As recentes polêmicas envolvendo o ministro da Educação, Milton Ribeiro, recolocaram o chefe da política educacional brasileira na mira do Centrão. A cobrança pelo cargo não é recente, mas aumentou nos últimos dias com declarações de Ribeiro sobre alunos com deficiência e universidades “para poucos”.
Cientes de que apenas declarações “tiradas do contexto” e utilizadas de “forma não apropriada” — como argumentou Ribeiro sobre as polêmicas nas redes sociais — seriam insuficientes para pedir sua exoneração ao presidente Jair Bolsonaro, lideranças do Centrão apontam o homeschooling, o ensino domiciliar, como o principal gancho político pelo qual o titular do Ministério da Educação (MEC) voltou a ter seu cargo cobiçado.
No Congresso, lideranças da base governista criticam Ribeiro e apontam que o ministro não se envolveu ativamente com o debate sobre o leilão da tecnologia 5G para conectar escolas, se eximiu na discussão de um Fundeb permanente e constitucional, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dedicou os últimos esforços da pasta ao homeschooling.
“Ele não se envolveu em praticamente nenhum assunto importante no Congresso em termos regulatórios que não seja o homeschooling. E até nisso tem falhado”, critica um interlocutor do Palácio do Planalto à Gazeta do Povo. As críticas da base a Ribeiro são naturalmente direcionadas aos ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que tentam buscar um acordo sobre a pauta com o MEC, embora não prometam esforços políticos para mantê-lo no cargo até por divergências com o ministro.VEJA TAMBÉM:
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Quais são as divergências internas do governo sobre o homeschooling
Conhecido pelo tradicional pragmatismo político, lideranças do Centrão acusam Milton Ribeiro de ser o principal responsável pela regulamentação do homeschooling não avançar na Câmara. “A oposição não tem votos para derrubar. Quem tem travado é o MEC, que tem dado ouvidos a um grupo de radicais”, acusa um interlocutor do governo que atua nas discussões sobre o ensino domiciliar.
Representantes da Casa Civil, da Secretaria de Governo, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) – chefiado pela ministra Damares Alves – e da liderança do governo na Câmara tiveram reuniões ao longo dos últimos dois meses e concordaram com a necessidade de normas na regulamentação da educação domiciliar que garantam a proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, principalmente do abandono intelectual.
O texto principal que discute o homeschooling na Câmara, o Projeto de Lei 3179/2012, propõe regulamentações consideradas “razoáveis” pela Casa Civil, Secretaria de Governo e MMFDH, por entender que as normas podem assegurar qualidade de ensino. A exemplo da obrigatoriedade de ensino superior dos pais.
Já o MEC tem abraçado reivindicações mais flexíveis e menos “restritivas”, segundo apurou a reportagem. A pasta tem, inclusive, insistido para que a relatora do PL 3179/2012, a deputada federal Luísa Canziani (sem partido), mude seu parecer de modo que a legislação fique mais próxima de uma permissão ao ensino domiciliar, sem tantas regulamentações.
Dessa forma, o MEC pede, entre alguns pontos: a retirada da exigência de ensino superior dos pais; a dispensa de que a matrícula ocorra somente na escola; a exclusão do Conselho Nacional de Educação como a entidade reguladora da modalidade; e sugere a criação de um cadastro em outros tipos de entidade exclusivas de educação domiciliar.
Os pedidos apresentados pelo MEC são considerados irrazoáveis por Canziani, que, segundo afirmam interlocutores da articulação política do Planalto, deixou expressa sua insatisfação ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O líder comunicou o imbróglio ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e aos ministros palacianos, que concordam com o posicionamento da relatora.
Por que o homeschooling entrou no radar político do Planalto
O desgaste a Milton Ribeiro não é o único motivo pelo qual o homeschooling entrou no radar político do governo. O pragmatismo do Centrão vai além das tentativas de avançar o debate interno no governo a fim de forçá-lo a apresentar suas propostas e defesas e miná-lo politicamente. A maior parcela da base governista vê a pauta sem ideologias e apenas deseja computar uma vitória política.
