A guerra da Ucrânia completou um mês na última quinta-feira (24), e o Ocidente segue anunciando mais sanções para que a Rússia cesse a agressão ao país vizinho.
Embora analistas destaquem que o presidente Vladimir Putin se preparou para minimizar retaliações econômicas desde as impostas devido à anexação da Crimeia, em 2014, a conta começa a chegar aos bolsos russos: a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) estima que o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia sofrerá uma redução de 7,3% em 2022.
O ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, admitiu que o Kremlin se surpreendeu com a escala das sanções que estão sendo aplicadas devido à invasão da Ucrânia.
Em muitos países, grandes dificuldades econômicas costumam ter como consequência manifestações contra o governo do momento, então fica a dúvida: as duras sanções do Ocidente farão os russos abandonarem Putin?
Para o advogado e professor Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do estado e mestre em direito político e econômico, ainda é precipitado prever isso.
“Por um lado, existem todas essas sanções que estão sendo colocadas, mas por outro o Putin tem trabalhado a ótica do nacionalismo russo, que é algo muito forte”, justificou.
“É importante lembrar que, com o desmantelamento da União Soviética, o orgulho do povo russo ficou bastante ferido, especialmente diante de escândalos como o ex-presidente Boris Yeltsin aparecendo rotineiramente alcoolizado. O Putin trabalha uma imagem de líder forte, nacionalista, que conduz a nação russa para um suposto esplendor”, acrescentou Almeida.
“Ele não estaria no poder ainda, com mais de um mês de guerra, se grande parte da população russa não tivesse comprado esse discurso.”
O especialista destacou ainda a recente decisão de Putin de que os combustíveis fósseis exportados pela Rússia para “países hostis” sejam pagos em rublos, numa tentativa de valorização da moeda, que sofreu uma queda vertiginosa desde a invasão da Ucrânia.
“Ele pode começar a reverter uma parte dessas dificuldades”, apontou Almeida, citando a dependência das exportações de energia russas, da qual países europeus não devem conseguir se livrar a curto prazo.
Os ministros da Economia dos países que integram o G7 concordaram nesta segunda-feira (28) em classificar como “inaceitável” esse pagamento em rublos, mas Almeida acredita que isso não muda muita coisa.
“Não cabe ao G7 dizer que não vai pagar nessa ou naquela moeda, porque é importante que se pague na moeda em que o vendedor quer receber. A Europa é dependente, não está em posição de negociar essa questão”, argumentou.
Especialistas alertam que Putin pode aumentar escalada de autoritarismo
O cineasta russo Maxim Pozdorovkin afirmou, em entrevista ao Washington Post, que no seu país “uma guerra de informação totalmente unilateral” tem sido travada desde a última década, basicamente culpando o Ocidente por todos os problemas enfrentados pela Rússia – desde o banimento de atletas do país após o escândalo de doping nos Jogos de Inverno de Sóchi-2014 até sanções econômicas.
“Quando você enraíza essa mensagem de vitimização de forma tão completa, o que acontece quando há algum tipo de ação agressiva do Putin, como a que está ocorrendo agora, é que muitas pessoas na Rússia não a veem como agressiva – elas apenas enxergam como uma defesa do seu modo de vida”, argumentou.
Em artigo publicado no site The Conversation, as pesquisadoras Julia Khrebtan-Hörhager, da Universidade Estadual do Colorado, e Evgeniya Pyatovskaya, da Universidade do Sul da Flórida, citaram que a estratégia de sanções pode ser comprometida pelo nacionalismo russo e por um espírito de enfrentamento das dificuldades que o país, que passou pelo comunismo, por racionamentos e duas guerras mundiais no século XX, carrega desde sempre.
“Acreditamos que a estratégia de sanções do Ocidente pode sair pela culatra. Nem todos os russos apoiam a guerra na Ucrânia e o governo que os arrastou para ela. Mas todos os russos estão sofrendo com as sanções e a crise. Seu sofrimento comum é algo perigoso: é muito familiar; isso os deixa com raiva, e alguns estão ansiosos para revidar”, escreveram as pesquisadoras.
“As liberdades ocidentais são apenas parcialmente atraentes, já que historicamente os russos nunca as tiveram – nem liberdade de expressão, autodeterminação e religião ou viagens irrestritas. Em vez disso, o povo russo é paciente, estoico e muitas vezes irracionalmente devotado à sua pátria cruel, cujo líder autocrático iniciou uma guerra”, argumentaram Khrebtan-Hörhager e Pyatovskaya.
Uma pesquisa realizada após o início da guerra mostrou que 58% dos russos apoiam a invasão da Ucrânia e apenas 23% se opõem ao conflito.
As duas pesquisadoras alertaram que a rejeição do resto do mundo pode estreitar os laços entre o povo russo e seu presidente, o que “provavelmente levará à intensificação do regime autocrático de Putin, sob o pretexto de restaurar a indústria e a economia do país diante da rejeição ocidental”.
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