Câmara conclui votação do Código Eleitoral e texto vai ao Senado; veja o que muda

A Câmara dos Deputados concluiu na madrugada desta quinta-feira (16) a votação do destaques do projeto que cria o novo Código de Processo Eleitoral. Os destaques são propostas de mudanças feitas pelas bancadas ao texto-base, que já havia sido aprovado na semana passada.

Agora, o texto seguirá para o Senado, onde os senadores demonstram resistências as mudanças. O presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse, no entanto, que terá “boa vontade” com o projeto, mas que vai analisar se há tempo para que as mudanças tenham validade já nas eleições de 2022. A expectativa é de que o senador Antônio Anastasia (PSD-MG) seja o relator.

Para entrarem em vigor para o pleito do ano que vem, as regras precisam ser aprovadas pelos senadores e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até o próximo dia 1º de outubro. A legislação determina que mudanças eleitorais precisam ser regulamentadas com um ano de antecedência das eleições.

Entre outros pontos, o projeto estabelece uma série de novas regras para as eleições. E contém dispositivos que enfraquecem a fiscalização e punição da Justiça Eleitoral sobre candidatos e partidos, que abrem brecha para impunidade em casos de caixa 2 eleitoral e que restringem a publicação de pesquisas na véspera e no dia das eleições.

Quarentena para juízes, promotores, militares e policiais

Em uma articulação encampada por líderes do Centrão e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o plenário da Casa aprovou uma emenda que reinsere no texto do Código Eleitoral a quarentena para magistrados, procuradores, policiais e militares que desejam disputar as eleições. A proposta foi aprovada por 273 votos favoráveis contra 211.

A medida passa a valer a partir de 2026 e o prazo obrigatório para o afastamento será de no mínimo quatro anos. Inicialmente, esse tipo de restrição seria de cinco anos e estava previsto no texto-base da proposta, aprovado na semana passada, mas que acabou sendo derrubado depois de uma articulação da bancada da bala com o PSL.

Para voltar com o trecho, a manobra regimental usada pelo Centrão foi apresentar uma emenda aglutinativa que contemplasse a inclusão da quarentena para essas categorias. Quem apresentou o novo trecho foi o líder do PP, Cacá Leão (PP-BA). Partidos da oposição, como PT e PCdoB, também orientaram a favor da medida. O governo orientou contra.

O presidente da bancada da bala, Capitão Augusto (PL-SP) disse que a intenção de retomar o texto era antirregimental, pois tratava-se de “medida já votada”. Já o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO), acusou os seus pares de “açodarem” o debate.

“O que está acontecendo aqui é um ataque. É, verdadeiramente, um desprestígio àqueles que todos os dias se esforçam para defender, para proteger a nossa Nação e a segurança pública”, completou.

Votação dos destaques

Outro destaque aprovado, do PT, retirou a possibilidade de o mandatário mudar de partido sem penalidades no mês de março de cada ano eleitoral, a chamada janela de mudança de partido. Com isso, continua apenas a janela dos 30 dias anteriores ao prazo de filiação partidária.

Os deputados aprovaram ainda emenda do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) para incluir os candidatos indígenas na contagem em dobro dos votos dados, a exemplo do que será garantido para mulheres e negros. Essa contagem influi na distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.

A contagem em dobro será uma única vez por pleito. Igual regra será aplicada na contagem de eleitos, pois esses são os dois critérios principais na repartição de recursos dos fundos.

A contagem em dobro valerá até que ocorra paridade política como ação afirmativa. Fica mantida ainda a cota mínima de 30% de cada sexo nas candidaturas lançadas pelos partidos.

Inelegibilidade após perda de mandato

Um destaque do deputado Danilo Cabral (PSB-PE) incluiu no texto um dispositivo já existente na legislação atual a fim de tornar inelegíveis os mandatários que renunciam após abertura de processo de perda de mandato. Essa inelegibilidade vale para as eleições realizadas desde a renúncia e até oito anos após o término da legislatura.

Outras situações de inelegibilidade serão extintas, como a que impedia a candidatura de dirigentes não exonerados de responsabilidades pela liquidação judicial ou extrajudicial de instituições financeiras.

