Caso efetivamente decida ser candidato a presidente em 2022, como sinalizou no dia de sua filiação ao Podemos e em entrevista ao jornalista Pedro Bial, o ex-juiz Sergio Moro já largará com uma vantagem em relação a quase todos os demais concorrentes da chamada terceira via: cerca de 10% das intenções de voto, segundo as últimas pesquisas.
Mas Moro precisará enfrentar importantes desafios para alavancar sua candidatura e chegar ao segundo turno. A começar pela expansão do seu eleitorado em potencial, que atualmente está bastante restrito ao público que apoia a Operação Lava Jato e a luta anticorrupção.
A Gazeta do Povo ouviu especialistas que listaram quais são os principais desafios de Moro como candidato a presidente:
1. Moro terá de fugir da armadilha de ser apenas o candidato anticorrupção
“A causa da luta contra corrupção rende votos ao Moro, mas ele vai precisar conquistar os eleitores falando de outros temas também, como economia, saúde, infraestrutura”, afirma Murilo Hidalgo, presidente do Instituto Paraná Pesquisas. “As pessoas estão curiosas para saber o que ele vai apresentar de propostas para essas outras áreas”, diz. Segundo Hidalgo, Moro terá que expandir o leque de propostas para viabilizar sua candidatura à Presidência da República.
Na avaliação de Cila Schulman, especialista em marketing político e vice-presidente do Ideia Instituto de Pesquisa, a eleição do próximo ano será sobre a economia e ainda é necessário ver qual a capacidade que o ex-juiz tem para ampliar o seu repertório nessa área.
Durante a solenidade em que se filiou ao Podemos, Moro apresentou um esboço de seu plano de governo. A partir de agora, terá de torná-lo mais conhecido da população para fugir da imagem de ser apenas um candidato anticorrupção.
2. Ex-juiz terá de superar rejeição
Sergio Moro é amplamente conhecido no Brasil, mas pesquisas de opinião indicam que ele tem, neste momento, uma alta rejeição. Um levantamento divulgado em 1º de novembro pelo Instituto Paraná Pesquisas mostra que 58% dos brasileiros desaprovam uma possível candidatura do ex-juiz a presidente da República.
Moro enfrenta forte rejeição entre uma parcela significativa da população: os que apoiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os que defendem o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de quem foi ministro da Justiça e Segurança Pública. “Há polos de rejeição muito altos. Essa parcela da população nem quer ouvi-lo”, diz Cila, constatando que este será um grande desafio que sua campanha teria que enfrentar.
A narrativa de que Lula foi perseguido por Moro durante a Lava Jato deve pesar contra o ex-juiz, até mesmo fora das esferas de influência do ex-presidente, por conta da desconstrução midiática e jurídica da operação nos últimos dois anos, principalmente após o vazamento de mensagens hackeadas atribuídas aos procuradores da força-tarefa e ao então juiz Moro.
Entre os conservadores, muitos se dizem decepcionados com sua saída do governo, denunciando Jair Bolsonaro por tentar interferir na Polícia Federal.
Na opinião de Cila, a rápida participação de Moro no governo do atual presidente gerou um desgaste para sua imagem entre os eleitores da direita, embora ele tenha potencial de conseguir votos de pessoas que votaram em Bolsonaro em 2018 e que agora estão descontentes com a gestão dele.
“Ele pode até ultrapassar a intenção de voto do Ciro [Gomes, do PDT]”, que representa a terceira via da esquerda e chegou a marcar dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto um ano antes das eleições. “Mas chegar a 25%, para ir a um segundo turno, é mais difícil”, diz Cila.
E, para vencer no segundo turno, precisa reverter a imagem negativa, diz o analista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores Associados, lembrando que outros pré-candidatos da terceira via, como o governador gaúcho Eduardo Leite (que disputa as prévias do PSDB) e o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (presidenciável pelo DEM/União Brasil) não enfrentariam esse problema de forma tão aguda, até mesmo por serem menos conhecidos entre os eleitores.
Para Fernandes, Moro deveria trabalhar em uma estratégia para conquistar votos que iriam para Bolsonaro. Conquistar o apoio do empresariado pode ser um bom começo.
