A teimosia de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ao não pautar a sabatina de André Mendonça, indicado em julho deste ano por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal, custou caro ao país. Manteve a principal corte brasileira desfalcada; parou todos os processos que dependiam de voto, liminar ou relatório de Marco Aurélio Mello, que deixara o Supremo; e, por fim, começou a paralisar a própria CCJ, devido à obstrução dos senadores favoráveis à realização da sabatina e que impede a apreciação de várias matérias importantes. Quando os senadores ameaçaram levar a obstrução também ao plenário, parando o Senado de vez, Alcolumbre finalmente cedeu e anunciou que Mendonça será sabatinado durante o esforço concentrado da próxima semana.
Uma casa legislativa (ou, pelo menos, uma de suas comissões mais importantes) parada não é algo que o país precisasse ver, mas era um dos poucos recursos que os senadores tinham à disposição para romper o impasse. O Supremo Tribunal Federal (STF), acertadamente, havia decidido não intervir em questão interna do Senado quando rejeitou ação que pretendia obrigar Alcolumbre a marcar a sabatina, e de fato tratava-se de controvérsia cuja solução era política, não jurídica. Neste processo, não faltaram também críticas ao presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por não ter colocado empenho suficiente para que a sabatina de Mendonça fosse realizada com presteza.
Os senadores precisam aproveitar a oportunidade para rever seu regimento e evitar que situações como esta se repitam
O presidente da CCJ se diz injustiçado, mas, à parte insinuações de que a demora se daria por preconceito religioso (Mendonça é evangélico; Alcolumbre é judeu), todas as críticas feitas a ele são bastante pertinentes. O senador reclama de não haver pressão semelhante para a análise de outras indicações paradas na CCJ, mas quem negaria que a indicação ao Supremo é a mais importante delas? O fato é que não havia nenhum motivo razoável para que Alcolumbre resistisse por mais de quatro meses – um recorde no passado recente – a pautar a sabatina de Mendonça; o que há, e sobre isso as informações de bastidores são numerosas, é a preferência de Alcolumbre por outro nome, o de Augusto Aras, o procurador-geral da República. Ironicamente, Aras foi indicado por Bolsonaro para um novo biênio na PGR quase ao mesmo tempo que Mendonça, mas o procurador-geral foi sabatinado em pouco mais de um mês, desmontando outro argumento de Alcolumbre, o de que havia outros temas na CCJ mais prioritários que indicações de autoridades. Resta evidente que a demora foi decisão única e exclusiva do presidente da CCJ, sem nenhuma outra razão que a justificasse.
Agora, finalmente a CCJ e o plenário do Senado terão a oportunidade de inquirir Mendonça. Como lembramos a propósito da formalização de sua indicação, os senadores precisam aproveitar a ocasião para certificar-se de que o ex-advogado-geral preenche os requisitos necessários a um bom ministro do Supremo, além de pedir esclarecimentos sobre episódios de sua passagem pelo Ministério da Justiça. Que esta sabatina seja digna do nome, ao contrário do constrangedor espetáculo oferecido quando da amistosa sessão de perguntas e respostas de Kassio Nunes Marques, em outubro do ano passado.VEJA TAMBÉM:
- André Mendonça no STF (editorial de 14 de julho de 2021)
- A sabatina de André Mendonça e a demora de Alcolumbre (editorial de 27 de setembro de 2021)
- O abuso de Alcolumbre e a necessária resposta dos senadores (editorial de 14 de outubro de 2021)
Além disso, os senadores precisam aproveitar a oportunidade para rever seu regimento e evitar que situações como esta se repitam. Não é razoável que a vontade de um único parlamentar seja capaz de provocar tamanha disrupção no funcionamento dos poderes da República. Como afirmamos em ocasião anterior, “os autores dos regimentos e das leis que regem o funcionamento dos órgãos legislativos certamente não pretendiam transformar presidentes em pequenos déspotas capazes de empacar temas importantes para o país por mera conveniência pessoal”. Há vários caminhos para que isso seja feito: pode-se, por exemplo, instituir prazos definidos no artigo 383 do Regimento Interno do Senado Federal, que trata da aprovação dos nomes de autoridades; ou, caso a opção seja por preservar a prerrogativa do presidente da CCJ, pode-se ampliar as ferramentas pelas quais uma maioria de senadores descontentes com a demora seja capaz de destravar as indicações. Deixar o regimento como está equivalerá a passar um atestado de que nada foi aprendido com o episódio – ou pior: que as regras atuais não deixam de ser bastante convenientes, já que o senador insatisfeito de hoje poderá ser o dono da pauta amanhã.
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