Indústria reage, mas está longe de recuperar o que perdeu na última década

A indústria está operando acima dos piores momentos da pandemia: segundo o IBGE, a produção cresceu 7% no período de 12 meses encerrados em julho, em comparação com o intervalo anterior. É a maior expansão nesse “giro anual” desde fevereiro de 2011. No acumulado dos sete primeiros meses do ano, o avanço foi de 11% em relação a igual período do ano passado.

Além disso, o setor também foi o que mais cresceu na economia brasileira ao longo dos últimos 12 meses. Segundo o IBGE, o PIB industrial avançou 4,7% no acumulado de quatro trimestres até junho, enquanto que a agropecuária avançou 2% e os serviços, 0,5%.

Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, nos sete primeiros meses do ano, o faturamento real (já descontada a inflação) aumentou 14,1% em relação aos mesmos meses de 2020. O emprego industrial está em alta há 12 meses e a utilização da capacidade instalada ultrapassa os 80% há cinco.

Mas o economista-chefe da entidade empresarial, Renato da Fonseca, diz que ainda é muito cedo para dizer que os bons tempos voltaram para o setor: “Há muito a ser recuperado”.

Dados do IBGE mostram que, apesar da recuperação em relação ao período inicial da pandemia, o ritmo da produção industrial ainda é bem menor que o alcançado nos melhores momentos do setor. A indústria está longe de recuperar o espaço perdido na última década.

O patamar de produção do último mês de julho, por exemplo, era cerca de 16% inferior ao da média de 2011. E muito semelhante ao observado em anos como em 2004 e 2005.

Os últimos meses dão uma ideia de como o cenário ainda é desafiador. Ainda que os indicadores de médio prazo indiquem uma expansão – a indústria está crescendo nos acumulados de 2021 e também de 12 meses –, mais recentemente houve uma queda na atividade. Em junho e julho, a produção acumulou retração de 1,5%.

Indústria brasileira perdeu posições no ranking global

Em 2011, a indústria de transformação brasileira era a oitava maior do mundo. Três anos depois, era a 10ª e em 2018 tinha caído para 16º.

Fonseca aponta que os fatores que inibem um crescimento mais forte da indústria e a tornam menos competitiva ainda persistem. É o caso dos problemas com o sistema tributário, a falta de capacitação da mão de obra, a infraestrutura deficiente e o custo elevado da energia. “A demanda interna acaba sendo suprida por produtos importados.”

Segundo o economista-chefe da CNI, não é só a indústria que sofre com esses problemas. Ele aponta que a economia brasileira só terá condições de crescer a um ritmo sustentado de 3% ao ano com diminuição dos problemas causados pelo custo Brasil.

Fatores circunstanciais explicam bom momento

Uma série de fatores circunstanciais ajudam a explicar o atual cenário industrial, aponta Cláudia Perdigão, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Um deles é a mudança no comportamento do consumidor em decorrência da pandemia. Diante das restrições à mobilidade e à impossibilidade de viajar ou de frequentar bares e restaurantes, os consumidores trocaram o consumo de serviços pelo de bens.

Outro fator foi a rápida retomada da economia do exterior, que estimula a exportação de produtos básicos e intermediários. Diante das projeções de crescimento mundial de 6% para este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a demanda por produtos como minério de ferro e soja teve uma forte alta, impulsionando os preços para cima.

A indústria também foi beneficiada, principalmente a de bens de capital, pela retomada do investimento, que patinava desde 2015. “Muitas empresas sentiram a necessidade de se modernizar e expandir sua produção”, explica Cláudia.A taxa de investimento atingiu 16,43% no ano passado, a maior em cinco anos e o terceiro crescimento seguido.

Locomotiva do crescimento vai mudar

Se nos primeiros meses do ano o crescimento do PIB brasileiro foi puxado pela indústria, a tendência é de que, nos próximos meses, o carro-chefe passe a ser o setor de serviços, beneficiado pelo avanço na vacinação.

A pesquisadora aponta que dois fatores podem atenuar o desempenho da indústria neste ano: um deles é a falta de insumos e matérias-primas. O problema é mais evidente no segmento automotivo, que tem peso relevante na indústria nacional e se ressente da escassez global de semicondutores (microchips). Várias montadoras foram obrigadas a interromper a produção ao longo deste ano, derrubando os resultados do segmento e de toda a indústria.

Outro problema que pode afetar a indústria é a crise hídrica. Um levantamento feito pela CNI aponta que 62% dos empresários brasileiros acham que haverá racionamento ou restrição de energia no país ainda neste ano. E para 98%, o setor industrial será afetado diretamente, pagando mais caro pela energia gerada.

Perda de relevância

A indústria vem perdendo relevância nos últimos anos. No primeiro trimestre, ela foi responsável por 17% do PIB brasileiro – o menor número da série histórica, iniciada em 1996. No segundo trimestre, o setor se recuperou, passando a responder por 19,1% do PIB total. Muito abaixo, no entanto, do pico de 25,2% alcançado nos terceiros trimestres de 2004 e 2008.

“Esta redução está associada ao processo de desenvolvimento observado em uma economia, que ocorre quando o setor de serviços ganha mais espaço.” No segundo trimestre, ele respondeu por 62% do PIB brasileiro.

Outro fator que contribui para a indústria perder espaço na economia brasileira é que os principais clientes estão no mercado interno ou em países da região que vêm enfrentando dificuldades econômicas. É o caso da Argentina, cujo PIB encolheu 13,2% nos últimos cinco anos, de acordo com o FMI.

Isso acentua os problemas de carga tributária elevada e de alto custo da energia, que diminuem a competitividade da indústria brasileira.

Indústria extrativa ganha espaço

Nos últimos 25 anos, a indústria extrativa quintuplicou sua importância relativa no PIB brasileiro (passando de 0,9% para 4,9% do total), enquanto a indústria de transformação perdeu peso (de 12,3% para 9,9%).

A pesquisadora do Ibre/FGV lembra que o Brasil tem vantagens competitivas nas cadeias integradas de commodities. E elas foram impactadas favoravelmente pela aceleração no crescimento da economia mundial, após a pior fase da pandemia, no segundo trimestre de 2020.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as exportações de minério de ferro aumentaram 11% em tonelagem e 127,4% em valor no comparativo entre os oito primeiros meses de 2020 e 2021.

O economista-chefe da CNI explica que há razões estruturais que explicam o sucesso da indústria extrativa: “São cadeias mais curtas que não sentem muito os impactos do custo Brasil, pois internalizam toda a infraestrutura”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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