Por que as reformas econômicas de Cuba não deram certo

Desde a troca de comando entre os irmãos Fidel e Raúl Castro, Cuba vem prometendo reformas para melhorar o ambiente de investimentos e a atividade econômica na ilha. Contudo, na última década, o que se viu foi falta de vontade política, resistência em abrir mais espaço para a iniciativa privada (apesar de alguns avanços nesse sentido) e a tendência de manter a produção do país sob o controle do Estado.

Algumas reformas foram feitas nesse período, conforme explicou à Gazeta do Povo a politóloga e presidente da organização Cultura Democrática, Micaela Hierro. Contudo, ela ressalta que elas foram superficiais, sem que o regime tenha adotado medidas significativas que mudem o sistema econômico centralizado no Estado. Entre as principais mudanças em Cuba desde o regime de Raúl Castro estão:

  • 2008: cubanos passaram a ter acesso à internet móvel e puderam ter computadores em casa. Isso fez com que os cidadãos passassem a ter acesso à informação além do monopólio da imprensa estatal.
  • 2010: regime legalizou o empreendedorismo na ilha, permitindo o “cuentapropismo”, em uma tentativa de reduzir o número de empregados públicos e, assim, economizar pagando menos salários. Quando Raúl deixou a presidência, em 2018, foram registrados no país mais de 500 mil “cuentapropistas”. Segundo a imprensa cubana, atualmente há 600 mil cuentapropistas no país – neste ano, o regime permitiu que esses empresários atuem em mais de duas mil atividades, expandindo assim a lista que antes só incluía 127.
  • 2011: legalização da compra e venda de propriedades – até então, as transações imobiliárias eram realizadas por meio de escambo. Também foi permitido comprar carros, mas a maioria da população não tinha renda suficiente para adquiri-los, e tomar empréstimos bancários, principalmente para financiamento de atividades agrícolas – poucas pessoas, ligadas ao poder militar e ao Partido Comunista de Cuba, tiveram acesso a esse sistema.
  • 2013: com a reforma migratória do ano anterior, os cubanos puderam viajar para o exterior sem precisar de uma permissão especial concedida pelo governo. Contudo, algumas arbitrariedades continuaram. Por exemplo, médicos e advogados precisam de uma liberação do seu trabalho para poder viajar. Ativistas e opositores ficam à mercê da vontade política – a partir de 2018, começou a aumentar o que conhecem como “regulados”, as pessoas que têm restringido seu direito migratório sem razão alguma. Antes da pandemia, foram registrados 200 casos de ativistas da oposição “regulados”. Além disso, cubanos que passam mais de 2 anos no exterior, correm o risco de perder sua residência. Passado esse tempo, terá que passar por um processo para que recupere o direito de residência em seu próprio país.

Também durante o governo de Raúl Castro, houve algumas medidas econômicas que não tiveram o resultado esperado, como por exemplo, a liberação para o investimento estrangeiro e o afrouxamento das normas para incentivar a produção agrícola privada.

De acordo com Micaela Hierro, essas medidas foram “totalmente inefetivas” porque seguem sendo cativas das condições impostas pelo Estado, que dita as regras de mercado e domina a economia.

“As reformas da [era] Raúl não surtiram efeito porque a economia e os investimentos ainda não foram liberalizados, já que tudo está sob controle do Estado, e a acumulação de riquezas ainda é proibida. O empreendedorismo de sobrevivência é permitido, mas a livre iniciativa não”.

Mudança na moeda

Pressionado pela crise econômica e o fechamentos de fronteiras durante a pandemia, a ditadura cubana adotou uma ampla reforma monetária.

Em 1º de janeiro de 2020, entrou em vigor uma moeda única, o peso cubano, com a cotação oficial de US$ 1 equivalente a 24 pesos. A moeda conversível que era equivalente ao dólar norte-americano, usada por turistas, deixou de existir. A desvalorização da moeda veio acompanhada de aumento de salários e aposentadorias, aumento de preços de itens básicos de consumo e eliminação de subsídios estatais.

Mas o regime parece ter esperado demais para fazer a reforma monetária, há muito tempo reivindicada por economistas. Resolveu implementá-la em um momento econômico complexo, em que há menos dólares circulando pelo país.

“O momento da Covid-19, a baixa frequência de voos e o baixo número de turistas que entram no país não têm permitido que mais dólares entrem no país. Além das restrições impostas por Donald Trump ao envio de remessas a Cuba, o fechamento da Western Union (agência de remessas), hoje a crise econômica também está atrelada à inflação por razões monetaristas”, salienta Hierro.

Em parte, os protestos de 11 de julho contra a ditadura cubana foram motivados pelo descontentamento com esta deterioração do poder de compra dos cidadãos cubanos – embora o principal mote das manifestações tenha sido o apelo por liberdade de expressão, em reação a uma crescente onda de perseguição a dissidentes promovida pelo regime desde o começo do ano.

Outra mudança econômica implementada pelo ditador Miguel Díaz-Canel veio dias após as manifestações: a legalização das micro, pequenas e médias empresas, sejam elas estatais, privadas ou mistas. Essas empresas, porém, não poderão atuar em áreas consideradas estratégicas pelo regime, como saúde, telecomunicações, energia, defesa e imprensa.

Há ainda mais travas para as PMEs privadas: elas não poderão se estabelecer em algumas atividades permitidas para os autônomos, como programação de computadores, contabilidade, tradutores e intérpretes; e a importação e exportação continuará a cargo do Estado.

O economista cubano Pedro Monreal considera que as regras “não parecem favorecer o papel dos investidores, há incertezas quanto à possível associação de PME privadas com capital estrangeiro, e oferecem um tratamento assimétrico a atores privados e estatais”.

Outro economista cubano, Elías Amor, acredita que o marco “é intervencionista, regulador, controlador e, sobretudo, bem equipado com instrumentos para punir quem se afasta do estabelecido na norma”. Segundo ele, a regulamentação “não resolveu a questão constitucional de que os meios de produção são do povo e são administrados pelo Estado”.

Esta mudança se soma a outras meias reformas implementadas pela ditadura comunista na última década, muito mais retóricas do que eficazes, na avaliação de Hierro.

“São apenas uma maquiagem por parte do regime para vender sua imagem de abertura econômica, quando politicamente quer continuar mantendo o governo totalitário e o povo cubano isolados do mundo capitalista”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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