Quando o livro “As Cinco Linguagens do Amor” chegou às prateleiras das livrarias americanas pela primeira vez, em 1992, o mundo era outro. Nos Estados Unidos, Bill Clinton e George W. Bush disputavam a presidência da República, pleito que marcaria a vitória do Partido dos Democratas depois de anos marcados por governos republicanos. Por aqui, o então presidente Fernando Collor enfrentava o processo que resultaria no impeachment. A internet ainda levaria três anos para chegar ao público, e a maioria dos millennials – que hoje dominam o mercado de trabalho – eram crianças em idade escolar.
Trinta anos depois, a teoria desenvolvida pelo pastor batista Gary Chapman, com base em sua experiência no aconselhamento pastoral de casais, já figurou várias vezes na lista de best-sellers do The New York Times, ganhou reportagens nos maiores veículos internacionais e caiu nas graças do público na forma dos famigerados testes da internet. “Qual é a linguagem do amor do seu parceiro?”, “qual é a sua linguagem?”, buscam os internautas. Como resultado, “As Cinco Linguagens do Amor”, traduzido para o português pela editora Mundo Cristão, alcançou a marca de 20 milhões de cópias vendidas no mundo todo. Um raro sucesso editorial a extrapolar em muito as fronteiras do tempo e do mercado gospel.
Apresentador do programa de rádio A Growing Marriage (“Um casamento em desenvolvimento”, em tradução livre), tocado em centenas de rádios americanas, Chapman já foi recebido pela estrela do show business Oprah Winfrey e recomendado pela vencedora da última edição do Big Brother Brasil, a cantora Juliette. O que há, afinal, de tão inovador em sua obra? Em suma, o pastor propõe que as pessoas tendem a expressar e compreender demonstrações de afeto de cinco formas diferentes, tendo uma por “dominante”. Manter uma relação saudável, portanto, implica em reconhecer sua própria linguagem e a do parceiro – as opções são: palavras de afirmação, tempo de qualidade, atos de serviço, presentes e toque físico – e, assim, esforçar-se para “falar o idioma” do outro e maneirar as próprias expectativas. Seu mais novo livro, também sobre relacionamentos, “Comunicação e Intimidade” (Editora Mundo Cristão), acaba de chegar às livrarias brasileiras. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o autor fala sobre as linguagens de afeto na era da internet.
Três décadas se passaram desde o lançamento de “As Cinco Linguagens do Amor” e o livro continua sendo um sucesso, mesmo fora dos ambientes cristãos. A que você atribui essa popularidade?
Acho que é porque uma de nossas necessidades emocionais mais profundas é nos sentirmos amados pelas pessoas importantes em nossas vidas. Se somos casados, o relacionamento mais significativo é com nosso cônjuge. Quando os casais leem o livro, fazem o teste e aprendem a linguagem do amor um do outro e começam a se expressar através dela, o cônjuge logo relata que se sente amado. Então, eles recomendam o livro para todos os seus amigos e conversam sobre ele. Basicamente, foi um “boca a boca” internacional.
Pode-se dizer que este livro passou pelas mãos de pelo menos duas gerações: os casais que já eram adultos na década de 1990 quando foi lançado, e os “millennials”, que chegam aos 30 anos junto com o livro. Você notou alguma mudança na recepção do público? Existem diferenças nas perguntas e dificuldades relatadas em relação aos relacionamentos?
O livro vende mais a cada ano que passa, e isso já faz três décadas. Então, obviamente, ainda está ajudando os casais, independentemente da idade. Eu revisei um pouco ao longo do caminho para incluir o uso crescente da tecnologia.
A prevalência de certas “linguagens do amor” é geracional?
Acho que não. Acho que qualquer que seja a nossa idade, temos uma linguagem de amor primária. Não é geracional nem específico de um gênero.
Até que ponto a internet impactou a comunicação afetiva? Percebo, por exemplo, que é comum medir o relacionamento dos outros pelo número de fotos postadas no Instagram. Que “linguagem do amor” seria essa?
Eu acho que a internet pode ser tão útil quanto prejudicial para a comunicação. Útil na medida em que nos permite chegar facilmente com uma palavra ou fotos afirmativas. É prejudicial se passarmos todo o nosso tempo “online” jogando videogames ou vendo o que os amigos postaram, e não dermos atenção suficiente ao nosso cônjuge. Quando estamos separados, o Facetime, por exemplo, permite que nos vejamos enquanto conversamos. Isso é especialmente significativo para alguém que tem ‘tempo de qualidade’ como sua linguagem de amor.
Quanto ao seu exemplo de postar fotos no Instagram – se isso for significativo para um cônjuge ou amigo próximo, meu palpite é que sua linguagem de amor seria receber presentes. A foto diz: “Eles estavam pensando em mim enquanto estávamos separados”.
Pesquisas mostram que a Geração Z, os “nativos digitais” que estão começando a chegar à fase adulta, estão namorando cada vez menos: literalmente, eles saem menos, começam a namorar mais tarde e não têm intenção de se casar. A que você atribui essa transformação?
