Em paz com Bolsonaro, STF evita julgar “pautas-bomba” contra o governo

O período de pacificação entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, inaugurado há pouco mais de um mês com a ajuda do ex-presidente Michel Temer, acalmou os ministros do STF. Nos próximos meses, julgamentos que poderiam trazer dor de cabeça ao governo, especialmente com impacto fiscal, deverão ser evitados. Também não há perspectiva de retomada de casos suspensos que mexem com interesses de setores econômicos ou segmentos sociais alinhados com o Palácio do Planalto.

O sinal mais claro e recente de paz, por parte do presidente, veio na quarta-feira da de semana passada (6), quando Bolsonaro comunicou ao STF que topa depor presencialmente no inquérito sobre a sua suposta interferência na Polícia Federal (PF) para blindar sua família contra investigações.

Desde setembro do ano passado, Bolsonaro recusava-se a comparecer pessoalmente para ser interrogado, o que deixou a investigação parada, à espera de uma decisão do plenário sobre o assunto. Nos bastidores, a informação era de que havia ministros que queriam obrigá-lo a depor, o que poderia estremecer novamente a relação entre os Poderes. A solução foi intermediada pelo novo advogado-geral da União, Bruno Bianco, que tem dialogado bem com os ministros do Supremo.

O julgamento sobre o assunto foi enterrado e o relator do caso na Corte, Alexandre de Moraes, acolheu a solução de meio-termo sugerida por Bianco: Bolsonaro deverá comparecer pessoalmente, mas poderá escolher local, data e horário, dentro de 30 dias, para prestar os esclarecimentos. O presidente ganha politicamente porque não passa pelo constrangimento simbólico de ter de obedecer a uma intimação exigindo sua presença numa delegacia da PF.

Outro sinal positivo, na avaliação dos ministros, foi a declaração de Bolsonaro de que não fará nada para “melar” as eleições do ano que vem, por considerar que elas serão confiáveis em razão da supervisão das urnas eletrônicas pelas Forças Armadas.

Em entrevista à revista Veja, Bolsonaro até elogiou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso – a quem havia ofendido por se opor ao voto impresso – em razão da inclusão de um general do Exército numa recém-criada comissão de transparência do sistema eletrônico. No último dia 4, Barroso disse ter ficado “extremamente feliz no tocante à posição do presidente”.

A interlocutores, o presidente do STF, Luiz Fux – que rompeu o diálogo com Bolsonaro após os insultos proferidos contra Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes – também tem elogiado a nova postura do presidente, que parou de criticar publicamente os ministros e desistiu de pressionar o Senado pelo impeachment dos dois.

Um auxiliar de Fux afirmou à reportagem que o ministro acha que “as coisas estão acalmando, que Bolsonaro está se deixando assessorar e que isso é bom para todos”. Apesar disso, ainda não há previsão de uma conversa institucional entre o presidente do STF e Bolsonaro, cancelada pelo ministro em agosto.

O deputado Marco Feliciano (PL-SP), um dos parlamentares mais próximos de Bolsonaro, confirma que o clima entre o Planalto e o Supremo é bom. “O momento de pacificação entre o presidente Bolsonaro e o STF veio para ficar, o que é bom para o país. Estamos em momentos difíceis de pandemia e a Bíblia ensina, em Mateus 12/25, que reino dividido não subsiste”, diz Feliciano.

Paz entre Bolsonaro e STF desarmou bombas fiscais para o governo

Até o início de setembro, os atritos do Planalto com o Supremo fizeram crescer na Advocacia-Geral da União (AGU) a preocupação com possíveis decisões que poderiam impactar as contas públicas em mais de R$ 138,2 bilhões. São ações que envolvem, por exemplo, a revisão do fator previdenciário, um ressarcimento tributário a exportadores e redução de contribuições trabalhistas.

Apesar de terem sido incluídas na pauta do segundo semestre, até o momento nenhuma delas entrou em julgamento ou então teve a análise suspensa, sem previsão de volta.

Outra bomba desarmada é uma ação que pede que os saldos de FGTS sejam corrigidos pela inflação (que chegou a 10,25% nas taxa anualizada dos últimos 12 meses), mais 3% ao ano; e não mais pela Taxa Referencial (TR, que está zerada desde 2017) mais 3% ao ano, conforme estabelecido em lei. O Ministério da Economia calcula que, se o índice mudar, o impacto passaria dos R$ 400 bilhões e ainda encareceria o crédito imobiliário no país, abastecido com recursos do FGTS.

O julgamento da ação, apresentada em 2014 pelo partido Solidariedade e que tem Luís Roberto Barroso como relator na Corte, chegou a ser agendado neste ano, mas foi retirada de pauta. Não há chance de ser levada ao plenário tão cedo.

Marco temporal e decretos de armas são outros “alívios” de Bolsonaro

Bolsonaro também pode dormir tranquilo em relação a outros temas do interesse de sua base. Não há qualquer sinal de retomada do julgamento que pode derrubar o marco temporal (critério que condiciona a demarcação de terras indígenas à ocupação da área pela tribo em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição). Para alívio de agricultores, em setembro, Alexandre de Moraes pediu vista quando o placar estava em 1 a 1 no plenário.

No último dia 6, em reunião com parlamentares ruralistas, Bolsonaro disse que, se reeleito no ano que vem, vai indicar em 2023 mais dois ministros para o STF que sejam alinhados com o setor agropecuário.

Outra importante fatia do eleitorado de Bolsonaro ganhou um alívio em setembro, quando o ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente para o STF, suspendeu com um pedido de vista julgamentos que provavelmente derrubariam de vez decretos que flexibilizaram a compra e o porte de armas, especialmente pelos “CACs” (caçadores, atiradores e colecionadores).

Com o adiamento por tempo indefinido do julgamento, a expectativa é que, se o ex-advogado-geral André Mendonça ingressar na Corte, ele tente virar o jogo e garantir a manutenção de ao menos parte das normas.

Segundo Feliciano, as articulações para a aprovação dele no Senado “andam a todo vapor”. “A demora do presidente da Comissão de Constituição e Justiça [o senador Davi Alcolumbre] em marcar a sabatina não se justifica e todos nós evangélicos estamos fechados no nome de André Mendonça. Espero que Davi Alcolumbre atenda o apelo das lideranças evangélicas, dando celeridade à indicação da data para a sabatina”, disse o deputado.

Caso Alcolumbre insista em boicotar a sabatina, Bolsonaro pode ganhar uma ajuda do Supremo para emplacar seu indicado. Na segunda-feira (11), o ministro do SRF Ricardo Lewandowski rejeitou uma ação para obrigar Alcolumbre a realizar a sessão. Mas é possível recorrer ou apresentar outra ação semelhante. Há ministros incomodados com a demora no preenchimento da vaga e uma boa relação com eles pode ajudar Bolsonaro a, enfim, a satisfazer o eleitorado evangélico.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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