A comissão especial criada na Câmara dos Deputados para analisar a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa vota nesta semana o substitutivo ao texto do governo. A discussão está marcada para começar nesta terça-feira (14) e a intenção é finalizar a votação até quinta-feira (16).
A versão que será votada foi proposta pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator no colegiado, e tem como principal mudança em relação à PEC original a manutenção da estabilidade a todas as carreiras do serviço público.
Embora a medida atenda à demanda do funcionalismo, parlamentares críticos à reforma e que defendem os interesses dos servidores criticam outros pontos do relatório, como a criação do vínculo de contrato temporário e a terceirização de funções do Estado. Esses devem ser os pontos de maior debate nos próximos dias.
Após a análise na comissão especial, o texto segue para votação em dois turnos no plenário da Câmara, onde precisa de três quintos dos votos, antes de passar por análise no Senado.
Confira a seguir as principais mudanças propostas no substitutivo:
Estabilidade sem distinção de carreira, porém com mudanças
No relatório de Maia, ficou preservada a estabilidade a todos os servidores públicos concursados, uma das principais reivindicações de deputados contrários à PEC original no colegiado. “O mecanismo inibe e atrapalha o mau uso dos recursos públicos, na medida em que evita manipulações e serve de obstáculo ao mau comportamento de gestores ainda impregnados da tradição patrimonialista”, argumenta o deputado.
Na proposta do Executivo, somente os ocupantes de cargos das chamadas carreiras típicas de Estado teriam o direito assegurado a partir da entrada em vigor das novas regras — o texto enviado pelo governo não dizia quais carreiras seriam essas, deixando a definição para lei complementar posterior.
A versão do relator, no entanto, restringe o alcance da estabilidade, uma vez que cria o contrato temporário no funcionalismo, além de estabelecer as diretrizes para a avaliação de desempenho do servidor, que pode levar à demissão em caso de insuficiência. Embora previsto na Constituição de 1988, o mecanismo até hoje não é utilizado.
Também foi incluído no substitutivo a possibilidade de desligamento de servidores estáveis que ocupam cargos que se tornem desnecessários ou obsoletos. Neste caso, o ocupante será indenizado. A hipótese será aplicada apenas para quem for admitido após a publicação da emenda constitucional.
Contratação por tempo determinado
O substitutivo prevê, além do vínculo efetivo do servidor de carreira e dos cargos em comissão, a criação do contrato de trabalho com tempo determinado. A modalidade já estava prevista no texto original do governo, que também propunha o vínculo de experiência e o contrato de prazo indeterminado, ambos retirados por Maia em seu relatório.
Conforme a proposta, a contratação por tempo determinado será feita mediante processo de seleção simplificada, como já ocorre hoje em estados e municípios, porém sem regras claras. O contratado terá vínculo por prazo pré-estabelecido, de no máximo 10 anos, sem possibilidade de recontratação. A modalidade não poderá ser utilizada para ocupação dos chamados cargos exclusivos do Estado.
A novidade é um dos pontos que deve gerar divergência na votação. Deputados que defendem os interesses do funcionalismo consideram que a mudança abrirá caminho para a contratação de apadrinhados políticos, especialmente no âmbito dos municípios, precarizando o serviço público.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), presidida pelo deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), quer que sejam incluídos na PEC critérios para restringir as contratações temporárias, de modo a evitar que o concurso público se torne exceção.
Cargos exclusivos do Estado
Em substituição às carreiras típicas, Maia incluiu em seu substitutivo o conceito de cargos exclusivos de Estado, aqueles que não poderão ser ocupados em contratos por tempo determinado.
Entram na classificação aqueles “voltados a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.”
Diretrizes para avaliação de desempenho de servidores
A versão a ser votada na comissão especial traz ainda diretrizes para a avaliação de desempenho dos servidores, algo que não havia sido contemplado na PEC do Executivo, que deixava a regulamentação do tema também para lei complementar posterior. Segundo Maia, os dispositivos foram incluídos para “evitar qualquer tipo de perseguição política”.
Um desempenho considerado insatisfatório pode levar à demissão do servidor, o que hoje só pode ocorrer por decisão judicial transitada em julgado ou por processo administrativo disciplinar.
Um dos pressupostos que é que o processo seja feito por meio da plataforma gov.br, que já dispõe do cadastro de 110 milhões de brasileiros. “Ao lado do gov.br, há outro instrumento, paralelo, que é o sougov.br, onde estão todos os 600 mil funcionários públicos da União. A avaliação será feita no âmbito dessas duas plataformas, que poderão ser disponibilizadas para estados e municípios”, explicou o relator. A ideia é que o processo seja feito com a participação do usuário do serviço público, que ao acessar o sistema poderá dar sua opinião.
Além disso, Maia propôs que o servidor passe por seis avaliações semestrais para então conquistar a estabilidade. Pelas regras atuais, um funcionário concursado encara um período de três anos de estágio probatório, ao fim do qual passa por uma única avaliação.VEJA TAMBÉM:
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Fim de vantagens para novos servidores, porém sem atingir MP e Judiciário
Entre as novas regras está prevista ainda a extinção de uma série de vantagens para cargos e carreiras, porém apenas para novos servidores.
A mudança abrange “detentores de mandatos eletivos, membros dos Tribunais e Conselhos de Contas, ocupantes de cargos e titulares de empregos ou de funções públicas da administração direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como dirigentes dos órgãos e das entidades integrantes da respectiva estrutura.” Ou seja, não foram incluídos membros do Judiciário e do Ministério Público, conforme pediam deputados em emendas apresentadas à comissão.
Segundo o substitutivo, fica vedada a concessão dos seguintes benefícios:
- Férias superiores a 30 dias pelo período aquisitivo de um ano;
- Adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada;
- Aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
- Licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação;
- Aposentadoria compulsória como modalidade de punição;
- Adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão e função de confiança;
- Parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei, exceto para os empregados de empresas estatais e para os servidores a serviço do governo brasileiro no exterior; e
- Progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.
Uso de recursos eletrônicos no aparato estatal
O texto de Maia também inclui na Constituição o uso de recursos eletrônicos no funcionamento do aparato estatal. “Trata-se de caminho sem volta, que precisa ser incentivado e disciplinado”, justifica o deputado. De acordo com o texto, será obrigatória a utilização de plataforma eletrônica de serviços públicos que permita:
- A automação de procedimentos executados pelos órgãos e entidades integrantes de sua estrutura;
- O acesso dos cidadãos aos serviços que lhes sejam prestados e à avaliação da respectiva qualidade; e
- O reforço e o estímulo à transparência das informações sobre a gestão de recursos públicos.
Regras de gestão de desempenho para o serviço público
Outra novidade introduzida pelo relator é um modelo de gestão de desempenho para o serviço público, que, segundo ele, contou com a consultoria da academia. “Essa gestão prevê o estabelecimento de metas a serem alcançadas, de estratégias a serem desenvolvidas para alcançar essas metas, e de críticas internas que justifiquem o não alcance dessas metas, se for o caso”, explicou.
“Os próprios tribunais de conta poderão cobrar métricas do desempenho dos governos municipais, estaduais e federal. Isso é inovador, algo muito importante e procederá certamente um debate.”
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