“A eleição como fato público é o pressuposto básico para uma formação democrática e política. Ela assegura um processo eleitoral regular e compreensível, criando, com isso, um pré-requisito essencial para a confiança fundamentada do cidadão no procedimento correto do pleito.” (Andreas Vosskuhle, juiz do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que em 2009 considerou inconstitucional o uso exclusivo das urnas eletrônicas de primeira geração)
Ao que tudo indica, o TSE pretende seguir empurrando goela abaixo do eleitor brasileiro a peça de ficção científica segundo a qual os seus ministros são os mocinhos guardiões de uma democracia ameaçada por terríveis vilões golpistas, os quais – sacrílegos! – ousam levantar dúvidas sobre o inescrutável e quase cabalístico processo eleitoral brasileiro. Conforme insinuou um boquirroto ex-presidente do tribunal, até mesmo as Forças Armadas brasileiras fariam parte do arranjo golpista, tendo sido politizadas e transformadas em meras despachantes do presidente da República. Espanta, nesse caso, a sem-cerimônia com que porta-vozes de uma corte infestada de militantes antibolsonaristas desabridos – capazes, por exemplo, de veicular fake news a fim de debochar da legítima demanda social por mais auditabilidade no processo eleitoral – berram contra uma suposta politização de outra instituição de Estado enquanto mal disfarçam a própria politização, essa sim cada vez mais escandalosa.
O teatro fica claro quando, após convidar as Forças Armadas, com afetos de magnanimidade, para integrar a tal Comissão de Transparência Eleitoral – cujo objetivo nominal, vejam vocês, era garantir eleições mais transparentes –, o tribunal eleitoral (mais uma das muitas jabuticabas brasileiras) rejeita nada menos que todas as recomendações feitas por uma equipe militar altamente especializada em questões de cibersegurança. Pelo jeito, imaginando poder usar o prestígio do Exército brasileiro para legitimar os próprios procedimentos – quiçá até a própria inércia –, o TSE talvez não esperasse que os técnicos militares fossem a fundo na identificação de possíveis problemas e na proposta de melhorias. Mas, depois de acusar falsamente os defensores do voto auditável de quererem a simples volta do voto em cédula, de afirmar que a urna eletrônica é 100% inviolável, e de pressionar o Congresso pela não aprovação da PEC do voto impresso – atropelando com isso o princípio constitucional da separação entre os poderes –, nada mais surpreende na postura do tribunal.
O teatro fica claro quando, após convidar as Forças Armadas, o TSE rejeita todas as recomendações feitas por uma equipe militar altamente especializada em questões de cibersegurança
Uma das recomendações das Forças Armadas foi que, para o teste de integridade, as urnas eletrônicas fossem selecionadas por sorteio. A resposta dada pelo tribunal é inacreditável, soando quase como deboche, e levantando suspeitas sobre o caráter viciado da amostragem. Como informa reportagem do Valor Econômico: “As Forças Armadas também defenderam que as urnas que farão parte do teste devem ser escolhidas por sorteio. Segundo o TSE, esse modelo pode ser adotado nos próximos pleitos, mas, para 2022, já há um combinado para que a escolha das seções eleitorais seja feita pelas próprias entidades fiscalizadoras”.
Que história é essa de “já há um combinado”? O TSE está de gozação com a cara do eleitor brasileiro? Ora, uma exigência básica de qualquer teste é que a amostragem do material em análise seja aleatória, e não previamente selecionada pelas “entidades fiscalizadoras” que, como sugere o velho adágio latino – Quis custodiet ipsos custodes? –, deveriam, elas sim, ser fiscalizadas em primeiro lugar.
Em condições normais de temperatura e pressão, aliás, a sensata recomendação das Forças Armadas seria até desnecessária, por demasiado óbvia. Mas, pelo jeito, os próceres do tribunal eleitoral não estão interessados em mais transparência, muito menos na descentralização dos mecanismos de auditoria. Ao contrário, parecem estranhamente comprometidos a circunscrever o processo eleitoral nas fronteiras de gabinetes secretos de apuração, minando o princípio da publicidade exigido para que um pleito possa ser considerado verdadeiramente democrático. E sim, esses gabinetes existem, e não comete fake news quem o afirma, senão, ao contrário, os que insistem em negá-lo.VEJA TAMBÉM:
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Uma das frases feitas mais recorrentes no discurso dos porta-vozes do tribunal é que, em 25 anos de utilização das urnas eletrônicas no Brasil, “não houve nenhum registro de fraude”. A palavra “registro” é crucial aí e, antes que tranquilizar, o que faz é inquietar ainda mais o eleitor atento. Pois, na hipótese improvável de que não tenha havido em todo esse tempo ao menos tentativas de fraudar as urnas, a falta de registro pode muito bem constituir prova adicional da insegurança do sistema, que teria falhado em detectar o problema. Afinal, ausência de registro de fraude não significa necessariamente ausência de fraude.
