No próximo dia 14, será retomado em Hong Kong o julgamento do ativista pró-democracia Tam Tak-chi. Ele é acusado de 14 crimes, entre eles “proferir palavras sediciosas”, conduta desordeira em local público e realizar ou convocar reunião não autorizada.
Seria apenas mais um caso de perseguição a dissidentes políticos por parte do regime chinês, mas o processo contra Tam tem um diferencial: ele é o primeiro réu acusado de sedição (insurreição contra a autoridade estabelecida) em Hong Kong desde o final da era colonial, em 1997, quando o Reino Unido devolveu o território à China.
A partir de 1914, o governo colonial publicou decretos e regulamentos de sedição para silenciar ativistas favoráveis à saída dos britânicos, censurar publicações e prender dissidentes políticos. Entretanto, a partir do final dos anos 1960, apesar de parte dessas normas ter continuado vigente, elas deixaram de ser aplicadas.
Mesmo após a devolução do território à China, a nova administração de Hong Kong seguiu sem recorrer às leis de sedição. Entretanto, isso mudou após a promulgação da nova lei de segurança nacional, imposta por Pequim em junho de 2020, uma resposta aos protestos pró-democracia realizados no território desde o ano anterior.
Em artigo no site The Diplomat, Eric Lai, pesquisador sobre direito de Hong Kong no Centro de Direito Asiático da universidade americana de Georgetown, citou, além do processo contra Tam, prisões de cidadãos locais apenas por apresentarem mensagens pró-democracia em faixas e adesivos, além do absurdo caso de cinco membros da União Geral de Fonoaudiólogos de Hong Kong detidos em julho por terem publicado uma série de livros infantis com a história de um grupo de ovelhas que defendem suas aldeias de lobos.
Eles foram acusados de conspiração para “imprimir, publicar, distribuir ou exibir publicações sediciosas”, incitando o ódio ao governo e ao judiciário entre crianças.
“Duas implicações decorrem do renascimento das leis de sedição em Hong Kong. Em primeiro lugar, ele representa uma expansão do regime de censura da cidade. A autocensura está presente há muitos anos na mídia local. No entanto, desde a promulgação da lei de segurança nacional, a autoridade política tornou-se mais ativa na censura de opiniões divergentes em vários campos”, escreveu Lai.
“O uso de leis de sedição também implica que a sociedade de Hong Kong será ainda mais acuada pela integração da nova lei de segurança nacional com as muitas leis draconianas preexistentes”, analisou o pesquisador. “Embora a antiga administração colonial tenha se abstido de aplicar a lei de sedição desde os anos 1970, o novo governo de Hong Kong finalmente desistiu de sua autocontenção para ressuscitar essa lei draconiana.”
Em outubro, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos manifestou preocupação com a prisão de Chow Hang-Tung, ativista pró-democracia e defensora dos direitos humanos em Hong Kong, sob a acusação de “incitamento à subversão” e de ser uma agente estrangeira.
“Acusações de terrorismo e sedição estão sendo usadas indevidamente para sufocar o exercício dos direitos fundamentais, que são protegidos pelo direito internacional, incluindo liberdade de expressão e opinião, liberdade de reunião pacífica e direito de participação em assuntos públicos”, apontou o comissariado, em comunicado.
O informe destacou que os crimes de terrorismo e subversão da segurança nacional são estritamente definidos pelo direito internacional. “Esses rótulos não devem ser aplicados a crimes que não atendem aos limites previstos nas normas internacionais existentes”, apontaram os especialistas das Nações Unidas.
“A banalização da gravidade dos atos terroristas e crimes de sedição, quando governos os usam indevidamente para justificar a repressão a divergências internas, os limites a protestos e restrições a críticas por parte da sociedade civil e dos defensores dos direitos humanos, é profundamente preocupante”, acrescentaram.
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