O presidente Jair Bolsonaro voltou atrás e decidiu não vetar um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permite o pagamento das chamadas emendas de relator na peça orçamentária. A medida foi anunciada pelo governo na segunda-feira (23) e contraria o exposto pelo próprio governo na sexta (20), quando o posicionamento era de que o veto ocorreria por razões fiscais. A justificativa do Palácio do Planalto para a decisão mais recente é a de que o comunicado da sexta não havia sido “embasado na versão final do texto” da sanção da LDO que foi publicado no Diário Oficial de segunda.
A decisão de Bolsonaro de não vetar as emendas de relator mantém na ativa uma subdivisão do orçamento que tem se fortalecido — e sido alvo de críticas — nos últimos anos. Estas emendas, cujo nome técnico no orçamento é RP-9, têm seu pagamento definido por uma combinação de interesses entre governo e parlamentares, e são vistas como mais um mecanismo para um “toma lá, dá cá” entre Executivo e Congresso.
“As emendas de relator constituem atualmente um ‘jogo de esconde-esconde’ entre Executivo e Legislativo, para não dar transparência à relação, historicamente promíscua, entre os poderes. O que era ruim tem ficado pior”, declarou o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
A análise de que “o que era ruim tem ficado pior” é endossada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI). O parlamentar, que foi presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso em 2019, avalia que o fortalecimento das emendas RP-9 concedeu ao relator um poder que não existia no Congresso desde o escândalo dos “anões do orçamento”. O esquema consistia na destinação sem controle rígido de emendas a instituições e empreiteiras que faziam obras fraudulentas, e parte das verbas públicas retornava ao bolso dos próprios parlamentares.
Após o escândalo, segundo Castro, o Congresso soube se rearranjar e evitou maiores problemas com o orçamento. Até que as emendas RP-9 começaram a se consolidar e, na avaliação do parlamentar, passaram a ter um valor que não deveriam. Em 2020, a rubrica foi orçada em R$ 30 bilhões. O montante estava sob a gestão de um único deputado, Domingos Neto (PSD-CE). “É um número totalmente extravagante”, disse Castro.
Apesar de ser crítico ao valor elevado das RP-9, Castro é da opinião de que Bolsonaro acertou ao não vetar as emendas. “Acho que ele agiu corretamente. Isso já vem existindo, então ele fez o correto. Essa emenda não precisa acabar. O que precisa é haver um comedimento, uma parcimônia, para que a emenda exista dentro do razoável”, apontou.
Já o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), que é atualmente membro da CMO e também integrou o colegiado em outras ocasiões, afirmou ter tomado “um susto” com a decisão de Bolsonaro em não vetar a emenda. “Tinha certeza que ele iria vetar, e levei um susto ao tomar conhecimento da decisão. Agora, nós, do Parlamento, não podemos fazer nada. Ele é quem tem que explicar por que não vetou”, disse.VEJA TAMBÉM:
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“Toma lá, dá cá” com o Congresso segue em alta
Deputados, senadores e especialistas em contas públicas concordam que as emendas parlamentares são um elemento essencial para “ajustes” na relação entre governo e Congresso. Habitualmente, a liberação de emendas costuma ser associada a votações de destaque, de modo a garantir ao governo um apoio que pode ser decisivo.
Mudanças na legislação contribuíram para que os efeitos desse processo fossem um pouco reduzidos. Uma delas foi a aprovação das emendas impositivas, as que são obrigatoriamente pagas. Com o mecanismo, não é mais possível ao governo decidir se pagará ou não uma demanda de um parlamentar.
“Antes disso, o governo esperava o fim do ano para ver como pagar os parlamentares. E decidia de acordo com o comportamento do parlamentar nas votações. Se tivesse votado muito com o governo, recebia mais emendas; se tivesse votado pouco, podia até ficar sem nada”, lembrou o senador Marcelo Castro, que tem mandato no Congresso Nacional desde 1999 e avalia que o quadro se repetiu durante as diferentes gestões presidenciais que testemunhou.
Mas a ascensão das emendas de relator modificou o quadro e trouxe distorções. Na avaliação de Gonzaga Patriota, hoje há parlamentares que anunciam ter direito a emendas que não se replicam aos demais congressistas. “É o tipo de quadro que atrapalha os que trabalham com seriedade”, disse.
O valor das emendas de relator previsto para 2021 é de R$ 16,9 bilhões. Segundo a ONG Contas Abertas, o montante é sete vezes maior do que todo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, duas vezes maior do que todos os recursos destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia, maior do que o previsto para os Ministérios da Infraestrutura e o de Minas e Energia, além de equivalente ao orçamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O secretário-geral da ONG compara as elevadas cifras com a falta de transparência que envolvem as RP-9. Segundo Castello Branco, ainda não há resposta para três questões: “quais são os critérios de seleção dos parlamentares contemplados? Como são distribuídos os valores entre eles? Quem são os verdadeiros autores das emendas de relator?”.
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