Esse, aliás, foi o principal argumento utilizado nos muitos países em que houve questionamentos ou mesmo a proibição das urnas eletrônicas de primeira geração, as direct recording electronic voting machine (DREs), vetusta engenhoca da qual muito se orgulham nossas autoridades eleitorais, decerto acompanhadas nisso por seus colegas do Butão e de Bangladesh, que, junto com o Brasil, formam o bloco BBB – o nostálgico trio de países ciosos de uma tecnologia de votação dos tempos do baile de debutante da Hebe Camargo, de saudosa memória. A impossibilidade de auditagem nas urnas de tipo DRE esteve no cerne, por exemplo, de uma ação judicial movida por eleitores e candidatos locais de New Jersey durante as eleições presidenciais americanas de 2004.
De acordo com matéria do New York Times, a queixa dos requerentes era que as urnas eletrônicas não permitiam uma recontagem capaz de certificar que os votos tinham sido computados corretamente, além de serem vulneráveis à eventual manipulação de programadores mal-intencionados. Nesse contexto, um grupo formado por advogados de defesa dos direitos dos eleitores e técnicos de computação reuniram 20 mil assinaturas numa petição exigindo que as urnas eletrônicas provessem um registro impresso dos votos.
Hoje, não há maior ataque às instituições republicanas e ao Estado de Direito do que o comportamento arrogante, partidário e provinciano de nossas autoridades eleitorais
Em resposta aos questionamentos, o procurador-geral do estado, Peter C. Harvey, respondeu de modo semelhante ao das autoridades eleitorais brasileiras. “Nossa experiência em New Jersey não registrou qualquer problema com as urnas eletrônicas” – disse Harvey, convocando os “especialistas” de um tal Conselho de Tecnologia Eleitoral para minimizar as críticas. Recorrendo a argumentos tão falaciosos quanto os utilizados pelo nosso tribunal eleitoral, um porta-voz do Conselho declarou: “Essas pessoas querem voltar ao tempo da eleição de 2000, quando funcionários eleitorais tinham de iluminar cédulas para descobrir a intenção de voto. É impressionante que uma tecnologia criada para eliminar toda ambiguidade da infraestrutura de votação seja alvo de tantas críticas”.
Representando os queixosos estava a advogada Penny M. Venetis, professora de Direito da Rutgers University. Em resposta àqueles comoventes manifestos de fé tecnológica, Venetis pôs o dedo na ferida: “É assaz irônico que essas máquinas, supostamente designadas para resolver os problemas causados por sistemas de votação antiquados, estejam simplesmente tornando invisíveis esses problemas”. Como também disse certa vez Bruce Schneier, criptógrafo americano especialista em segurança da informação: “Se você acredita que a tecnologia pode resolver os seus problemas de segurança, então você não compreende nem os problemas e nem a tecnologia”.
A demanda do eleitor brasileiro pelo voto impresso auditável advinha precisamente desse aspecto, a percepção de que o nosso sistema eleitoral é uma caixa preta acessível apenas a técnicos especializados, funcionários de um tribunal que concentra em si um poder que, segundo uma lógica elementar de pesos e contrapesos, deveria estar distribuído entre várias instituições. Que ministros do TSE tenham feito lobby junto ao Congresso para ignorar essa demanda é a prova que faltava – se é que ainda faltava alguma – da baixa credibilidade do nosso sistema e, por conseguinte, da nossa própria democracia, cada vez mais parecida com “democracias” de tipo venezuelano, chinês ou norte-coreano. Hoje, não há maior ataque às instituições republicanas e ao Estado de Direito do que o comportamento arrogante, partidário e provinciano de nossas autoridades eleitorais. São elas as principais responsáveis por cobrir o pleito vindouro com um manto de desconfiança e animosidade social. Já passou da hora de descerem do palco!
A Era do Absurdo
O Ocidente passou por muitas eras – a chamada Idade das Trevas, o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Industrial e o Pós-modernismo. A era atual é a do absurdo.
Quanto aos absurdos nos quais as elites intelectuais acreditam e têm convencido as massas a acreditarem, nunca houve um tempo como agora. Eis aqui uma lista das coisas mais ridículas que me vêm à mente.
1 – Homens dão à luz
Encabeçando a lista tem que estar a redefinição radical – na verdade, a negação – do sexo e do gênero, o que dá origem a afirmações surreais como “homens dão à luz”, “homens menstruam”, “pessoa parideira”, no lugar de “mulher” e que leva os parques da Disney a abandonarem o “senhoras e senhores” e “meninas e meninos” quando se dirigem aos visitantes.