Acho que essa tendência é que estamos ficando cada vez mais isolados uns dos outros, o que é um indicador de egocentrismo. Estamos pensando cada vez mais no que queremos fazer; o que nos fará felizes, em vez de buscar amar os outros.
Quanto a viver juntos antes do casamento – o que, novamente, está enraizado no egoísmo -, trata-se de querer ter prazer sexual sem compromisso. Todas as pesquisas indicam que, em última análise, isso não é útil. Quando estes casais decidem se casar, sua taxa de divórcio é maior do que os casais que não coabitaram. No entanto, a maioria deles não se casa e muda de parceiro para parceiro, o que os deixa extremamente solitários e muitas vezes deprimidos. Acho que esse estilo de vida egocêntrico explica muito da solidão e depressão desta geração.
Ter intimidade está ficando mais difícil? Você acredita que a era da internet torna difícil simplesmente cultivar esse espaço interior particular? Como conseguir isso de volta?
Nós nos tornamos “focados no entretenimento”. Passamos nosso tempo online ou assistindo televisão, filmes, esportes, etc., onde somos observadores da vida, em vez de procurar construir relacionamentos significativos. Quando o foco da vida é ser feliz, só encontraremos elevações emocionais momentâneas, o que leva a passar de um pico após o outro, geralmente incluindo o consumo de entorpecentes.
O caminho de volta é perceber que o maior sentido da vida não está na busca de prazer, riqueza ou acumulação de coisas. É encontrado nos relacionamentos. (Acredito antes de tudo em um relacionamento com Deus. Depois com os semelhantes.) A resposta está na opção de agir por amor – buscando enriquecer a vida dos outros; em oposição ao egoísmo. As pessoas mais satisfeitas do mundo são aquelas que investem suas vidas em amar – servir aos outros.
Em todo o mundo, os divórcios aumentaram na pandemia. Quem sobreviveu a esta “onda”? Os casamentos eram tão ruins assim?
Minha observação é que aqueles que tiveram um casamento bastante saudável realmente prosperaram durante a pandemia. Aqueles que já tiveram um casamento desfeito pioraram quando se viram “presos” em casa. Eles nunca aprenderam a resolver conflitos nem a escolher uma atitude de amor, como aprender a falar a linguagem do amor um do outro. Então, eles tomam o que parecia ser o passo mais fácil e se divorciam. Na realidade, o divórcio cria todo um conjunto de problemas adicionais e não resolve nada. O trabalho árduo de autoexame, de pedir desculpas por nossas próprias falhas e perdoar uns aos outros abre a porta para mudanças positivas.
As linguagens do amor funcionam para outras formas de relacionamento? Pergunto porque, no Brasil, estamos prestes a iniciar um ano eleitoral e a disputa promete ser ainda mais acirrada do que foi nos Estados Unidos no ano passado.
Acho que o conceito de linguagens do amor funciona em todos os relacionamentos humanos. Escrevi um livro: “As Cinco Linguagens da Valorização Pessoal no Trabalho”, que leva o conceito de linguagens do amor para o ambiente de trabalho. Eu uso a palavra valorização em vez de amor, mas é a mesma necessidade emocional básica – sentir que meus colegas de trabalho me valorizam como pessoa. Eu não sou apenas uma engrenagem em uma máquina.
Quanto ao ano eleitoral. O que aconteceu na cultura americana é trágico. Passamos da tentativa de nos entendermos e trabalharmos juntos para uma atitude de buscar destruir aqueles com quem falimos. É a total ausência de amor. É o egoísmo no seu pior. Ele coloca um grupo contra o outro. É de fato uma guerra civil, em vez de buscar um meio que enriqueça as pessoas. Estamos tratando as pessoas como se fôssemos todos animais selvagens, em vez de humanos feitos à imagem de Deus. O egoísmo nunca construirá a unidade.
A força mais poderosa do mundo para o bem é o amor. O amor estimula o amor. Alguém deve iniciar o processo amando aqueles que não os estão amando. Quando o fizermos, podemos reconstruir a civilidade. Se não o fizermos, eventualmente destruiremos cada um e, assim, autodestruiremos nossa civilização. Eu não acredito que isso seja o que qualquer um de nós realmente quer para as próximas gerações. Assim, meu desafio para todos nós é escolher um estilo de vida baseado em uma atitude de amor que pergunte todos os dias: “O que posso fazer hoje para tornar a vida melhor para outra pessoa?” Uma vida de amor trará luz às trevas. Assim, procuro fazer minha parte na promoção do amor.
Em “As Cinco Linguagens do Amor”, concentro-me no relacionamento conjugal. Acredito que se pudermos ajudar os casais a aprender e falar a linguagem do amor um do outro, eles podem ter o casamento com o qual sonharam. Cada casamento saudável cria o melhor lar para os filhos. Se vamos mudar uma nação para sempre, acredito que tudo começa com aprender a amar na família.
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