duvidoso.
Isso porque está evidente que um assunto não tem absolutamente nada a ver com o outro. Usar o imbróglio envolvendo Moro e Dallagnol como um “complicador”, seja para atrasar a tramitação da reforma, seja para barganhar apoio, é misturar assuntos sem relação e uma demonstração de irresponsabilidade, quando não de pura má-fé – ainda mais quando a não divulgação da íntegra das supostas conversas, bem como da prova de sua autoria, ainda torna prematura qualquer conclusão a esse respeito. Não faz sentido que qualquer escândalo, autêntico ou fabricado, tenha a capacidade de paralisar quase 600 parlamentares, incapazes de realizar suas tarefas enquanto aguardam o desfecho de um assunto. Seria ridículo imaginar que todo o Poder Legislativo só pudesse se concentrar em um tema por vez – ainda por cima, elegendo como centro das atenções justamente o que tem menos relevância, em vez das reais urgências.
E o país tem, na reforma da Previdência, essa urgência real. Na quinta-feira, o relator da proposta na Comissão Especial, Samuel Moreira (PSDB-SP), fará a leitura de seu parecer, momento a partir do qual começa a contar o prazo regimental para que ele seja votado. O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PL-AM), já adiantou que deverá haver um pedido de vista coletivo para que os deputados analisem o parecer. E, quando terminar esse período, a Câmara vai parar para o feriado de Corpus Christi, no dia 20, e provavelmente não terá quórum no fim de junho, graças ao “recesso branco” autoproclamado pelos deputados do Nordeste, cuja escala de prioridades coloca as festas juninas acima das reformas necessárias para tirar o Brasil do abismo fiscal.
Ou seja: a não ser que os líderes do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), realizem um excepcional esforço de articulação, há grande possibilidade de o relatório de Moreira ser votado apenas no início de julho, dando pouquíssimo tempo aos demais deputados para cumprir o objetivo de aprovar a reforma na Câmara ainda antes do recesso parlamentar oficial, que começa em 18 de julho.
É bem verdade que houve muito tempo perdido no início do ano – a apresentação da reforma ocorreu já decorridas três semanas depois do início dos trabalhos legislativos; ainda foi preciso esperar um mês até o início da sua tramitação, devido ao acordo sobre o projeto de lei da previdência dos militares; e, por fim, gastou-se um mês inteiro na CCJ. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado a essa altura: trata-se de trabalhar duro agora para que o cronograma possa ser cumprido e o Brasil possa superar essa fase de incerteza.
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