2 – É justo permitir que homens biológicos disputem competições femininas
Somos levados a crer que homens biológicos não têm uma vantagem física inata ao competirem contra mulheres. Isso é tido como verdade por toda universidade de elite dos Estados Unidos e praticamente todas as outras instituições do gênero, além de escolas de ensino médio e pela imprensa.
3 – Acabe com a polícia e o crime diminuirá
Somos levados a crer que uma força policial menor terá como consequência uma diminuição nos crimes violentos. Qualquer criança de dez anos sabe que isso é um absurdo.
4 – A segregação racial é antirracista. Quem é contra a segregação é racista
A Universidade de Columbia e outras instituições de ensino superior têm dormitórios exclusivos para negros e também cursos exclusivos para negros. Elas argumentam que a segregação racial não é racista. Se você for contra isso, você é racista.
5 – “Latinx”
Como a sexualidade humana seria “não binária”, as diferenciações de gênero nos idiomas devem ser neutralizadas. Latinos, por exemplo, devem ser chamados de “latinx”. O fato de ninguém na América Latina usar isso não constrange o “New York Times” ou as universidades.
6 – Sua raça é importante
Um dos aspectos menos importantes dos seres humanos é a cor da sua pele. Dar importância a isso é o mesmo que dar importância à cor de seus sapatos.
A insignificância da cor da pele é facilmente demonstrável. A partir da cor de pele de uma pessoa, o que você sabe sobre ela? A resposta, claro, é “nada”. Se sei qual a sua raça, não sei mais nada sobre você. E se acredito que sou capaz de defini-lo com base na sua raça é porque sou racista.
7 – Diversidade é algo bom e os países mais felizes do mundo são Finlândia, Noruega, Dinamarca e Islândia
Um axioma dos progressistas é o absurdo segundo o qual “a diversidade é nosso ponto mais forte”. Ainda assim o “New York Times”, a principal voz da Era do Absurdo, publicou um artigo de opinião sobre os países mais felizes do mundo. No segundo parágrafo lê-se que “Finlândia, Noruega, Dinamarca e Islândia lideram a lista dos Relatório da Felicidade Mundial de 2018”.
Em nenhum momento o jornal ou o articulista percebem que os quatro países “mais felizes” do mundo não têm tanta diversidade assim. Na verdade, eles estão entre os países com menos diversidade no mundo ocidental. Eles são quase todos brancos, cristãos protestantes (ou de origem cristã protestante) e todos os cidadãos falam a mesma língua. Os Estados Unidos, por outro lado, é de longe o experimento mais radical de diversidade racial, religiosa e étnica.
8 – A liberdade de expressão não permite discursos de ódio
“Defendo a liberdade de expressão, mas não o discurso de ódio” é o que diz quase metade dos jovens norte-americanos e praticamente toda a elite do país. A crença nesse absurdo está tão disseminada que essas pessoas não entendem que a afirmação é contraditória. Por definição, a liberdade de expressão pressupõe o discurso de ódio. Do contrário, liberdade de expressão significaria apenas falar aquilo com o que se concorda.
9 – Você só se torna um ser humano depois que nasce
Não é preciso acreditar em Deus ou em qualquer religião para entender o absurdo disso. Se só nos tornamos seres humanos depois do nascimento, o que somos cinco minutos – ou cinco meses – antes do parto, sendo que temos batimentos cardíacos e ondas cerebrais? Não somos humanos?
10 – O capitalismo é mau
A pobreza foi a regra para praticamente todas as pessoas ao longo da história. No último século, contudo, bilhões de pessoas foram tiradas da pobreza. E só há um motivo para isso: o capitalismo.
11 – Os EUA são estruturalmente racistas
O absurdo dessa afirmação pode ser facilmente demonstrado. Nas últimas décadas, mais de 3 milhões de negros entraram nos Estados Unidos, vindos da África e Caribe. E provavelmente dezenas de milhões gostariam de fazer o mesmo. Todas essas pessoas são idiotas escolhendo se mudar para um país estruturalmente racista? Ou são ignorantes e não sabem que os Estados Unidos são estruturalmente racista?
A resposta é óbvia e nada absurda: esses negros não são nem idiotas nem ignorantes. Eles sabem que têm sorte de se mudarem para os Estados Unidos porque este país é tolerante e incrivelmente não racista. Pessoas não migram para países que as odeiam. Nenhum judeu migrou para a Alemanha na década de 1930.
Vivemos na Era do Absurdo. A única dúvida é: por quê? Acho que sei a resposta e a discutirei num texto futuro. Por enquanto, compartilhe esses 11 absurdos com amigos e parentes, sobretudo com os que acham que eles fazem sentido.
Dennis Prager é colunsita do Daily Signal, radialista e criador da PragerU.
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