A recusa do Deputado Federal Daniel Silveira (União-RJ) em usar tornozeleira eletrônica, determinada por decisão monocrática, ilegal e inconstitucional (mais uma!) do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, está carregada de extremo simbolismo, de vez que:
a) Representa uma denúncia exemplar, de incontornável repercussão midiática, contra o que se pode denominar de “ditadura da toga”, impunemente em vigência no país – recolocando na ordem do dia, com maior força pedagógica, um dos temas mais candentes (e urgentes) da atual (e conturbada) conjuntura política nacional;
b) Coloca em “sinuca de bico” (em situação de difícil saída) a atual Corte Suprema, de vez que ora a obriga a reagir de forma categórica em função do cumprimento, a qualquer custo, da ordem emanada (expondo as raias de suas pretensões despóticas), ora a recuar e rever sua posição extremada, por conta de uma possível (e incômoda) reação em contrário do Parlamento (o que conduz à sua desmoralização enquanto Tribunal);
c) Coloca de encontro à parede o próprio Poder Legislativo, na qualidade de casa suprema da representação popular, de vez que desafiado a afirmar (ou negar), de uma vez por todas, a sua imagem de autonomia e autodeterminação (já arranhada) perante os outros Poderes da República e a própria sociedade – especialmente num contexto particularmente sensível e impactante, como o de ano eleitoral;
d) Coloca num espinhoso dilema – ou em total contradição – a grande mídia, à medida que qualquer narrativa em favor de mais uma decisão prepotente e desmedidamente abusiva do ministro Alexandre de Moraes representa um atestado desabonador de cumplicidade com a censura e o arbítrio, frontalmente antagônico aos princípios mais elementares da ética jornalística de defesa intransigente da liberdade de expressão enquanto valor supremo à prática profissional (e à cidadania), no âmbito de uma sociedade democrática.
Trata-se, portanto, o corajoso ato, por todas essas razões apontadas (e tantas outras não referidas), de um fato político extremamente relevante e que expõe, no limite, as fraturas de um sistema político já em frangalhos, contribuindo, ao fim e ao cabo, à agudização de uma crise institucional há muito já em curso e em agravamento progressivo, com fratura exposta, tecido gangrenado – e sem previsão de final feliz.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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