A abertura do ano legislativo do Congresso Nacional, na quarta-feira (2) passada, deu início às negociações entre o governo federal e o Centrão para 2022. O Palácio do Planalto quer discutir com a base aliada o alinhamento político para aprovar projetos de seu interesse, como a proposta de emenda à Constituição (PEC) para amenizar as sucessivas altas nos preços dos combustíveis. E o grupo político que apoia o presidente Jair Bolsonaro (PL) quer, em troca, agilidade do governo na liberação de verbas de emendas parlamentares.
A demanda pelas emendas parlamentares é ponto pacífico na base aliada, sobretudo depois de o Centrão ter conquistado poderes inéditos para administrar o Orçamento. Em ano eleitoral, a liberação de recursos de emendas são até mais importantes para a base do governo do que a distribuição de cargos – embora caciques de PP, PL e Republicanos, os principais partidos do Centrão, também debatam nos bastidores com Bolsonaro a indicação de aliados para a reforma ministerial que ocorrerá até abril.
Porém, embora seja importante para os congressistas ter um aliado em ministérios estratégicos para facilitar a liberação de verbas, o ganho de capital político de se ter um indicado no governo é algo mais importante para a cúpula das legenda, e não nas bases. Na prática, o que garante votos a um congressista aliado do Planalto é apresentar em seu discurso a entrega de uma obra ou sua autorização, que advêm de recursos das emendas.
Qual é a importância das emendas para o Centrão e o que pensa o governo
A negociação de emendas parlamentares em ano eleitoral é uma praxe do presidencialismo de coalizão brasileiro. E no Centrão, o discurso é de que Bolsonaro precisa de apoio para vencer a disputa pela reeleição. E, nesse cenário, o grupo político sustenta que os recursos serão imprescindíveis para fortalecer o governo e evitar o desembarque de lideranças da base.
“O governo tem que executar o Orçamento para ter mais condições, de fato, de operação política com sua base. É legítimo e republicano”, diz uma liderança do Centrão próxima do governo. Mesmo alguns mais fiéis dentro do grupo de apoio político ao Planalto e, portanto, menos fisiológicos que outros, reconhecem que as emendas são importantes para que os aliados possam conseguir votos junto aos eleitores, não apenas para si, mas para associar obras entregues ao governo.
“Temos um calendário curtíssimo para o governo liberar as emendas e podermos iniciar e concluir obras pequenas. Boa parte dos recursos é para concluir obras de dimensão maior, mas há muitas obras pequenas pendentes. Para vencer a guerra contra o Lula e o PT, o governo vai ter que abrir os cofres”, afirma outra liderança do Centrão no Congresso.
As negociações entre governo e Congresso já começaram e devem ganhar mais força a partir dos próximos dias, quando o Planalto deve receber líderes e vice-líderes do governo na Câmara e no Senado para discutir a agenda prioritária. Como a abertura do ano legislativo ocorreu na quarta-feira, a expectativa é de que as reuniões avancem a partir de terça-feira (8).
O governo sabe que a demanda pela liberação de verbas será inevitável, mas o discurso no Planalto é de que as cobranças deverão ser discutidas em cima das pautas prioritárias no Congresso. “E, no momento, a demanda mais urgente é a questão dos combustíveis”, sustenta um interlocutor palaciano.
Na segunda-feira (31), Bolsonaro disse que espera propostas do Congresso para zerar impostos sobre combustíveis. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem conversado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para alinhar a discussão.
Uma vez elaborada a redação da proposta, o governo vai entrar nas negociações políticas. Por ora, interlocutores asseguram que ainda não há conversas avançadas e acordos firmados acerca das emendas parlamentares em 2022. “O que está em discussão é criar um texto [sobre os combustíveis] que seja possível de votar e aprovar antes das eleições”, diz um assessor palaciano.
Qual é o montante de emendas e até quando elas podem ser pagas
O pedido de rapidez do Centrão na liberação de emendas se deve a dois motivos: o montante vultoso de recursos orçamentários previsto e o prazo para a liberação dessas verbas. O Orçamento sancionado por Bolsonaro com os vetos prevê cerca de R$ 34,2 bilhões em emendas parlamentares para 2022, segundo levantamento da organização não governamental (ONG) Contas Abertas com base nos dados do Siga Brasil, o sistema de informações sobre orçamento do Senado.
Do total previsto em emendas, R$ 16,5 bilhões são verbas de emendas de relator, as chamadas RP9. São recursos não impositivos. Ou seja, o governo federal não é obrigado a executá-las e elas podem, portanto, ser livremente negociadas conforme os interesses políticos. Desde o ano passado, elas são negociadas entre o relator do Orçamento anual, Arthur Lira, e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Também são recursos não impositivos as emendas de comissão, previstas no Orçamento em cerca de R$ 976,6 milhões. O volume é inferior aos R$ 2,3 bilhões aprovados pelo Congresso após Bolsonaro vetar cerca de R$ 1,4 bilhão. O veto, no entanto, ainda pode ser derrubado pelo Parlamento.
