Quando se pensa num fato de 2001 que mudou o mundo, o primeiro pensamento que vem à mente é a lembrança dos atentados de 11 de setembro. Entretanto, um fato ocorrido em 11 de dezembro daquele ano produziu uma mudança ainda mais decisiva na geopolítica mundial, pela via econômica: a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Hoje o grande rival chinês no que vem sendo chamado de Guerra Fria 2.0, os Estados Unidos apoiaram a adesão do país mais populoso do mundo, sob o argumento que a liberdade econômica poderia levar também à abertura política, esta uma realidade que continua muito distante.
Do ponto de vista econômico, desde a entrada na OMC, a China atingiu feitos impressionantes: passou de oitava para segunda economia do mundo (deverá ser a primeira antes do fim desta década) e viu o índice de pobreza extrema da sua população passar de 32% em 2002 para 0,5% em 2016, de acordo com dados do Banco Mundial.
Para o resto do mundo, há dúvidas sobre esse legado. Se a entrada da China na OMC abriu um mercado gigantesco para exportações de vários países (como as do agronegócio brasileiro, por exemplo) e propiciou preços baixos de produtos em todo o mundo, a concorrência chinesa representa perda de empregos: um relatório do ano passado do Instituto de Política Econômica dos Estados Unidos mostrou que o crescente déficit comercial do país com a China representou a perda de 3,7 milhões de postos de trabalho entre 2001 e 2018.
Outros efeitos colaterais não previstos em 2001 foram o aumento do poder de barganha chinês na geopolítica mundial, que a torna uma ameaça militar crescente e atrai mais países para seu raio de influência, e seu novo status como maior poluidor do mundo.
Críticos apontam que a concorrência chinesa é desleal em muitos aspectos (um deles, as jornadas e condições de trabalho abusivas, como trabalhos forçados em Xinjiang) e que a China nunca se transformou numa típica economia de mercado.
“A China trouxe tecnologia e propriedade intelectual do Ocidente às vezes legalmente, às vezes ilegalmente, e então usou seu grande mercado interno para aperfeiçoar produtos, se tornar muito eficiente em produzi-los e fazer crescer empresas muito grandes e capazes, muitas vezes de propriedade estatal, muitas vezes com base em subsídios”, explicou Jennifer Hillman, professora no Georgetown Law Center e ex-comissária da Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos, em entrevista ao site Politico.
“Eles se tornaram hipercompetitivos em vários setores, possivelmente devido a comportamento ilegal perante a OMC, mas isso muitas vezes não foi questionado porque os regramentos de subsídios do acordo com a OMC simplesmente não são eficazes”, acrescentou.
Em artigo recente publicado no site da Bloomberg, os setoristas de economia Bryce Baschuk e Enda Curran destacaram que a China nunca integrou totalmente sua economia socialista a uma organização criada e destinada para economias de mercado.
“Existem pelo menos três causas para isso: as regras da OMC eram inadequadas para lidar com as práticas distorcidas de comércio mais prejudiciais da China; o governo chinês, na verdade, aumentou seu controle sobre os principais aspectos da economia; e os outros países não se aproveitaram totalmente das ferramentas de fiscalização da OMC para responsabilizar a China”, argumentaram.
Baschuk e Curran apontaram que o governo dos Estados Unidos vem adotando uma política mais agressiva para corrigir essas distorções, como aplicação de tarifas mais pesadas sobre importações da China, e buscando apoio de aliados para criar dificuldades para Pequim.
“Se os Estados Unidos conseguirem alinhar uma coalizão grande o suficiente em torno de um conjunto de novas regras para corrigir as falhas da entrada da China na OMC, isso poderá representar a maior reforma do sistema de comércio global em um quarto de século”, projetaram.
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