Quanto aos que podem ser inelegíveis por terem sido excluídos do exercício da profissão por infração ético-profissional ou demitidos do serviço público por processo administrativo ou judicial, a restrição será aplicada apenas se o motivo comprometer a moralidade para o exercício de mandatos eletivos.

Para os que tiverem suas contas rejeitadas por ato doloso de improbidade administrativa em decisão irrecorrível, o texto prevê que a Justiça Eleitoral, para reconhecer a inelegibilidade, não poderá se basear em fatos que tenham sido objeto de procedimento preparatório ou inquérito civil arquivados ou de ação de improbidade extinta sem resolução de mérito, rejeitada com liminar, julgada improcedente ou julgada procedente somente em função de ato culposo.

O texto revoga a LC 64/90 sobre o assunto, mas não incorpora regras específicas de inelegibilidade para cargos majoritários vinculadas a quarentenas no exercício de cargos ou funções públicas e privadas (em alguns casos). Valerá a desvinculação do cargo até 2 de abril do ano das eleições.

No caso de condenações transitadas em julgado ou em segunda instância, o texto-base mantém a lista atual de crimes que implicam inelegibilidade, acrescentando aqueles contra a ordem tributária, contra a economia e as relações de consumo e contra o Estado Democrático de Direito.

No entanto, o período no qual a pessoa não poderá se candidatar passa a contar da condenação pelo crime e não mais a partir do fim do cumprimento da pena.

Contagem inversa valerá para o político condenado a perda de mandato, para o qual os oito anos de inelegibilidade contarão a partir da decisão e não mais a partir do término do mandato, como é hoje.

Confira as principais mudanças previstas no projeto do Código de Processo Eleitoral:

Código Eleitoral estabelece fiscalização privada dos partidos

Atualmente, a Justiça Eleitoral é responsável por fiscalizar diretamente as contas dos partidos políticos – e pode puni-los com sanções que variam de multa, perda de direitos partidários e eventualmente até com a proibição do funcionamento da legenda dependendo da gravidade da infração. Contudo, o projeto do novo Código de Processo Eleitoral prevê que as legendas contratem empresas privadas de auditoria, que ao final irão encaminhar um relatório sobre a prestação de contas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Especialistas afirmam que esse dispositivo do projeto abre brechas para que irregularidades nas contas dos partidos sejam ocultadas, pois a empresa que fará a auditoria será contratada pela sigla.

O Código Eleitoral também prevê a redução de cinco para dois anos no prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. Ou seja, além de não ser mais a responsável pela primeira análise dos balanços das legendas, o poder público terá menos tempo para fazer a análise posterior – o que leva especialistas a prever que haverá aumento da impunidade por dificuldade de a Justiça Eleitoral cumprir o prazo mais apertado.

Outro dispositivo previsto no novo Código é a redução do valor da multa aplicada aos partidos em caso de reprovação das contas apresentadas. Hoje a punição é de 20% do valor apontado como irregular – dependendo do montante envolvido, a cobrança pode chegar a cifras na casa de milhões de reais. Já o novo projeto estabelece um teto de R$ 30 mil para multas decorrentes da desaprovação de contas.

Especialistas afirmam que esse dispositivo pode aumentar a impunidade de partidos e dirigentes que cometam ilegalidades em suas contas.

Projeto permite que Congresso casse decisões do TSE

Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o responsável por regulamentar a legislação referente às eleições e a atuação de candidatos e partidos. Pelo projeto, o Congresso poderá cassar decisões do TSE, caso haja o entendimento de que regras estão em desacordo com o Código.

Para o movimento Freio na Reforma, formado por uma série de entidades da sociedade civil, a Justiça Eleitoral é fundamental para combater fraudes nas eleições e oferecer procedimentos isentos e transparentes para a escolha dos candidatos. “Deixar que essa competência fique a cargo do Congresso Nacional subverte a lógica da Constituição e representa indevido controle do Poder Legislativo sobre a Justiça Eleitoral”, diz o manifesto do grupo.