O ensino domiciliar é a única pauta ligada à educação que o governo apresentou em uma lista de 35 projetos prioritários ao Congresso em fevereiro deste ano. Numa reunião sobre o PL 3179/2012 ocorrida antes do recesso parlamentar com representantes de outros setores do governo, Barros chegou a considerar o texto pronto para ser pautado. Mesmo assim, o MEC decidiu ignorar o acordo e insistir em mudanças, o que comprometeu a previsão original de que a matéria seria votada ainda no primeiro semestre.
Um requerimento de urgência para votar o texto chegou a entrar em pauta na Ordem do Dia no plenário, mas foi barrado a pedido do MEC pela base pró-Bolsonaro que contestou o parecer. Acontece, contudo, que o timing político identificado por lideranças da base vai até dezembro deste ano, alertam articuladores do governo. Afinal, quanto mais se aproxima de 2022, menores serão as chances de aprovar matérias na Câmara e no Senado.
Se o ensino domiciliar não for aprovado pelos próximos quatro meses, poucos atores políticos na Esplanada dos Ministérios acreditam na possibilidade de a pauta ser aprovada em 2022. Após dezembro, a Câmara e o Senado retomam suas atividades em fevereiro. Em março, abre-se a janela partidária para deputados mudarem de partido e, a partir de abril, os políticos “mergulham” de vez no calendário eleitoral.
Quais são as chances de aprovar a regulamentação do ensino domiciliar em 2021
A aprovação do projeto que regulamentaria o ensino domiciliar neste ano não é descartada, mas exigiria menos divergências sobre a matéria dentro da Câmara, avalia o líder do PV na Casa, Enrico Misasi (SP). “Estou um pouco cético, para ser sincero. O que precisaria ocorrer é que a base mais radical entrasse no debate para contribuir e tentar algum consenso, talvez tirando um ponto ou outro que seja ‘sufocante’ ou restrito demais, por assim dizer, mas aceitando algum tipo de regulamentação”, pondera.
Defensor do debate do ensino domiciliar de forma regulamentada, Misasi também cobra um entendimento entre entidades que representam o homeschooling. “Se não tiver maturidade política de entrar em um acordo, penso que não aprovaremos. E se não for bem regulamentado, como está, é melhor não aprovar nada”, sustenta. O pensamento do líder do PV, que não faz parte da base governista, é partilhado pelo Centrão, que deixou claro ao MEC que um texto mais radical não tem chances de ser aprovado no Congresso.
Alguns grupos defensores do homeschooling, de perfil mais moderado, tem adotado uma postura mais pragmática e se manifestado junto ao MEC no sentido de que o essencial é que alguma lei seja aprovada, ainda que rigorosa, e pedido para que o ministério pare de travar a pauta. Chegaram, inclusive, a se manifestar oficialmente em apoio ao parecer da deputada. Esses apelos, contudo, vem sendo ignoradas pelo ministério.
Hoje, sem legislação sobre o homeschooling, cerca de 17 mil famílias adeptas da modalidade estão infringindo tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), pois ambas as leis exigem a matrícula de crianças acima de quatro anos de idade em uma escola. O atual parecer da relatora resolveria esse ponto, uma vez que mantém a exigência de matrícula em escola para os que optarem pela educação domiciliar.
A inserção do texto em votação, contudo, ainda segue em impasse. A deputada Luísa Canziani tem sinalizado ao governo receptividade em alterar seu parecer e pede um posicionamento consensual do Planalto, desde que caminhe no sentido de aprimorar a regulamentação e não defenda uma mera permissão do ensino domiciliar.
O que diz o MEC
Procurado, o MEC se manifestou por meio de nota e informou que “reconhece a importância do debate construtivo e democrático sobre a regularização da educação domiciliar que está em curso no Congresso Nacional e aguarda a decisão do parlamento brasileiro”.
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