3. Moro vai ter de lidar com políticos de forma hábil
Outro desafio para a candidatura de Moro à Presidência é a “falta de traquejo com a classe política”, observam os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. E ter apoios políticos é importante numa eleição presidencial.
Durante o primeiro ano no governo Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça teve dificuldades em negociar com parlamentares o pacote anticrime, que acabou sendo aprovado com a exclusão de pontos importantes para Moro (caso da prisão após condenação em segunda instância judicial), e a inclusão do juiz de garantias (a medida aprovada foi vista como uma ação anti-Moro dos parlamentares, pois esse juiz ficaria responsável por supervisionar a fase de inquérito dos processos criminais e um outro magistrado é quem efetivamente julgaria). “Enquanto esteve no Ministério da Justiça, [Moro] não tinha um bom traquejo, não recebia muitos parlamentares em seu gabinete”, afirma Fernandes.
O seu trabalho como juiz na Lava Jato também pode ter o efeito de afastar políticos, dificultando articulações e uma eventual governabilidade. Uma grande parcela deles considera que o ex-juiz criminalizou a política; e outros se ressentem de terem sido investigados pela Lava Jato. “Para alguns parlamentares, [a eleição de] Sergio Moro seria o pior dos cenários. Há muito mais parlamentares dispostos a embarcar em um novo governo Bolsonaro do que em um governo Moro”, diz o consultor de Brasília.
Suas pautas anticorrupção podem o colocar em choque com vários partidos, mas Moro precisará trabalhar para que isso não seja um grande problema em sua futura campanha. O Podemos não é um partido “nanico”, tendo ocupado espaços estratégicos no Legislativo, diz Fernandes. Mas não tem o mesmo peso de outras legendas. Apenas o Podemos não dá a uma eventual campanha de Moro apoio suficiente em financiamento público e em tempo de propaganda gratuita em rádio e TV.
O ex-juiz e o Podemos estão se movimentando para conseguir esse apoio. Moro, inclusive, já participou de encontros com os presidenciáveis João Doria, Eduardo Leite e Mandetta, que esteve no evento de filiação de Moro no último dia 10, assim como os deputados Kim Kataguiri (DEM), Joice Hasselmann (PSL), Luis Miranda (DEM), o senador Alessandro Vieira (que é pré-candidato à Presidência pelo Cidadania) e o deputado estadual de São Paulo Arthur do Val (Patriota).
O Podemos também deixa aberta a possibilidade para uma articulação com a terceira via de centro e centro-direita. O recém-criado União Brasil (que uniu DEM e PSL), Cidadania e o PSDB se mostraram dispostos a conversar com o ex-juiz, mas a possibilidade, neste momento, foi descartada pelo PSD, que recentemente filiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e tem planos de lançá-lo como candidato a presidente da República.VEJA TAMBÉM:
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4. Moro necessita melhorar a postura em público
O quarto desafio de Moro será mudar sua postura pública, deixando para trás a figura do juiz e assumindo de vez o papel de político. “Será uma mudança de postura e de vida. Ele vai ter que deixar de ter a fisionomia de um juiz. Vai precisar virar político; ser mais afável, aberto”, afirma Murilo Hidalgo, do Paraná Pesquisas.
Melhorar a apresentação pode ser importante quando se considera que, em uma uma campanha, ele provavelmente vai debater ideias e ser comparado pelos eleitores com outros dois líderes carismáticos de estilos bem particulares: Lula e Bolsonaro.
Moro, ao começar seu discurso de filiação ao Podemos, reconheceu essa sua falha. Disse que não tem carreira política e não é treinado em discursos. “Alguns até dizem que não sou eloquente e não gostam da minha voz”, afirmou. Mas ponderou que, apesar disso, é uma pessoa confiável.
Metodologia da pesquisa citada na reportagem
O levantamento eleitoral do Instituto Paraná Pesquisas, citado nesta matéria, sobre a rejeição de Sergio Moro, foi divulgado em 1º de novembro. Foram ouvidos, por telefone, 2.462 eleitores de 26 estados do país e do Distrito Federal, entre os dias 26 e 29 de outubro. O resultado tem confiabilidade de 95% e a margem de erro geral é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
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