A equipe econômica do governo federal quebra a cabeça para conseguir fechar os cálculos e entregar ao Congresso Nacional o “Orçamento mais desafiador em 25 anos”, conforme disse o secretário de Orçamento Federal, Ariosto Culau. O prazo para encaminhamento do projeto de lei orçamentária anual (PLOA) de 2022 termina nesta terça-feira (31). Mas há muitas dificuldades para conciliar os interesses do governo federal em ano eleitoral e o equilíbrio das contas públicas.
Por isso, o Executivo quer fazer um aceno aos agentes econômicos e demonstrar compromisso com a responsabilidade fiscal em um contexto de “cobertor curto”. As chances de que o teto de gastos — principal âncora fiscal do país — seja desrespeitado geram desconfiança no mercado. O que tem tornado o cenário complexo, em especial, é o “meteoro”, como tem dito o ministro Paulo Guedes, de R$ 90 bilhões de precatórios que a União precisa pagar no ano que vem e que foram somados ao Orçamento. Trata-se do maior valor da história.
O governo apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) que autoriza o parcelamento dessas dívidas judiciais, aliviando o Orçamento de 2022, mas a aprovação dessa PEC parece cada vez mais distante diante da repercussão negativa no Judiciário e no Congresso. A PEC permitiria ao governo destinar uma fatia maior de recursos para programas sociais em um ano eleitoral, quando historicamente aumentam os aportes na tentativa de que isso renda dividendos na forma de votos.
Nesse sentido, a grande aposta da gestão Bolsonaro é a tentativa de emplacar o substituto do Bolsa Família, batizado de Auxílio Brasil, reajustando o tíquete médio pago hoje pelo programa, aumentando o leque de benefícios e o escopo de beneficiários. O presidente Jair Bolsonaro sinalizou várias vezes a intenção do governo de aumentar em 50% o valor médio do benefício, hoje em R$ 192.
O governo também tentou fazer andar um projeto de lei que abre exceção à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, permitindo comprometer recursos ainda em discussão para direcioná-los a um programa social. Isso é, antes mesmo que as verbas fossem obtidas. A ideia era que os recursos oriundos com a reforma do IR — que, se aprovada, deve taxar em 20% a distribuição de dividendos, hoje isenta — banquem o Auxílio Brasil. A medida não prosperou.
O ministro Paulo Guedes ressaltou, nas últimas semanas, que “não há o menor fundamento, do ponto de vista estritamente econômico, para dizer que o Brasil está perdendo o controle”.
Pouco tempo atrás, a União comemorava um aparente espaço no teto de gastos de cerca de R$ 20 bilhões no ano que vem. Essa margem decorreria de uma espécie de “bônus inflacionário”, já que o fator de correção do teto de 2022 é a inflação acumulada em 12 meses até o último mês de junho, que foi bastante elevada — de 8,35% pela medição do IPCA.
Mas o governo comemorou cedo demais: além de a margem sob o teto estar sujeita a variações nos próximos meses, pois depende de como a inflação vai se comportar até dezembro (e, consequentemente, como ela influenciará o valor do salário mínimo e de uma série de despesas obrigatórias), a Economia não contava com o salto das dívidas decorrentes de sentenças judiciais, que caíram como uma “bomba” fiscal no colo da União.
Sem reajuste no Auxílio Brasil e incerteza sobre precatórios: como pode vir o Orçamento
Até recentemente, o secretário especial do Tesouro, Bruno Funchal afirmou, em entrevista a O Globo, que o governo iria incluir o pagamento integral dos precatórios no Orçamento, e que também não iria reajustar o tíquete pago pelo Auxílio Brasil.
“Toda a equipe do Ministério da Economia está alinhada em torno do compromisso irrestrito com a responsabilidade fiscal e com o respeito ao arcabouço de regras do país que permitem manter as contas públicas organizadas”, afirmou.
