Em entrevista aos meus colegas Cristina Graeml e Diogo Schelp, o ex-ministro, ex-juiz e nome-que-deveria-levar-acento Sergio Moro, ao explicar por que aceitou fazer parte do governo de Jair Bolsonaro, convidou os espectadores (e, agora, os meus leitores) a uma importante reflexão. “Coloque-se na minha situação”, pediu ele. E foi o que fiz.
Não pela primeira vez. Já em 2016 ou 2017, quando Sergio Moro era um herói nacional incontestável, o personagem me interessava. Ficava me imaginando no lugar dele, assinando o mandado de prisão do Lula. O que será que se passava naquela cabecinha? Será que ele tremia? Suava? Me perguntava – ainda me colocando no lugar dele – que princípios norteavam as minhas (no caso, as dele) ações. E o que mais ambicionava aquele juiz astronomicamente justo e tão tão tão simples que almoçava marmitinha.
A coisa começou a mudar de figura quando Sergio Moro se recusou a cumprimentar Bolsonaro durante a campanha de 2018. Vocês se lembram desse momento menor, mas analisado à exaustão? Ainda me colocando no lugar dele, comecei a perceber que havia algo ali. Talvez houvesse de fato um ser humano com virtudes e defeitos por trás do personagem institucional. E, meu Deus, como deve ser difícil esconder para o mundo seus defeitos quando há todo um arsenal de holofotes e microfones ansiosos por sua imagem e palavras.
Aí Sergio Moro abandonou a magistratura para virar ministro de Bolsonaro. Me lembro claramente de levar as mãos à cabeça e dizer teatralmente a um amigo, ali no extinto Express Café, que eu não entendia!, não entendia!, não entendia! o que levava uma pessoa a um gesto tresloucado como esse. Será vaidade? Será idealismo? Será estupidez? “É acreditar demais no poder do Estado”, disse ao amigo, à guisa de conclusão. Desculpe. É que eu vivia os estertores do libertarianismo e não sabia.
E é no meu não-entendimento (eu que fiz um esforço consciente para calçar os sapatos alheios) que está a explicação para o porquê de Sergio Moro não ter decolado como um nome viável à presidência da República. Afinal, quem é que sabe o que pensa de verdade o homem que mandou prender Lula num dia, largou a magistratura (e uma história até então bem-sucedida de luta contra a corrupção) no outro, pôs tudo a perder ao virar ministro e pôs tudo a perder mais uma vez ao pedir demissão espalhafatosamente? E, não satisfeito, pôs tudo a perder uma terceira vez, ao se lançar político?
Mestre em diagnósticos errados
Não que me falte capacidade cognitiva para reduzir Sergio Moro aos rótulos de sempre: conservador ou progressista, direita ou esquerda, liberal ou socialista – e assim por diante. Isso é fácil. Me falta capacidade cognitiva para algo mais básico: compreender os princípios que norteiam os movimentos politicamente desastrosos do ex-juiz. E, claro, talvez eu seja simplesmente um beócio. Mas também talvez (sempre talvez!) Moro seja apenas tudo aquilo que os outros querem que ele seja. Ouch.
Eis um exemplo. Assistindo à referida entrevista, em determinado momento “quis” que Sergio Moro fosse assim um mestre em diagnósticos errados. E qual não foi minha surpresa quando, cinco segundos mais tarde, ele se revelou justamente um mestre em diagnósticos errados! E, neste caso, um mestre em diagnósticos errados sobre si mesmo.
Ao falar da rejeição a seu nome, sobretudo entre a direita, Moro atribuiu isso a “mentiras e fake news”. Mas será que é ele quem atribui mesmo? Porque não é possível que o homem que já foi considerado um super estrategista e um ás do xadrez 4D não consiga dar uma voltinha de trinta segundos pelas redes sociais e perceber que a rejeição a seu nome se deve a, no mínimo, três outros fatores.
Primeiro, ao fato de Moro ter saído do governo do jeito que saiu. Muita gente o vê como um traidor. Mas, em vez de aceitar isso e enfrentar esse problema de frente, Moro prefere aumentar a aposta, colocando-se como antagonista do presidente que o nomeou para o cargo. Depois, Moro é visto como alguém cujo ideário o aproxima da social-democracia. Sim, a mesma do PSDB e do PT. Se for isso mesmo, ótimo, lidemos com essa realidade. Agora, se não for, por que Moro não deixa claro e explícito o que pensa sobre questões morais (caras aos conservadores) e econômicas (caras aos liberais)? Por fim, há a questão da defesa enfática das liberdades individuais durante o momento mais loko da pandemia. Ou melhor, da falta dessa defesa enfática.
E pensar que tudo isso, da soltura de Lula à transformação de Moro num Judas nacional a ser malhado pela direita e pela esquerda, poderia ter sido evitado se o ex-juiz tivesse optado pela prudência, e não pelo desejo utópico de “acabar com a corrupção no Brasil”. E pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se Moro tivesse abandonado momentaneamente os manuais e códigos e biografias por uma cópia de “Moby Dick”.
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