A Câmara dos Deputados pretende votar nos próximos dias uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e dá ao Congresso Nacional o poder de escolher o corregedor do órgão. Críticos da matéria, promotores e procuradores alegam que o texto pode acabar com a independência do Ministério Público.
Nesta quarta-feira (13), entidades que representam os membros do MP afirmaram que a PEC 05/2021 é composta por “diversos pontos graves”. “Seja pela indesejável interferência nas atividades finalísticas, seja pela afronta a autonomia institucional e a independência funcional de seus integrantes”, diz a nota.
À Gazeta do Povo, o promotor Paulo Penteado, vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), criticou a forma como a matéria é discutida pelo Congresso. Além disso, alegou que o texto não está “maduro” para ser votado, além de não atender o interesse social.
“Na semana passada o texto esteve na iminência de ser votado e só não foi votado por questões pontuais. Tem sim o risco de votação nos próximos dias. Isso não segue o procedimento comum de tramitação de emendas constitucionais, que são discussões demoradas dentro do próprio Parlamento, com muitas oitivas com integrantes da sociedade civil e com uma extensa discussão entre os parlamentares”, argumentou Penteado. Confira a seguir a entrevista completa.
Membros do Ministério Público têm criticado diversos pontos da PEC. Para o senhor quais são os trechos mais problemáticos da proposta?
Paulos Penteado: São várias preocupações. Dentre elas, eu apontaria a possibilidade de o Conselho Nacional do Ministério Público intervir na atividade fim do Ministério Público. O que significa isso? O Conselho Nacional poder rever a prática de determinado membro do Ministério Público. Por exemplo, o promotor oferece a denúncia e o juiz recebe a denúncia. Essa PEC permite, em determinadas circunstâncias, que o Conselho Nacional invalide esse oferecimento da denúncia. Isso na verdade é próprio da atividade jurisdicional. Todo ato que o promotor faz, ele se destina a uma produção em juízo. O Conselho Nacional teria aí um poder acima daquele conferido pela Constituição ao próprio poder Judiciário.
Outro ponto da PEC diz repeito à indicação do corregedor do CNMP pelo Congresso Nacional. O senhor teme uma ingerência política dentro do órgão?
Sim. Hoje o corregedor nacional do Ministério Público é eleito pelos integrantes do CNMP dentre aqueles que são membros de carreira. A PEC prevê que o corregedor nacional seja eleito diretamente pela Câmara e pelo Senado, sem passar pelo Ministério Público e dentre aqueles que exerceram a função de procurador-geral de Justiça ou de procurador-geral da República. Isso restringe o número de membros do Ministério Público que podem exercer essa relevante função, que também é de orientação. E há outra previsão de aumento de uma cadeira para os integrantes do poder Judiciário, mas também com eleição direta pelo Congresso Nacional.
Essa PEC estava em uma comissão especial, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), levou o texto direto ao plenário sem um parecer do colegiado. Para o senhor, houve alguma restrição no debate da matéria?
A PEC é apresentada com o número mínimo de assinaturas, 171 assinaturas, se houver admissibilidade é encaminhada para CCJ [Comissão de Constituição e Justiça], que analisa a constitucionalidade. Depois a matéria é remetida para a comissão especial, que é formada especificamente para analisá-la. O que aconteceu foi que, transcorridas as sessões, que são contadas pelo plenário da Câmara, ou seja 40 sessões, não houve apresentação do relatório e então o texto foi encaminhado diretamente para o plenário.
Na semana passada, o texto esteve na iminência de ser votado e só não foi votado por questões pontuais, e tem sim o risco de votação nos próximos dias. Isso não segue o procedimento comum de tramitação de emendas constitucionais, que são discussões demoradas dentro do próprio Parlamento, com muitas oitivas com integrantes da sociedade civil e com uma extensa discussão entre os parlamentares.
Como o senhor avalia o trecho da PEC que pretende garantir maioria para o procurador-geral dentro do Conselho Superior do Ministério Público?
