O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) publicou em seus canais de comunicação que, na manhã do último domingo (31), houve um ataque a um grupo de integrantes do grupo no assentamento Fábio Henrique (chamado também de “São João”), localizado no município de Prado, no sul da Bahia. Vinte homens encapuzados e fortemente armados teriam feito disparos em direção aos militantes e, em seguida, ateado fogo em dois ônibus que os integrantes do MST utilizaram para chegar ao local.
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Para a direção nacional do MST, o ataque teria sido feito por moradores do assentamento que se separaram do movimento para buscar a regularização de suas terras e, consequentemente, seus títulos de propriedade. “O atentado faz parte de uma ação coordenada, com apoio de grupos bolsonaristas a nível local e nacional, que financiam e recrutam milicianos, com objetivo específico de atacar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”.
A versão oficial do movimento é contestada por produtores rurais que moram no assentamento. Agricultores ouvidos pela reportagem sustentam que eles sequer dispõem do “armamento pesado” citado pela direção do MST e que o episódio teria sido forjado pelos próprios militantes num momento em que órgãos de direitos humanos apuram ataques de lideranças do movimento social aos assentados.
Os produtores também apontam uma tentativa de exploração do caso para a promoção de um filme sobre o guerrilheiro comunista Carlos Marighella, que será exibido no assentamento Jacy Rocha, comandado pelo MST e localizado no mesmo município em que ocorreu o suposto ataque. No assentamento residem líderes regionais e nacionais do MST – alguns deles constam em boletins de ocorrência e em um inquérito como autores de agressões aos assentados. A exibição contará com a presença do diretor do filme, Wagner Moura, além de outros atores pró-MST, como Bruno Gagliasso e José de Abreu, e familiares do líder comunista.VEJA TAMBÉM:
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Suposto ataque coincidiu com o retorno de agricultor expulso de sua casa
O caso denunciado pelo MST ocorreu no dia seguinte ao retorno do produtor rural Valmir da Conceição Oliveira ao assentamento. Conforme denúncia publicada na Gazeta do Povo, no dia 13 de abril as famílias dos assentados Valmir e Vanuza foram expulsas de suas casas, segundo eles, por um grupo de militantes do MST. Além disso, suas casas foram inteiramente vandalizadas e todos os seus bens, inclusive animais de suas criações, foram saqueados.
Seis meses após as agressões sofridas e a consequente expulsão do assentamento no qual residia há quinze anos, Valmir retornou à sua casa no sábado (30) com a esposa e os três filhos. Ao retornar, encontrou outra família residindo em sua casa, que saiu do local no mesmo dia.
Em entrevista a uma rádio vinculada ao movimento, Eliane Oliveira, diretora estadual do MST na Bahia, disse que líderes do MST foram informados sobre a retirada da família que estava morando na casa de Valmir. Em contrapartida, convocaram militantes para ir ao local no dia seguinte ainda de madrugada para, segundo ela, “reunir as famílias assentadas para dar apoio a essa família que havia sido retirada do seu lote”.
Segundo Eliane, por volta de 6h da manhã, enquanto os militantes estavam fazendo uma assembleia, eles foram surpreendidos por pessoas armadas que teriam, por aproximadamente vinte minutos, “dado rajadas de tiros nas paredes e nos carros” – sem ferir nenhum dos integrantes do movimento –, além de terem feito reféns durante esse período. “A gente sabe que esse grupo… eles ainda estão dentro desse assentamento. Eles querem colocar outros que eles julgam que têm que ficar nesses lotes”.
Apesar das falas da diretora, não há registro de outras famílias que estariam sendo colocadas dentro do assentamento ou de ataques feitos pelos moradores a qualquer liderança do movimento. Há, no entanto, diversos boletins de ocorrência nas delegacias de Polícia Civil de Prado e Teixeira de Freitas e na delegacia da Polícia Federal de Porto Seguro relatando agressões, ameaças e vandalismo de propriedades supostamente de autoria de líderes do MST.
Desde o retorno de Valmir ao local, grupos de famílias de assentados têm se revezado para ficar em frente à casa do agricultor para impedir novos ataques. Como mostrado pela Gazeta do Povo, vigílias têm sido feitas em outros assentamentos que já foram vítimas de violência para proteção contra ataques dos militantes.
“Eu cheguei aqui sábado à tarde. No domingo pela manhã ficamos sabendo que foram incendiados dois ônibus e que o MST estava dizendo que fomos nós que fizemos, com armamento pesado. Eles que têm armas, nós não. Tanto que no dia em que eles chegaram na minha casa eu não tinha arma para me defender, mas eles tinham revólveres, pistolas, espingardas e facões para nos atacar”, diz Valmir.
“Eles armam tudo, é de costume. Acho que a ideia deles não era atacar ou vir para cima de nós. Era fazer o que fizeram para nos condenar, para terem uma desculpa para chegar na mídia contra nós”, afirma o agricultor.
Veja abaixo vídeo em que Valmir e demais agricultores em vigília questionam versão do MST:
Posicionamento dos órgãos de segurança
Após o suposto ataque a integrantes do MST na manhã deste domingo, boletim de ocorrência foi registrado por lideranças do movimento na 8ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin), em Teixeira de Freitas – cidade que fica a oitenta quilômetros de Prado. A escolha de Teixeira de Freitas chama a atenção, porque o município de Prado possui delegacia própria.
A delegacia em Teixeira de Freitas é a mesma em que advogados do movimento social pediram que fosse direcionado o inquérito que apura agressão às famílias de Valmir e Vanuza. No inquérito (retirado da delegacia de Prado, que já havia avançado na investigação do caso) constam nomes de dirigentes nacionais e estaduais do movimento denunciados como autores dos ataques.
À reportagem, a assessoria de comunicação da Polícia Civil afirmou que a 8ª Coorpin apura o ocorrido e vai expedir a guia para perícia no local. “Algumas pessoas já prestaram depoimento e outras oitavas foram agendadas. Mais informações não estão sendo divulgadas no momento, para não interferir no andamento da investigação”, cita nota.
A Secretaria de Segurança Pública do estado informou apenas que o policiamento na região foi reforçado. Em nota publicada nesta segunda-feira (2), o órgão cita uma declaração do secretário de Segurança Pública, Ricardo Mandarino, que diz que a busca pelos autores do ataque seria tratada com prioridade.
A Polícia Militar da Bahia não se manifestou sobre o caso.
Apuração da secretaria de Direitos Humanos
Após denúncias veiculadas na Gazeta do Povo a respeito de agressões, ameaças e vandalismo de propriedades contra agricultores residentes em assentamentos de Prado, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do estado, por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) direcionou uma equipe para apurar as denúncias. A reportagem acompanha os desdobramentos da apuração.
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