Decisão do STJ para indenizar Lula pune quem luta contra a corrupção, diz Deltan

Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo

Ex-coordenador da extinta força-tarefa da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol não esconde sua frustração com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que na terça-feira (22) o condenou a pagar uma indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por danos morais – um valor que pode aumentar após correção da inflação e juros desde 2016.

Em entrevista à Gazeta do Povo, ele diz que o tribunal “tinha várias razões para negar o recurso”, mas adotou uma decisão que “materializa a injustiça na impunidade dos corruptos, ao mesmo tempo em que pune os investigadores que trabalham contra a corrupção”.

Contudo, ele contou que, na manhã desta quarta-feira (23), teve uma “grata surpresa” ao descobrir que várias pessoas estavam fazendo transações via Pix para ajudá-lo a pagar a indenização. “Suspeito que tenham encontrado meu CPF na internet. São várias pessoas que a gente não conhece, mas que certamente defendem a honestidade e a justiça no país. Isso mostra que não estamos sozinhos no combate à corrupção.”

Ele não informou o total que recebeu até agora. Masdisse que são doações que variam de R$ 100 a R$ 500. Deltan se comprometeu a deixar as doações em uma aplicação separada e fazer uma prestação de contas do que receber. “Se os valores superarem o valor da indenização, assumo o compromisso de que serão repassados a hospitais filantrópicos, que atendem crianças com câncer e com autismo.”

Decisão foi tomada em contexto desfavorável à Lava Jato

Por quatro votos a um, os ministros da Quarta Turma do STJ consideraram que houve uma “espetacularização” por parte de Deltan em uma coletiva de imprensa que ele concedeu em 2016, sobre o caso do triplex do Guarujá, na qual uma apresentação de PowerPoint mostrava o nome de Lula no centro de uma organização criminosa.

A decisão do STJ marcou uma reviravolta no caso. Lula, autor da ação, tinha perdido na primeira e na segunda instâncias da Justiça. Deltan avalia que isso ocorreu porque, no STJ, “as indicações [dos ministros] têm caráter mais político e muitos ambicionam uma vaga no STF [Supremo Tribunal Federal]”.

“Não estou imputando má fé a ninguém, mas estamos falando em um contexto de reação à Lava Jato, em que o ex-presidente Lula está liderando as pesquisas eleitorais e em meio a um movimento para derrubar investigações e perseguir os procuradores”, afirma Deltan.

“Foi uma decisão absurda. O ministro [Luis Felipe Salomão, do STJ] disse que dei entrevista coletiva como cidadão [por ter sido realizada em um hotel], quando a entrevista foi oficial, como procurador do Ministério Público Federal, e regular, dentro dos escopos e deveres [do MPF]”, diz. “A decisão contraria toda a boa técnica. Havia várias razões para negar esse recurso”.

O ex-procurador, que no ano passado deixou o Ministério Público Federal e que deve disputar uma cadeira na Câmara de Deputados pelo Podemos nas eleições de outubro, apontou o que ele considera irregularidades na decisão do STJ:

  • Por decisão anterior do STF, a ação não poderia ser proposta contra ele, mas sim contra a União.
  • O STJ teria ignorado uma interpretação adotada pelo próprio tribunal de que não cabe a ele reexaminar fatos e provas no tipo de recurso apresentado pelos advogados de Lula. 
  • Os agentes públicos só respondem por excesso no caso de dolo (intenção de prejudicar) ou de erro grosseiro, que, segundo Deltan, nunca existiram nem foram comprovados neste caso.

Deltan vai recorrer da decisão, mas considera que a tentativa pode esbarrar nas dificuldades apresentadas pelo contexto citado anteriormente por ele. “Se o processo cair para a turma do STF [Supremo Tribunal Federal] da qual faz parte o ministro Gilmar Mendes, já é possível imaginar o resultado. Se cair na outra turma, pode ser que seja revertido”.

“E mesmo que [a decisão] ainda venha a ser revertida, é o cúmulo da injustiça, porque se materializa a injustiça na impunidade dos corruptos ao mesmo tempo em que pune os investigadores que trabalham contra a corrupção”.

O relator da ação contra Deltan no STJ, Luis Felipe Salomão, afirmou, ao condená-lo, que o próprio ex-procurador reconheceu, em entrevistas, que a apresentação em PowerPoint teria sido “infeliz”. Sobre isso, Deltan disse que é preciso distinguir a discussão entre o que teria sido uma apresentação melhor ou pior da discussão sobre o que é legal e ilegal.

“A apresentação foi correta, foi devida, com o objetivo de informar a sociedade sobre as provas que existiam e geraram a condenação do ex-presidente Lula em três instâncias”, afirma Deltan.

Deltan também está na mira do TCU

Além da derrota nesta ação, Deltan corre o risco de ser punido em outro processo, sobre o pagamento de diárias a procuradores da Lava Jato, que está em andamento no Tribunal de Contas da União (TCU). Esse processo chegou a entrar na pauta desta quarta-feira (23) de julgamentos do TCU, mas foi retirado da lista de casos a serem avaliados.

No ano passado, o ministro do TCU Bruno Dantas publicou uma decisão em que considerou irregular o pagamento de R$ 2,5 milhões em passagens aéreas e diárias a procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato, entre 2014 e 2021. Como mora em Curitiba, Deltan não recebeu esses pagamentos, mas teve seu nome citado no processo por ser um dos responsáveis pela distribuição dos trabalhos entre os integrantes da força-tarefa.

Para Dantas, a Lava Jato poderia ter adotado opções mais econômicas, como a transferência de procuradores para Curitiba. Segundo ele, desta forma os procuradores descobriram “uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos, no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas”.

Deltan afirma que não houve nenhuma irregularidade nos pagamentos de diárias e viagens no âmbito da Lava Jato, e que tudo foi autorizado por procuradores-gerais e secretários-gerais do Ministério Público que passaram pelos cargos ao longo dos anos da operação – e não por ele. O ex-coordenador da Lava Jato destacou ainda que a área técnica do TCU considerou os pagamentos regulares.

Comentando a expectativa sobre esse julgamento, Deltan disse que a parte técnica do TCU está amparando a legalidade dos trabalhos da Lava Jato. Por outro lado, criticou o que seria em sua avaliação uma postura política de Dantas, citando notícias de que o ministro compareceu a um jantar em homenagem a Lula no ano passado e que seria apadrinhado do senador Renan Calheiros (MDB). “A realidade é complexa e o sistema político está buscando se vingar [da Lava Jato].”

Se for condenado pelo TCU, Deltan pode ser alvo de pedidos de impugnação de sua candidatura na Justiça Eleitoral. Isso porque a lei da Ficha Limpa prevê inelegibilidade de quem teve contas rejeitadas pelo órgão por “irregularidade insanável que configure ato doloso [intencional] de improbidade administrativa”.

Deltan afirma que, tecnicamente, não vê risco de se tornar inelegível. “Não era eu o ordenador de despesas. Eu não atuava nessa área.”

Fonte: Gazeta do Povo

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