Nós temos 26 ministérios públicos dos estados, mais quatro ramos do Ministério Público que integram o Ministério Público da União. Em todos esses 30 ramos do MP há um conselho superior. Em cada um deles, esse conselho superior revê os atos de atividade fim. O que significa isso? Na intervenção do Ministério Público na tutela dos interesses difusos ou no controle da ação penal pública do próprio procurador-geral de Justiça. O Conselho Superior ele revisa, por exemplo, a decisão do procurador-geral de instaurar um inquérito civil contra um governador ou de arquivar esse inquérito civil.
Hoje os integrantes do Conselho Superior são eleitos pelos membros da classe. Com essa proposta, o procurador-geral vai deter dois terços desse conselho que revê os seus próprios atos. Claro que eu não falo de pessoas, mas sim de um sistema constitucional, de um sistema de freios e contrapesos. Essa nova proposta, fora apartar um sistema hoje mais democrático, não atende ao interesse social de que o conselho possa efetivamente rever decisões do procurador-geral, na medida que o procurador-geral passará a ter maioria desse conselho.
Causa estranheza o trecho da PEC que afirma que caberá ao Congresso Nacional aprovar o Código de Ética do CNMP? Essa prática é comum?
A emenda constitucional 45 criou dois conselhos nacionais: o Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e o Conselho Nacional do Ministério Público. O Conselho Nacional de Justiça aprovou o Código de Ética dos magistrados. E é estranho que o Ministério Público seria o único órgão nacional com um Código de Ética formado externamente. O Ministério Público já tem as suas leis orgânicas na maneira que um Código de Ética, ao nosso ver, deve ser feito pelo próprio Ministério Público.
Um dos argumentos do autor da PEC, o deputado Paulo Texeira (PT-SP), é que o CNMP tem dificuldade de punir seus membros. Como o senhor vê esse argumento?
O CNMP publicou recentemente uma pesquisa sobre o número de processos administrativos instaurados e o número de punições aplicadas. Essa pesquisa está disponível e ela demonstra que o CNMP instaurou 69% a mais de procedimentos disciplinares que o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], com um número de penalidades aplicadas também superior. O CNMP aplicou 138 penalidades e o CNJ, 87 entre 2005 e 2019. O que demonstra que o CNMP é um órgão muito atuante, como deve ser o controle sancionatório da atividade de promotores e procuradores.
A proposta prevê que o vice-procurador será também o corregedor do órgão. Esse acúmulo de funções pode atrapalhar o trabalho do CNMP?
É um acúmulo de funções complexas. A ideia de se criar um vice-presidente para o órgão pode ser interessante, mas essa acumulação de funções, além de ser complexa, pode trazer algumas situações difíceis no andamento do próprio procedimento de processo perante o Conselho Nacional. Como corregedor ele propõe a abertura de um procedimento disciplinar e ele próprio preside a sessão num determinado momento por determinação constitucional? Se fosse criada essa figura do vice-presidente, talvez não devesse haver acumulação com a função de corregedor.
Além da oposição, houve uma articulação do Centrão para que essa PEC avançasse. O senhor vê algum interesse político para a aprovação desta matéria?
É difícil fazer uma análise política sobre um órgão que deve ser técnico. O Ministério Público é um órgão técnico, é um órgão de Estado, é um órgão de defesa da sociedade. De forma que as suas alterações devem ter uma discussão, diria uma reflexão necessária, com uma maturação necessária para sua aprovação. Acho que nesse momento não há essa maturação para aprovação da matéria.
O relator da PEC, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), afirmou que iria discutir alguns pontos da proposta. Houve algum avanço nessa discussão?
A sociedade civil entendeu que há muitos pontos problemáticos nessa PEC. Claro que o Ministério Público não é uma instituição hermética, não é uma instituição aversa ao controle, mas como pontuamos, nós entendemos que essa PEC não atende aos interesses, não do Ministério Público, mas de toda a sociedade brasileira.
A sociedade civil está se preocupando com os destinos do país e com os destinos de um órgão que tem a missão de ser o guardião do Estado Democrático de Direito. Claro que manifestações da sociedade civil reverberam dentro do Congresso Nacional. Ainda é difícil dizer se a PEC vai ser aprovada ou rejeitada, mas eu tenho certeza que essas manifestações têm sim relevância e reverberam no Parlamento.
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