Nesta segunda, a informação era de que o governo já teria desistido da PEC dos precatórios. Após conversas, Arthur Lira (PP-AL), Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e a equipe econômica começaram a aventar uma solução diferente, encabeçada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tida como “mais efetiva, mais rápida, e inclusive mais adequada juridicamente”. A proposta ainda não veio a público, mas sabe-se, até agora, que poderia haver uma trava para o pagamento de até R$ 40 bilhões de precatórios no próximo ano. Isso aliviaria cerca de R$ 50 bilhões do Orçamento.
De fato, na visão de muitos analistas, a PEC seria um problema. A medida, além de não ser uma “bala de prata” para resolver os problemas fiscais, poderia gerar gargalos econômicos quase “insuperáveis” e sérios problemas agregados. Assim que o plano veio a público, foi recebido com expressões como “contabilidade criativa” e “pedalada fiscal” — prática de adiar pagamentos que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT).
“A solução que está sendo discutida agora é interessante, e pode acabar criando uma folga no teto de gastos. É importante que essa folga que haja seja utilizada adequadamente. Foi criado um barulho e houve um aumento de risco”, aponta Josué Pellegrini, doutor em Economia pela USP.
É preciso enviar sinais positivos ao mercado, reforça o especialista. “A proposta deixa uma despesa grande para 2023, se os precatórios continuarem elevados, vão se somar a esse montante. O governo não pode ficar acumulando pendências, como em uma bola de neve. Qualquer eventual folga que exista, e que não seja utilizada para turbinar o novo Bolsa Família, deve ser direcionada para reduzir o déficit público, que, mesmo após o fim dos gastos com a pandemia, continuará elevado. É importante acalmar o mercado, reduzir o risco de refinanciamento da dívida publica”, diz ele.
O governo também deve apresentar um Orçamento com cortes significativos nas despesas discricionárias (não obrigatórias).VEJA TAMBÉM:
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Possíveis desdobramentos e outros pontos preocupantes
Para além dos precatórios e do aumento no Auxílio Brasil, existem outros pontos que preocupam e para os quais ainda não há resposta. Não se sabe de que maneira a reforma do Imposto de Renda, o comportamento da inflação, a renda mínima e as chamadas “emendas de relator-geral” vão impactar o Orçamento. Há, ainda, grande expectativa de que o governo reserve recursos para a aplicação da terceira dose da vacina contra a Covid-19.
Mas é possível mudar o Orçamento mesmo depois de aprovado. E, na visão de alguns interlocutores, o governo deve fazer isso. “É inevitável que isso [mudança] ocorra. Aliás, isso ocorre todos os anos. Não tem como acertar exatamente uma dotação no Orçamento”, explica Pellegrini. Isso é permitido pelos chamados “créditos adicionais”, projetos de lei enviados pelo Executivo ao Legislativo para adicionar uma dotação de algo já previsto no Orçamento.
Existem, ainda, os chamados créditos especiais, voltados a dotações que não constavam inicialmente no Orçamento, que também funcionam via projeto de lei. E, por fim, os créditos extraordinários, feitos via medida provisória. “Grande parte das despesas com a pandemia foi feita por meio de créditos extraordinários no ano passado e neste ano”, lembra Pellegrini.
O especialista explica, ainda, que outras coisas também podem ser alteradas na execução do Orçamento, como a meta fiscal. E a mudança mais imprevisível é no teto, que demandaria algum dispositivo constitucional.
Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), discutida antes e que norteia a PLOA, 57 programas e 223 ações serão prioridades para 2022, dentre os quais:
- A agenda para a primeira infância;
- As despesas do Programa Casa Verde e Amarela voltadas a municípios de até 50 mil habitantes;
- O Programa Nacional de Imunização (PNI);
- A ampliação da infraestrutura da rede atendimento oncológico.
Ainda de acordo com a LDO, verbas destinadas às seguintes áreas não estarão sujeitas a contingenciamento:
- Recursos destinados à oferta e ampliação ao ensino em tempo integral
- Despesas com a realização do Censo Demográfico, Agropecuário e Geográfico, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
- Despesas com universalização do acesso à internet com apoio a iniciativas e projetos de inclusão digital e;
- Despesas com as ações de “Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologias para a Agropecuária” e de “Transferência de Tecnologias para a Inovação para a Agropecuária”, no âmbito da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
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