O líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), avalia que os mais recentes capítulos de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e segmentos do Judiciário seguem uma espécie de roteiro esperado para o chefe do poder Executivo. “O ambiente dele é o conflito. A linguagem dele é a linguagem militar, que ele aprendeu durante toda a sua vida. Está tudo dentro do previsto”, disse Barros, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
No sábado (14), Bolsonaro anunciou que pretende apresentar um pedido de impeachment dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, ambos do Supremo Tribunal Federal (STF). E no domingo (15), reportagem do portal Metrópoles revelou que o presidente da República supostamente enviou a amigos — entre eles, militares — uma mensagem em que pede a presença da população nas ruas no 7 de setembro para promover o que chama de “contragolpe”.
Mas Barros faz críticas à conduta do Judiciário no processo: “acho que todo o Brasil tem clareza de que o Judiciário está avançando nas prerrogativas do Executivo e do Legislativo. Vamos ver até onde se estica a corda”. O deputado também ressaltou que Bolsonaro não deve recuar da luta pelo voto impresso — ou pelo que o parlamentar chama de “mais transparência nas eleições”. Segundo Barros, o tema é uma bandeira de Bolsonaro que encontra maioria tanto na sociedade quanto no Congresso.
O deputado falou com a Gazeta poucos dias após sua participação na CPI da Covid do Senado, que terminou de forma abrupta após o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), decidir encerrar a reunião e mudar o status da convocação dele — Barros passou de convidado para convocado. Para o líder do governo, o senador se portou como o “dono da bola” que percebe estar perdendo o jogo. Barros diz que seu em retorno à CPI, ainda sem data marcada, continuará “desmontando a narrativa deles [oposicionistas]”.
Leia abaixo a entrevista em que Barros fala ainda sobre a possibilidade de Bolsonaro se filiar ao PP, votações de relevo no Congresso e a avaliação que faz de sua atuação como líder do governo.
Que balanço o senhor faz da sua participação na CPI da Covid?
Ricardo Barros: A participação foi a esperada. Eu queria ter feito isso já 40 dias atrás. Talvez se tivessem me ouvido naquele período não teriam conseguido as assinaturas para prorrogar a CPI. Porque eu consegui, com documentos, desmontar toda a narrativa que vinha sendo feita.
E o que o senhor espera da segunda parte do seu depoimento?
Ricardo Barros: Espero continuar destruindo a narrativa deles. Aliás, eles deixaram de me ouvir na quinta e, no sábado, vazaram documentos sigilosos da CPI, me envolvendo. Uma covardia, isso. Poderiam ter perguntado na minha cara.
O senhor deu entrevista coletiva após a reunião da CPI ao lado de senadores governistas, entre eles Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). O senhor s sente bem respaldado pelo governo?
Ricardo Barros: Eu sou líder do governo. Eu jogo no time do governo. Pena que o Omar Aziz pegou a bola, botou embaixo do braço e encerrou o jogo. Mas eu queria continuar esclarecendo as coisas para o Brasil, que é o que eu fui fazer na CPI.
Como o senhor define a sua relação atual com o presidente Bolsonaro?
Ricardo Barros: O presidente Bolsonaro deu entrevistas anteriormente dizendo que não tem nada contra mim, que eu continuo autorizado a falar pelo governo. No dia da minha oitiva, ele deu outra entrevista, dizendo que achava que eu me sairia muito bem. Então me parece que está tudo dentro da expectativa. Estou trabalhando dentro da expectativa do presidente.
O senhor está completando um ano no cargo de líder do governo na Câmara. Qual o balanço que o senhor faz deste período?
Ricardo Barros: Nós aprovamos uma quantidade enorme de matérias muito relevantes. Começamos no ano passado com a cabotagem, que estava enroscada, seis semanas de pauta trancada. Votamos cabotagem, depois votamos Banco Central independente, votamos depósitos voluntários. Na área financeira muitas coisas. Todos os projetos de combate à pandemia. Votamos gás, saneamento, votamos licenciamento ambiental, agora a regularização fundiária. Projetos de grande impacto para a economia nacional.
Agora vamos continuar votando. Vamos votar essa semana a reforma tributária. Várias medidas provisórias relevantes, como essa que criou a rampa de ascensão social, a medida provisória 1045, a MP do Bem. É uma lista enorme de projetos que nós conseguimos, com o apoio do presidente Arthur Lira, que pauta as matérias, e o governo mostra a sua base e aprova.
