O primeiro dia de aula em uma universidade é um marco importante na vida de qualquer estudante. Mas, em alguns casos, pode representar também o primeiro contato com algo bem comum nas universidades, especialmente as públicas: as iniciativas de doutrinação de movimentos estudantis de esquerda. Sob a justificativa de recepcionar calouros, esses grupos promovem atos contra o governo, defendem a ideologia de gênero, pregam a “revolução” comunista e incitam o ódio contra quem pensar diferente.
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Há diversos exemplos desse tipo de ação. Na Universidade Federal do Pará (UFPA), por exemplo, a recepção dos novos calouros, no início de março deste ano, contou com diversas atividades organizadas pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE). Em uma delas, integrantes do DCE defenderam que política e ciência caminham juntas, que não há espaço para o negacionismo e que o pensamento crítico deve estar junto com a ação política. A fala termina com um “Fora Bolsonaro”, frase já tradicional entre os grupos de esquerda que criticam o governo federal.
Situação parecida foi registrada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Depois de um passeio pelo campus conduzido por membros do DCE local, os calouros participaram de um debate sobre “resistência e luta”, onde ouviram ideias como o fim do vestibular, ampliação de políticas de permanência estudantil e foram convidados a aderir à principal luta: “o combate ao fascismo e ao genocídio do governo Bolsonaro”.
O presidente também “inspirou” as ações do DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que no dia 8 de março promoveu um ato em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, intitulado “Bolsonaro nunca mais: contra o machismo e o racismo”.
Na Universidade de São Paulo (USP), uma das maiores universidades brasileiras, a situação foi parecida na retomada das aulas presenciais no dia 14 de março. Diversas atividades, oficialmente com o intuito de promover a integração entre os alunos, foram realizadas, boa parte organizada por movimentos estudantis, como o Juntos USP, coletivo que se apresenta como “Movimento anticapitalista, antirracista, feminista, ecossocialista e LGBTQIA em luta por outro futuro!”.
“Parecia um carnaval, muitos gritos, falação contra o governo. Minha filha nem tinha ideia do que estava acontecendo, mesmo assim voltou para casa cheia de adesivos e panfletos. O jovem que entra na faculdade quer se enturmar, fazer novos amigos. Está vulnerável”, diz uma pedagoga que acompanhou a filha, caloura de Pedagogia, em seu primeiro dia na USP e prefere ficar no anonimato, para evitar retaliações. A filha não quis dar entrevista, só confirmou que recebeu vários materiais e assinou um abaixo-assinado, cujo teor não se recorda.
Em um vídeo publicado nas redes sociais do grupo, é possível encontrar um resumo do que foi feito: cartazes com dizeres contra Jair Bolsonaro espalhados por todos os lados, distribuição de adesivos contra o presidente, discursos exaltados de militantes. Durante um deles, é possível ouvir parte da fala de uma integrante do Juntos. Usando uma camiseta com a logomarca do coletivo e a tradicional frase “Fora Bolsonaro”, a menina diz, “a gente precisa lutar pela queda de Bolsonaro, mas para colocar uma política que é radicalmente diferente da que é hoje”, e logo em seguida convida os estudantes a participar do Juntos.
A reportagem tentou contato com o coletivo para fazer uma entrevista, mas não recebeu retorno. Pelas publicações feitas pelo Juntos em seu site e páginas oficiais nas redes sociais, é possível ter ideia do que o grupo defende e pretende fazer. Em sua página oficial, ilustrada com uma imagem de estudantes segurando uma grande faixa com os dizeres “Bolsonaro inimigo da educação”, o grupo explica tratar-se de um coletivo nacional, com subgrupos em pelo menos 12 estados. “Sabemos que apenas juntos, organizados e com um programa radical, conseguiremos superar esse sistema nefasto para construir uma sociedade totalmente diferente, livre da exploração e da opressão. Para isso, precisamos transformar a nossa indignação em luta”, dizem.
Primavera árabe e Occupy Wall Street
De acordo com o site, o Juntos! foi fundado em 2011, inspirado nas “grandes rebeliões populares que agitaram o mundo em resposta à crise de 2008”, como a Primavera Árabe, os Indignados da Espanha e o movimento Occupy Wall Street. “Sabíamos que essa onda de revoltas chegaria ao Brasil, e que precisávamos oferecer uma ferramenta de organização para a juventude estar na linha de frente dessa luta”, afirmam os integrantes do coletivo. Entre as primeiras ações do grupo, mobilizações contra a usina de Belo Monte e promoção das “Marchas das Vadias” por todo o país. Recentemente, o Juntos confirmou entre as suas principais bandeiras “a resistência contra o governo Bolsonaro, o pior presidente da história do Brasil”, o caso Marielle Franco, e a luta “contra o fascismo que buscou ganhar espaço no Brasil”.
Politicamente, o grupo está atrelado ao PSOL, sendo considerado como a “ala jovem” do Movimento Esquerda Socialista. Essa filiação não fica muito clara no site do grupo, que se limita a declarar ter trabalhado na campanha de Luciana Genro à Presidência da República, em 2014. Eles também se orgulham de “terem eleito” três deputados federais do PSOL em 2018: Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e David Miranda.