O restante previsto está distribuído em emendas impositivas, as individuais, de cerca de R$ 10,9 bilhões, e as de bancadas estaduais, de aproximadamente R$ 5,9 bilhões. Por serem de execução obrigatória, tanto congressistas que apoiam o governo quanto os de oposição podem encaminhar essas verbas para suas bases eleitorais.
O interesse do Centrão em assegurar a liberação rápidas das emendas ocorre sobretudo diante do prazo final para a execução dessas verbas. A Lei das Eleições (Lei n.º 9.504/1997) proíbe no artigo 73 as transferências voluntárias de recursos da União aos estados e municípios (e dos estados aos municípios) a partir de um período de três meses antes das eleições. Ou seja, como o primeiro turno das eleições está previsto este ano para 2 de outubro, o governo federal tem até 2 de julho para pagar as emendas parlamentares. o objetivo da lei é evitar que o dinheiro seja usado durante o período eleitoral, o que favorece políticos com mandato.
O dinheiro até pode ser liberado após as eleições. Mas a intenção dos congressistas consigam a verba antes para poderem apresentar realizações a seus eleitores.
A exceção da Lei das Eleições para a liberação de verba às vésperas das eleições cabe somente nos casos de dinheiro destinado a cumprir obrigação prévia para execução de obra ou serviço em andamento, com cronograma já fixado, e também para atender situações de emergência e de calamidade pública.
Quais as chances de o governo pagar os R$ 34,2 bilhões ao Centrão
A pressão para que o governo execute ao máximo os recursos previstos para as emendas parlamentares previstas no Orçamento de 2022 existe e vai continuar. Mas a probabilidade de a gestão Bolsonaro abrir os cofres e pagar para toda a base é muito improvável, dizo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
“O governo não vai pagar financeiramente tudo. Isso nunca aconteceu em época nenhuma, em ano nenhum. Em um ano se empenha e, no outro, ele paga [as emendas]”, diz. Castello Branco explica que, normalmente, a briga dos parlamentares da base sobre o Orçamento vigente é para que haja o empenho, etapa em que o governo reserva o dinheiro que será pago quando uma obra, por exemplo, for entregue ou o serviço concluído.
O empenho permite ao parlamentar falar ao seu eleitorado que o dinheiro destinado por ele para um posto de saúde, uma quadra poliesportiva ou para uma creche, por exemplo, está autorizado pelo governo e as obras serão feitas. Contudo, isso não necessariamente significa que os valores serão pagos no mesmo ano. “O valor que está empenhado em um ano geralmente é pago no outro”, reforça Castello Branco.
Mesmo as verbas destinadas a emendas impositivas não necessariamente são pagas todas no ano orçamentário vigente. Dados mapeados pela Contas Abertas no Siga Brasil aponta que há cerca de R$ 9,7 bilhões em restos a pagar de emendas individuais não liberadas em anos anteriores, e de aproximadamente R$ 7,3 bilhões de emendas de bancada estaduais não executadas. Quanto às emendas não impositivas, há um montante de cerca de R$ 18,9 bilhões em restos a pagar e aproximadamente R$ 200 milhões em recursos de emendas de comissão não pagas. Ou seja, ao todo, a Contas Abertas aponta que há R$ 36,1 bilhões em dinheiro não pago de emendas parlamentares de anos anteriores.
A avaliação feita por Castello Branco é que, no âmbito do Orçamento de 2022, o governo vai empenhar muitas emendas e pagar algumas que sejam prioritárias, sobretudo nas emendas de relator. “Que ali é que está a barganha clara”, destaca. “E o Centrão, claro, vai pressionar para negociar o pagamento de restos a pagar. A barganha, claro, vai se dar na emenda de relator, onde é possível liberar para uns e não para outros”, acrescenta.
O representante da Contas Abertas acredita que haverá uma intensificação da liberação de recursos nos primeiros meses do ano tão logo o Orçamento esteja devidamente colocado em ação, após a análise dos vetos pelo Congresso. E para ele, a pressão do Centrão é natural.
“Estamos falando do maior valor previsto em emendas parlamentares para um ano eleitoral em toda a história. Não há a menor dúvida de que o Congresso terá o interesse em alocar recursos nas suas bases e o preço do apoio político será muito alto em função da popularidade do presidente estar em queda e as perspectivas eleitorais também não serem favoráveis”, diz Castello Branco.
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