Estimativas apontam que, apenas em 2018, o Brasil deixou de arrecadar, em impostos, R$ 60,8 bilhões com o comércio ilegal
Segundo cálculos do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), apenas em 2018 o Brasil registrou perdas de R$ 193 bilhões em negócios para o mercado ilegal. O valor representa a soma dos prejuízos registrados por 13 setores industriais mais os impostos que deveriam ter sido arrecadados pelo governo com o montante. O cálculo das perdas estimadas apenas com os impostos não recolhidos leva a um rombo de R$ 60,8 bilhões aos cofres públicos. E há especialistas que acreditam que essa conta ainda possa estar subestimada.
Para o economista José Guilherme Vieira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é possível que esses valores sejam subestimados e o impacto para as contas públicas seja ainda maior. “Há uma economia da ilicitude, que é um mercado totalmente ilegal, que trabalha com dinheiro e que não deixa rastros. E é meio difícil conseguir estimar esse dinheiro. Então eu, particularmente, acredito que deva ser mais”, explica.
Dinheiro perdido
O número de ações que o Estado poderia realizar, considerando o total sonegado de R$ 60,8 bilhões, é espantoso. O pesquisador calcula que, só em termos de infraestrutura de transportes, seria possível implantar até mil quilômetros de ferrovias ou 30 mil quilômetros de rodovias – dependendo da complexidade dos projetos. Em 2017, a Confederação Nacional de Transportes (CNT) apontava que apenas 12,4% dos 1,7 milhão de quilômetros de estradas implantadas no país inteiro eram pavimentados.
No mesmo ano de 2017, apenas 32,7% das crianças com até 3 anos de idade frequentavam a escola, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Esses R$ 60,8 bilhões, no entanto, poderiam ser usados para construir até 30 mil creches, afirma Vieira.
E não para por aí. O mesmo montante também poderia ser convertido em 20 mil unidades básicas de saúde e equivale a quase cinco vezes o orçamento total de segurança pública definido pelo governo federal para 2018. O valor pagaria, ainda, todo orçamento do estado do Paraná para 2019 – e ainda sobrariam R$ 3,5 bilhões.
Os valores consideram apenas a sonegação, que poderia resultar em investimentos diretos do estado em infraestrutura e políticas públicas. O prejuízo aos setores da indústria analisados pelo FNCP, corresponde a mais do que o dobro: R$ 132,3 bilhões. Nesse caso, o prejuízo poderia resultar em investimentos privados, gerando empregos e consequentemente mais arrecadação aos cofres públicos.
Os setores avaliados pelo FNCP são os de vestuário, cigarros, óculos, TV por assinatura, combustíveis, audiovisual (filmes), defensivos agrícolas, perfumes importados, material esportivo, brinquedos, medicamentos, software e higiene pessoal, perfumaria e cosméticos.
“É muito dinheiro e nós temos que ter consciência disso para combater esse comércio ilícito no nosso país”, aponta o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Edson Vismona. “Nós precisamos ter um senso de responsabilidade para evitar que o contrabando se amplie cada vez mais, prejudicando todos os consumidores – porque são produtos que têm baixa durabilidade -, a indústria nacional – que investe e gera empregos – e o Estado – que deixa de arrecadar impostos”. Desequilíbrio
Além do valor que o Estado deixa de receber, o comércio ilegal interfere diretamente nas tarifas que são embutidas em outros setores da economia. Isso pesa especialmente no orçamento da parcela mais pobre da população. “O governo tenta recuperar as receitas perdidas na informalidade sobrecarregando a atividade formal. Isso vai fazer com que aquelas que são legalizadas paguem [pelo prejuízo que a ilegalidade traz]. Se tivéssemos uma base de tributação maior – com mais pessoas pagando impostos – poderíamos abrir espaço para reduzir a carga tributária sobre o mercado formal”, explica o professor da UFPR.
Ele chama atenção, ainda, para os recursos que são destinados para a fiscalização e repressão dos crimes de contrabando e descaminho, que acabam sendo gastos derivados e também impactam a máquina pública. “É preciso uma infraestrutura para guardar as apreensões, há um custo de logística para lidar com essas mercadorias e isso ainda acaba sobrecarregando tribunais com mais processos judiciais”, enumera.
Vieira acredita que isso aponta para a necessidade e urgência da reforma tributária. “A carga tributária brasileira é mal distribuída; os pobres têm uma parte muito grande da sua renda tributada. Tendo uma diminuição dos impostos, você faz com que a renda das pessoas melhore, com que empresas que não conseguem se formalizar passem a ser formalizadas. O Simples [Nacional] provou isso”, afirma, referindo-se ao regime tributário diferenciado e simplificado criado em 2006 para facilitar a formalização de pequenos empresários.
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