TSE e STF vão mesmo recorrer a agências de checagem nas eleições?

Estátua A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, praça dos três poderes, Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF)

Quem checa os checadores? Se você me segue, sabe desde o último sábado que organizações de combate à desinformação e discurso de ódio espalharam fake news sobre origem supostamente racista de algumas palavras. Anteontem fiz até um artigo mostrando a origem real dos termos. Cá entre nós, todo mundo já mandou adiante alguma pataquada dessas. Ainda bem que a gente não se autointitula agência de checagem.

Todos erramos, todos acreditamos em alguma mentira e passamos adiante em algum momento da vida. A galera vai tirar sarro, mas não seria um problema exclusivo da Agência Lupa. O problema mesmo é a forma de lidar com o episódio, um tratamento completamente diferente daquele dado a outras pessoas que têm suas declarações analisadas pela agência. Aliás, nem admitir que as expressões não são racistas se admitiu. Não é FAKE, é “alvo de contestações”. Dobrou a aposta.

Recentemente tivemos um salseiro monumental criado em torno da urna eletrônica. O pessoal já poderia ter acostumado que é um salseiro por semana, mas o coração de periguete se entrega a cada furdunço com paixão. O TSE não conseguiu resolver o problema e poderia ter feito. Bastava lembrar o presidente da República que as Forças Armadas participam do processo e questionar sobre isso. Talvez Jair Bolsonaro tenha cansado de esperar. Ele mesmo achou essa saída. Enquanto isso, o que fazia o TSE? Confiava em agências de checagem.

A Agência Lupa fez uma postagem enorme mostrando que mentiu ao inventar origens racistas para 7 termos. Mas não é tão dura consigo. Continua afirmando que os termos são racistas, apenas diz que “as origens foram contestadas”. A explicação das origens é dada em um malabarismo para não admitir o erro. O que a agência ganha com isso? Desconfiança do público. Bastaria um “erramos” para superar o tema e seguir adiante.

A desinformação online passou a ser uma estratégia importante no jogo político, principalmente nas eleições. O Tribunal Superior Eleitoral promete bater duro nos mal intencionados ano que vem. O Supremo Tribunal Federal fez até uma comissão contra a desinformação para atuar no tema. Temos um inquérito no STF que investiga isso. Ambos os tribunais pedem ajuda às agências de checagem. Não era melhor pedir de uma vez ao Allan do Terça Livre, que pelo menos tem mais público?

Mentira por mentira, a dele cola com mais gente e ele consegue dar a volta por cima depois para o público dele. (Aqui eu conto melhor os episódios em que ele mentiu sobre mim e gente muito otária respeitável acreditou mesmo podendo pesquisar e ver que é mentira). São tratamentos muito diferentes. Há quem desinforme e seja punido. Há quem desinforme e seja chamado para combater a desinformação. Está dando super certo.

Você já deve ter tido a experiência de esfregar um fato na cara de alguém que acreditou em fake news e não adiantar nada. A pessoa continua acreditando na mentira ou arruma desculpa para o mentiroso. Pouco importam os fatos. Então não adianta nada desmentir desinformação? Adianta e é necessário.

Um dos institutos de psicologia mais respeitados do mundo, o Karolinska, na Suécia, acaba de publicar uma pesquisa muito interessante sobre doenças contagiosas em Serra Leoa. Foram levantados os principais boatos espalhados por whatsapp e montadas estratégias eficientes para desmentir. Funciona e é necessário, principalmente quando envolve decisões importantes na vida das pessoas.

Combater desinformação só é possível quando o público confia no interlocutor. Grande parte do público já desconfia até do jornalismo. A forma como a Agência Lupa lida com os próprios tropeços é uma explicação lapidar para as razões. O público não rejeita fact-checking. Basta ver a receptividade dos sites Boatos.org e E-farsas, que checam sem lição de moral ou arrogância. O TSE e o STF vão mesmo atrair mais esse problema para a já conturbada política brasileira?

Se a questão é combater desinformação, o primeiro ponto é informar. Comprometida com as mentiras contadas e mantidas na rede durante dias, a Agência Lupa não desmente nem se desculpa, diz apenas que foi questionada e resolveu aprofundar as explicações. Continua sem informar nada e trazendo uma contribuição nada positiva para a imagem de todos nós, jornalistas.

Vejam o que foi postado, por exemplo, sobre a palavra “mulato”, o desmentido que eu trouxe em um artigo e a explicação final dizendo que, apesar da mentira sobre a origem, há uma intelectual que diz ser racista de qualquer maneira.

É uma dupla memorável de tweets. No primeiro, que seria para checar a origem da palavra mulato publicada pela própria Agência Lupa, aparece uma pérola dos dias atuais, o jornalismo declaratório. Alguém diz que não importa a origem, é racista. Então nem importa ter mentido. Seguimos com a generalização do tipo “joga para o universo”. Quem e onde apontou diversas vezes criado-mudo como referência à escravidão? Ah, eles. Eles quem? O pessoal. Que pessoal? Ah, me deixa.

A agência publicou origens inventadas para 7 termos utilizados para perseguir, cancelar e esculhambar a vida de muita gente por aí. A perseguição é justificada pela origem racista dos termos, que é inventada. Não há um único pedido de desculpas nem uma única admissão de erro. Veja como a mesma Agência Lupa trata um erro bem menor: fato ocorrido mas informado com imagem errada.

As agências checadoras de fatos foram uma febre nas eleições de 2018. Com o tempo, foram catapultadas a arautos da verdade. Confortáveis na fantasia de inquestionáveis, agora já mentem sem o menor pudor e nem pedem desculpas. Diante da dificuldade em ser transparente neste tema, que atitude esperar em questões quentes com pressão política e tendências ideológicas? Não sei, mas já deixo meus parabéns ao TSE e ao STF. Agora a gente pode ficar tranquilo.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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