O projeto estabelece ainda que uma eventual regulamentação das eleições, feita pelo TSE, só poderá entrar vigor após um ano. Partidos costumavam reclamar que atualmente as regulamentações eleitorais do TSE são feitas a qualquer momento, ao contrário das leis, que têm de ser aprovadas um ano antes das eleições para entrarem em vigor. Para os partidos, isso impede o planejamento de suas ações.

Código Eleitoral abre brecha para impunidade por caixa 2

De acordo com especialistas, o afrouxamento da fiscalização de partidos e candidatos e o enfraquecimento dos poderes do TSE, contidos no Código Eleitoral, abrem brechas para que casos de caixa 2 eleitoral fiquem impunes – embora o texto “aparente” trazer um avanço para coibir o uso de dinheiro não contabilizado nas eleições.

O projeto de lei tipifica pela primeira vez o crime de caixa 2. Atualmente, a Justiça usa leis referentes a outros crimes para punir os infratores, fazendo uma analogia entre esses ilícitos. Para especialistas, isso abre brechas para questionamentos das decisões judiciais. Portanto, a tipificação do crime de caixa 2 seria interessante para garantir a segurança jurídica.

O problema é que outros dispositivos da lei enfraquecem a fiscalização e a atuação da Justiça Eleitoral. E isso pode levar à impunidade de vários ilícitos cometidos nas eleições, incluindo o caixa 2.

Além disso, há outros dois problemas nos dispositivos referentes ao caixa 2 previstos no projeto do Código Eleitoral.

O primeiro é que texto prevê que o candidato que praticou caixa 2 pode firmar um acordo de não persecução penal. Ou seja, ele pode negociar com o Ministério Público que não seja processado pelo crime, em troca de alguma reparação. O projeto também prevê que a Justiça poderá deixar de aplicar a pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas for de pequeno valor. Especialistas em transparência pública criticam esses dispositivos.

O segundo problema é que, dependendo da circunstância, a pena prevista no novo Código Eleitoral pode ser menor do que a que hoje é aplicada a quem cometeu o crime de caixa 2.

O projeto prevê que a pena vai de dois a cinco anos de prisão e multa. É a mesma punição prevista para falsidade ideológica, crime que os juízes geralmente usam atualmente para a não contabilização de despesas eleitorais. A falsidade ideológica é caracterizada porque o candidato deixa de prestar contas adequadamente, fraudando a documentação apresentada à Justiça Eleitoral.

Mas, durante a Lava Jato, o caixa 2 também passou a ser enquadrado, em algumas situações, como corrupção passiva (no caso do candidato que recebeu o valor em troca de alguma ação futura) e corrupção ativa (a empresa ou pessoa que financiou o candidato ilegalmente para obter benefícios públicos). A pena da corrupção ativa e passiva varia de dois a 12 anos de prisão, além de multa – maior do que a prevista pelo projeto.

Participação em debates e propaganda virtual

O Código de Processo Eleitoral estabelece que as emissoras de rádio e TV deverão garantir a participação em debates de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional de, no mínimo, cinco parlamentares parlamentares. Inicialmente a relatora previa que esse número mínimo fosse de 10 parlamentares, mas um acordo com a oposição acabou reduzindo pela metade a exigência.

O projeto também permite o uso de montagens, computação gráfica e outros recursos de vídeo na propaganda eleitoral que hoje são proibidos. O texto também determina que perfis de candidatos em redes sociais só poderão ser suspensos, excluídos ou submetidos a outras medidas desse tipo se houver decisão judicial.

Ainda de acordo com o texto, as placas, adesivos e outros itens de campanha física não terão mais restrições de tamanho.

Transporte de eleitores e boca de urna deixam de resultar em prisão

A atual legislação eleitoral considera que o transporte de eleitores no dia das eleições, de suas residências até os locais de votação, é crime que pode resultar em prisão de até seis anos, além de multa.

No entanto, o novo Código de Processo Eleitoral propõe a descriminalização do transporte de eleitores. Essa prática deixa de ser crime e passa a ser apenas uma infração, passível de punição só na esfera cível apenas com a aplicação de multa (o projeto estabelece o valor de R$ 5 mil a R$ 100 mil).

