Processos de R$ 1,5 trilhão podem ‘quebrar’ o país nos tribunais

Notas de real| Foto: Joel Santana/Pixabay

Uma série de ações judiciais tributárias contra a União tem potencial para causar perdas de R$ 1,5 trilhão aos cofres da União. O equivalente a mais de um ano de despesas do governo federal.

O potencial de perdas é estimado nos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDOs) de 2019 e 2020. O volume representa 113% da despesa primária total de 2018, conforme cálculos do governo. Ainda que em escala crescente nos últimos três anos, a proporção de perdas potenciais nunca havia chegado a 100% dos gastos primários.

Alguns desses litígios estão registrados no Anexo V da PLDO 2020. O documento apresenta 27 ações judiciais tributárias, das quais 22 no Supremo Tribunal Federal (STF) e cinco no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nove dela são discussões sobre PIS/Cofins.
A lista do anexo do PLDO 2020 aponta, por exemplo, a decisão do STF que estabeleceu que qualquer empresa tem direito a créditos tributários de IPI ao comprar insumos isentos da Zona Franca de Manaus. A renúncia fiscal, “criada” pelo Supremo em abril, é estimada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em R$ 16 bilhões por ano.

O STF também já julgou desfavorável à Fazenda a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. A decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é de fevereiro deste ano. O Supremo já havia definido, em 2017, que o ICMS, imposto estadual, deve ser descontado na hora em que a empresa calcula quanto deve pagar de PIS e Cofins, contribuições devidas ao governo federal. O impacto calculado para cinco anos é de R$ 229 bilhões.

Outra discussão descrita no anexo da LDO é sobre a imunidade tributária de entidades beneficentes. Caso o governo perca a causa, o impacto relativo às devoluções dos últimos cinco anos a serem feitas pela União é de R$ 76,1 bilhões.O regime não cumulativo de PIS/Cofins para prestadoras de serviços e empresas será julgado em agosto. A ação questiona as Medidas Provisórias nº 66/2002 e 135/2003. Ainda que já exista maioria favorável à União no STF, o julgamento ainda não foi concluído. Uma reviravolta representaria um impacto de R$ 287 bilhões em cinco anos. O risco ficaria para 2021.

Suspensa em outubro de 2018 pelo relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, para que seja examinado pelo plenário do STF, a discussão sobre a possibilidade de incidência de IPI sobre a revenda de produto importado no mercado interno pelo estabelecimento importador tem impacto potencial de R$ 68,6 bilhões em cinco anos.

País vive estado de litígio fiscal permanente
A Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, informa que monitora cerca de 450 riscos fiscais, que envolvem discussões no Judiciário e também no Poder Legislativo.

“O Brasil vive hoje em um estado de litígio fiscal permanente, que já vem de décadas”, constata o advogado Paulo Tedesco, sócio do escritório Mattos Filho. O especialista defende, no entanto, que uma decisão do STF, como a que garantiu créditos tributários de IPI a empresas compradoras da Zona Franca, não se trata necessariamente de uma conta passada pela Corte para que o Estado pague.

Para ele, o problema está na legislação, que não permite diálogo entre o poder público e o contribuinte, e que não oferece mecanismos de conciliação entre as partes e permite interpretações diversas sobre uma mesma matéria jurídica, e que processos se sucedam.

“Temos um modelo que é ineficiente do ponto de vista preventivo, não permite o diálogo no meio do caminho, um modelo desproporcional e ineficiente na cobrança de valores, porque acumula encargos absolutamente desproporcionais, e que também é exagerado na cobrança judicial porque coloca mais valores elevados”, aponta.

O advogado lembra que enquanto o Código de Defesa do Consumidor estabelece 2% como máximo de multa de mora sobre o valor devido, a Fazenda Nacional cobra 20%. “Quando a gente pensa em um débito de R$ 1 bilhão, quando a Receita Federal entregar o auto de infração para a Procuradoria cobrar, ela aumenta em R$ 200 milhões a pretexto de remunerar a atividade da cobrança”, informa.

Tedesco aponta ainda o volume de processos reiterados, que se desdobram em capítulos e se arrastam por anos com recursos e demais ferramentas jurídicas, que fazem com que alguns litígios se arrastem por décadas. E aponta, por exemplo, que questões judiciais relativas aos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991) só tiveram uma decisão no fim de 2017, quando a Advocacia-Geral da União (AGU), o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a Febraban (federação dos bancos) e a Febrapo (federação dos poupadores) chegaram a um consenso.

“O litígio tributário hoje no Brasil se mostra como necessidade diante de uma legislação controversa e difícil de interpretar e diante da impossibilidade de uma composição dos assuntos controversos com o poder público”, destaca Tedesco. “Isso faz com que as pessoas precisem se posicionar levando temas ao Judiciário, precisem demonstrar que não concordam com a interpretação, precisem buscar uma resolução e de uma resposta que pareça adequada.”

Cultura de mitigação de riscos
Apresentado em dezembro de 2018, o relatório Panorama Fiscal Brasileiro, produzido pelo antigo Ministério da Fazenda (atual Economia), contabilizava, até setembro do ano passado, 395 riscos fiscais que tinham como origem ações judiciais, iniciativas legislativas e decisões de órgãos de controle. Deste volume, 106 foram definidos como prioritários.

O mapeamento mostrava que 141 eram riscos judiciais, 250 tinham como origem o Legislativo e quatro, o Tribunal de Contas da União (TCU), mais manifestações sociais.

Os temas envolviam base de cálculo de tributos, benefícios previdenciários especiais, dívidas tributárias, piso do magistério, políticas sociais, emergenciais e rurais, condução de política fiscal e tributária, entre outros.

O levantamento cita ainda um número extenso de ações judiciais de autoria de estados e municípios promovidas para, entre outros objetivos, questionar metodologia de cálculo dos limites para despesa com pessoal, fomentar o desenvolvimento regional, afastar barreiras para contratação de crédito e obtenção de garantias, aplicar a Selic “simples” às dívidas de cada ente com a União.O Panorama Fiscal Brasileiro teve como objetivo apresentar propostas para estabelecer uma “cultura de identificação e mitigação de riscos no âmbito do Ministério, que independa de características e contatos pessoais dos envolvidos nos temas, bem como para o fortalecimento e aperfeiçoamento dos processos já desenvolvidos”.

Entre as sugestões apresentadas pela pasta estavam a construção, junto com a Casa Civil, de um acordo com as lideranças do Congresso para que não se pautasse medida com impacto negativo sobre receita e despesa da previdência enquanto a reforma não for votada e estreitar laços com a Advocacia Geral da União (AGU) para subsidiar melhor o órgão na defesa da União diante de potenciais riscos fiscais.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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