O grupo também possui subdivisões setoriais para organizar pautas específicas como o Juntas!, “organização feminista, antirracista e anticapitalista”, o Juntos! Negras e Negros e o Juntxs LGBT. “Nosso método é a mobilização permanente até a vitória. Apenas juntos, organizados e com um programa radical é que vamos conseguir superar esse sistema e construir uma sociedade radicalmente diferente, livre da exploração e da opressão”, defendem.
Formação de esquerda
Ideologicamente, o Juntos se coloca como um movimento anticapitalista. São parceiros da Rede Emancipa de Educação Popular que promove cursinhos populares para população carente. Como mostrou a Gazeta do Povo, esses cursinhos são usados para promover ideias marxistas entre os estudantes.
Também são bandeiras do movimento as causas relacionadas ao meio ambiente, cultura popular, gênero e políticas LGBT. “Temos como princípio a luta contra essas opressões estruturais, e o fortalecimento desses sujeitos políticos para acabar com o machismo, o racismo, a LGBTfobia e todas as formas de opressão da nossa sociedade”, defendem.
Em parceria com outros ramos do Movimento Esquerda Socialista, como a editora Movimento, responsável pela publicação de obras de esquerda e também pela Revista Movimento, o Juntos! veicula a teoria marxista, por meio da Escola Marx online. Nela, é possível baixar textos de Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo e diversos outros, todos de esquerda, sobre temas relacionados à política, sociologia, educação e feminismo, sem nenhum espaço ao contraditório. Há ainda opção para se inscrever no canal do YouTube com vídeos sobre os mesmos temas.
Estudantes questionam ações
Embora dentro das universidades prevaleçam ideias de esquerda, os estudantes nem sempre concordam com as ações promovidas por grupos como o Juntos!. Comentários e questionamentos às atitudes do coletivo são frequentes. Muitos criticam a instrumentalização da universidade e dos estudantes na defesa de pautas específicas, muitas delas sem nenhuma relação com a educação, e também a hipocrisia dos ativistas.
“Ricos não deveriam existir? Então sai do Instagram, sai da Internet, para de usar o que os ricos produziram e ainda vão produzir. Vocês usam literalmente tudo o que o capitalismo tem a oferecer e nada que o Estado supostamente deveria dar”, comentou um estudante nas redes sociais sobre a pregação do fim do capitalismo e taxação de fortunas, alguns dos assuntos tratados durante os atos na USP. “Vocês não estudam fundamentos da economia, desconhecem a história, não têm educação e são puro equívoco”, escreveu outro aluno.
Em 2020, o STF liberou propaganda política em universidades públicas
O Supremo Tribunal Eleitoral (STF) julgou, em maio de 2020, ação que garantiu a permissão de propaganda política, mesmo durante as eleições, em instituições de ensino público. Por unanimidade, os ministros consideraram que ações de professores durante a campanha presidencial de 2018 favoráveis a Fernando Haddad, do PT, em detrimento de Jair Bolsonaro, então do PSL, não poderiam ter sido inibidas pelo risco de ferir a liberdade de cátedra e a livre manifestação de ideias.
Em outubro de 2018, coordenadores de cursos e professores fizeram aulas públicas em diversas universidades em que distribuíram folhetos a favor de Fernando Haddad, classificando Bolsonaro de fascista. Em Campina Grande (PB), por exemplo, professores percorreram as salas de aula pedindo explicitamente o voto no número 13 (do PT) e difundiram informações falsas, como a de que as universidades federais passariam a cobrar mensalidades caso Bolsonaro vencesse. Na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) foi realizada uma aula “pública” e “única” com o título “Esmagar o fascismo – o perigo do candidato Bolsonaro”.
Na época, juízes eleitorais emitiram mandados de busca e a apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em pelo menos 21 universidades e em dependências de sedes de associações de docentes. A decisão dos juízes estava fundamentada nos artigos 24 e 37 da Lei Eleitoral (9.504 de 1997) que proíbem, entre outros itens, a propaganda eleitoral em espaços públicos, como são as instituições de ensino superior federais e estaduais.
Em defesa dos professores, a procuradora-geral da República na época, Raquel Dodge, moveu uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), 548, que recebeu parecer favorável do atual procurador-geral da República Augusto Aras.
À época, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) fez a única manifestação de apoio aos juízes. Nos autos, a entidade disse estar de acordo com a tese apresentada por Dodge – de que deve ser livre a manifestação de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários –, mas afirmou que as decisões judiciais proferidas não feriram esses preceitos, mas apenas tentaram impedir o uso indevido do espaço público para propaganda eleitoral, como está previsto em lei. A AMB apontou também que Dodge não apresentou todos os fatos que fundamentaram as decisões dos juízes eleitorais (o teor dos panfletos e das aulas realizadas pelos professores). De acordo com a associação, ao analisar cada uma das decisões dos juízes é possível provar que não houve arbitrariedade nas mesmas.
A ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, decidiu que aquelas manifestações políticas estavam dentro da liberdade de expressão acadêmica. Ela votou para que fosse declarada “inconstitucional a interpretação dos artigos 24 e 37 da lei eleitoral que conduza à prática de atos judiciais ou administrativos pelos quais se possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos”. Todos os outros ministros seguiram o entendimento da ministra.
A decisão foi comemorada na época pela defesa da liberdade de expressão acadêmica. Grupos de direita, no entanto, afirmaram que, na prática, a decisão do STF favoreceu apenas movimentos de esquerda, pois professores e alunos contrários a esse pensamento são tolhidos sem nenhum tipo de defesa.
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