Ainda que o transporte continue a ser ilegal, o dispositivo previsto no projeto é criticado porque pode estimular o abuso do poder econômico nas eleições. Candidatos com muitos recursos financeiros poderiam fazer um cálculo de custo-benefício de transportar eleitores, aceitando pagar uma multa para assegurar mais votos.

Em outro ponto o projeto estabelece que deixam de ser crime práticas hoje proibidas no dia de eleição. É o caso da propaganda eleitoral de boca de urna, os comícios, as carreatas e o uso de alto-falantes para fazer campanha política. Hoje esses atos podem ser considerados crimes eleitorais e podem resultar em reclusão de até seis anos e multa. Com a mudança, os atos passarão a ser infrações da área civil – tal qual o transporte de eleitores.

Dinheiro do fundo partidário pode ser usado na compra de jatinho e imóveis

Um dos pontos críticos da proposta diz respeito à aplicação do fundo partidário, criado para custear as atividades dos partidos. Pela proposta, as legendas poderiam usar os repasses públicos “em outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva”.

De acordo com especialistas, a medida abre brecha para que os dirigentes partidários utilizem a verba para seu próprio proveito, como a compra de bens móveis e jatinhos.

Código Eleitoral proíbe pesquisas na véspera e no dia da eleição

O projeto do Código Eleitoral prevê a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia das eleições. De acordo com a proposta, a medida visa evitar que o eleitor seja induzido por cenários que, por vezes, conflitam com os resultados das urnas.

O texto determina ainda que os institutos divulguem juntamente com as pesquisas, o seu “percentual de acerto” nas últimas eleições.

Especialistas criticam a medida por considerarem que é uma censura e um cerceamento do direito do eleitor de se informar sobre a eleição num momento em que os cenários eleitorais mudam muito rapidamente. Além disso, existe o risco de que, ao proibir pesquisas oficiais, candidatos vão espalhar nos últimos dias de campanha pesquisas falsas, como se fossem verdadeiras, para influenciar os eleitores a seu favor.

Uma emenda apresentada pela Cidadania tentou suprimir esse ponto do projeto. No entanto, o requerimento foi rejeitado por 355 votos contra 92.

Punição a quem atacar eleições com objetivo de ”promover desordem”

O texto do novo Código Eleitoral criminaliza condutas como a sistemática disseminação de informações falsas com o objetivo de questionar a integridade do processo eleitoral. De acordo com o artigo 869 do projeto, há a previsão de pena de um a quatro anos de reclusão no caso de divulgação ou compartilhamento de “fake news”.

O trecho tipifica como crime a propagação de “fatos que sabe inverídicos ou gravemente descontextualizados, com aptidão para exercer influência perante o eleitorado”. Se a mesma conduta for praticada com a finalidade de “atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos” para “promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”, a pena é acrescida de metade a dois terços, a depender do caso.

Esse ponto foi incluído na discussão depois que o presidente Bolsonaro fez diversas acusações contra o atual sistema de votação, sem apresentar provas do que dizia, sobretudo a respeito da segurança das urnas eletrônicas. A maioria das declarações foi dada enquanto a Câmara debatia o projeto que previa a implementação do voto impresso no país, mas que acabou sendo rejeitada pelos deputados.

Candidaturas coletivas

O texto aprovado pelos deputados autoriza a prática de candidaturas coletivas para os cargos de deputado e vereador (eleitos pelo sistema proporcional). Esse tipo de candidatura caracteriza-se pela tomada de decisão coletiva quanto ao posicionamento do eleito nas votações e encaminhamentos legislativos.

O partido deverá autorizar e regulamentar essa candidatura em seu estatuto, mas a candidatura coletiva será representada formalmente por apenas uma pessoa. O texto permite, no entanto, que o nome do coletivo seja registrado na Justiça Eleitoral juntamente com o nome do candidato, assim como nas propagandas se não criar dúvidas quanto à identidade do candidato registrado.

O partido definirá regras para o uso desse tipo de candidatura, especificando como ocorrerá seu financiamento e a participação da coletividade na tomada de decisão sobre os rumos e estratégias políticas da candidatura.

Na hipótese de vacância do mandato do representante da candidatura coletiva, em caráter provisório ou definitivo, tomará posse o suplente do respectivo partido político.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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