As políticas de justiça criminal ganharam um lugar de destaque entre os pré-candidatos democratas à presidência, com vários deles divulgando planos para reformar o modo como os americanos punem os criminosos. Reinventar a forma como lidamos com o crime é um dos mais importantes desafios do nosso tempo, mas grande parte do debate se baseia em equívocos que muitas vezes empurram a reforma para direções equivocadas e até mesmo contraproducentes.
Mito Nº. 1: As prisões dos EUA estão cheias de presos por delitos leves relacionados às drogas
Questionado recentemente sobre o projeto de lei que prevê direito de voto para criminosos, o senador Cory Booker, de Nova Jersey, um dos pré-candidatos democratas à presidência, afirmou que “prendemos mais pessoas por posse de maconha em 2017 do que por todos os crimes violentos combinados”. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez, democrata de Nova York, repetiu esse ponto de vista, sugerindo no Twitter que o sistema prisional é repleto de pessoas não-violentas presas por pequenos delitos”.
Mas a verdade é que, no mínimo, 55% dos detentos de prisões estaduais foram condenados por crimes violentos — e mais da metade dessas pessoas, ou quase 30% da população carcerária total, foram consideradas culpadas de homicídio, homicídio culposo, estupro ou agressão sexual. Pouco menos de 15% estão encarcerados por crimes relacionados a drogas, embora a maioria dos americanos acredite que o número seja de cerca de 50%.
No entanto, a parcela dos que estão nas prisões estaduais por crimes violentos é maior do que 55%. Os presos são classificados pelo delito mais grave pelo qual são condenados — não presos ou acusados. Então, se alguém é preso por um crime violento, mas acaba se declarando culpado por uma acusação de tráfico de drogas, seu crime é classificado como um delito não-violento, mesmo que o incidente subjacente — como um caso de violência doméstica no qual a vítima não testemunhe — seja a razão pela qual o promotor o denunciou.
Mito nº2: Prisões privadas levam ao encarceramento em massa.
Quando as pessoas tentam explicar como os Estados Unidos acabaram com quase 25% dos prisioneiros do mundo, elas freqüentemente jogam a culpa em empresas que lucram diretamente com o encarceramento ao administrar prisões ou ao fornecer serviços a instalações públicas. A senadora Elizabeth Warren, democrata de Massachusetts, culpou as prisões privadas pelo encarceramento em massa (“Precisamos nos livrar de prisões particulares com fins lucrativos”). O senador Bernie Sanders, de Vermont, concentrou-se nas prisões privadas em sua candidatura presidencial de 2016 e está fazendo isso de novo (“A prisão privada tem de acabar”).
Existem duas falhas centrais nesta afirmação. Primeiro, apenas cerca de 8% de todos os prisioneiros estaduais e federais são mantidos em instalações privadas. A maioria das pessoas em prisões privadas está concentrada em apenas cinco estados, e não há provas reais de que as populações prisionais tenham crescido mais rapidamente nesses estados do que em outros lugares.
Em segundo lugar, dos cerca de US$ 50 bilhões que gastamos em prisões, cerca de dois terços, ou US$ 30 bilhões, são gastos em salários e benefícios para funcionários do setor público. Em comparação, as empresas donas das prisões privadas ganham juntas alguns bilhões em receita e cerca de US$ 300 milhões em lucros — apenas 1% do que o setor público gasta em salários. Assim, os sindicatos de funcionários correcionais do setor público têm motivos para fazer lobby contra as reformas que reduziriam as populações carcerárias, especialmente porque as prisões geralmente fornecem alguns dos únicos empregos bem remunerados nas comunidades rurais onde estão localizados.
Mito nº3: Longas sentenças estão fazendo a população carcerária envelhecer na prisão.
É verdade que a idade média dos presos aumentou nos últimos anos, assim como o número de presos com mais de 55 anos ou mesmo 65 anos. A explicação comum é “sentenças ultralongas”, como disse a revista The Economist, ou “as consequências uma era de longas sentenças “, como disse outro artigo publicado na imprensa — pessoas que cumprem longas penas estão envelhecendo e morrendo na prisão.
A realidade é mais complexa. Entre os presos com mais de 65 anos, metade tem pena menor que dez anos, o que significa que foram presos por volta dos 50 anos. Grande parte do envelhecimento da população prisional não vem de sentenças longas, mas de nossa incapacidade de abordar adequadamente a violência tardia. Doenças relacionadas à idade, como a doença de Alzheimer e a demência, podem levar a um comportamento violento e, com muita frequência, confiamos na polícia e nas cadeias, e não nos serviços públicos de saúde, para administrá-lo. Um estudo também sugere que o uso pesado de drogas, quando jovem, levou a níveis mais altos de criminalidade entre idosos americanos.
Há também um problema em como pensamos sobre a outra metade dos presos mais velhos, aqueles que foram admitidos quando jovens e estão envelhecendo atrás das grades. Mesmo quando entendemos cada vez mais os problemas e custos com pessoas envelhecendo na prisão, muitas vezes restringimos os esforços de reforma dirigidos a eles, como programas de libertação compassiva àqueles condenados por crimes não violentos — embora quase 90% estejam cumprindo pena por crimes violentos, freqüentemente assassinato ou homicídio.
Mito nº 4: Não enviar alguém para a prisão economiza cerca de US$ 35.000 por ano.
A reforma da justiça criminal é uma das poucas questões que mobilizam tanto o partido Democrata quanto o Republicano nos dias de hoje, e um dos principais objetivos do esforço conservador para a mudança é reduzir ou realocar os gastos do governo. É comum escutar alegações de que para cada pessoa mantida fora da prisão, os contribuintes economizarão cerca de US$ 35 mil por ano. O Brennan Center for Justice, por exemplo, argumentou que o corte de 576.000 detentos na população carcerária economizaria cerca de US$ 20 bilhões anuais, e um relatório de 2018 do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca sobre o impacto fiscal da redução da reincidência usava uma estimativa similar.
É fácil ver de onde vem o número: gastamos cerca de US$ 50 bilhões para trancar 1,4 milhão de pessoas por ano em prisões estaduais. Isso dá cerca de US$ 35.000 por detento ao ano. No entanto, não é isso que popupamos quando libertamos um único preso da prisão.
Lembre-se que cerca de dois terços dos gastos com a prisão são salários: se não reduzirmos a folha de pagamento proporcionalmente à população carcerária, a economia por prisioneiro será muito menor. Outros custos fixos, como contas de água e gás, também não diminuem com o número de presos. A economia real de reduzir a população prisional em um é geralmente de US$ 4.000 a US$ 16.000, não US$ 35.000.
Agora, se liberarmos pessoas suficientes para fecharmos uma ala ou uma prisão inteira, talvez possamos poupar algo mais próximo da média estimada. Mas os estados geralmente mantêm a maioria das instalações vazias abertas e, quando as fecham, muitas vezes realocam a maioria dos agentes penitenciários para outras instalações.
John Pfaff é professor de direito na Fordham University, e autor de ‘Locked In: The True Causes of Mass Incarceration and How to Achieve Real Reform’ (Trancafiado: as verdadeiras causas do encarceramento em massa e como alcançar a verdadeira reforma, em tradução livre).
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