Reportagem do portal Metrópoles revelou que o presidente Bolsonaro encaminhou uma mensagem de celular a diversos contatos pedindo presença nas ruas no 7 de setembro e falando em ‘contragolpe’. Como o senhor viu isso?
Ricardo Barros: O presidente tem a sua linguagem própria. Ele é um soldado. Então, o ambiente dele é o conflito. A linguagem dele é a linguagem militar, que ele aprendeu durante toda a sua vida. Está tudo dentro do previsto.
O senhor vê um cenário de golpe contra o presidente?
Ricardo Barros: Eu acho que todo o Brasil tem clareza de que o Judiciário está avançando nas prerrogativas do Executivo e do Legislativo. Está muito claro para todo mundo. Então vamos ver até onde se estica a corda.
O senhor estava na rampa do Palácio do Planalto quando o presidente Bolsonaro recebeu o convite para ir ao exercício militar em Formosa (GO). A presença das unidades militares em Brasília, especialmente por ter ocorrido no dia de uma votação importante na Câmara, foi interpretada como uma intimidação ao Congresso. O senhor também viu deste modo?
Ricardo Barros: Não tem intimidação nenhuma. O exercício de Formosa é regular, é periódico, acontece frequentemente. E o presidente, obviamente, como militar que é, frequenta muitas solenidades militares, é só olhar a agenda dele. Formação de cadetes, formação de oficiais… É da agenda dele participar de solenidades militares. Então não teve nada demais. A votação também da matéria do voto impresso foi marcada de última hora. Não tem fato, “ah, estava previsto e ele marcou”. A votação foi marcada de última hora, todo mundo sabe disso.
A proposta do voto impresso teve mais votos, mas não o suficiente para a sua aprovação. Qual o resultado final desse episódio, na avaliação do senhor?
Ricardo Barros: Mais transparência nas eleições é um discurso aderente. Todo mundo quer mais transparência nas eleições. Então, quando o TSE não quis negociar um meio-termo, um texto acordado para não ter vencidos e nem vencedores, não ter o voto impresso, mas também o TSE ceder algumas questões de melhoria de transparência, eles não quiseram.
Aí, depois de uma semana, o presidente [Luis Roberto] Barroso resolve “aperfeiçoar o perfeito”. Ficou dizendo que o sistema era perfeito, perfeito, perfeito, mas dali a uma semana resolve aperfeiçoar. Evidentemente, eles perceberam que ficaram contra a opinião pública. O presidente não vai abrir mão dessa bandeira, não tem razões para abrir mão da bandeira. E a bandeira tem maioria na população e no parlamento.VEJA TAMBÉM:
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Como estão as perspectivas para que o presidente Bolsonaro se filie ao PP?
Ricardo Barros: Eu diria para você que Bolsonaro já teve muitas opções partidárias. Se ele fosse decidir hoje, acredito que ele viria ao PP. Mas como ele não vai decidir hoje, então vamos aguardar, vamos ver o que acontece.
O desejo do senhor é ver o presidente no PP?
Ricardo Barros: Nós convidamos, meses atrás, o presidente para o PP. Ele foi nosso companheiro por 14 anos. Conhece a todos. Sabe como nós trabalhamos. Então, eu espero que o presidente venha ao PP. Mas está claro para mim que ele não vai tomar essa decisão agora. E como não é agora, o quadro do outro momento pode ser diferente desse.
Em relação a outros temas ligados à reforma eleitoral que estão em debate pelo Congresso, como a volta de coligações, o distritão, a federação partidária: qual a avaliação que o senhor faz deste quadro?
Ricardo Barros: A avaliação é que o sistema atual não satisfaz, por isso que se procura outras alternativas. Então o modelo que está hoje, de chapa pura com aproveitamento de sobras, não cumpriu a sua finalidade, que era a diminuir o número de partidos. O objetivo da regra a ser proposta é diminuir o número de partidos. O Brasil está com uma diversidade muito grande de partidos e isso tem criado dificuldades para a organização democrática. Poderia ser ao contrário. Mas não é.
Então, vamos procurar estabelecer uma regra que caminhe nessa direção. Com cláusula de barreira, com chapa pura, e aí foi dada essa colher de chá da federação para os pequenos partidos se organizarem e se unirem por quatro anos, e depois terem uma solução definitiva se farão uma fusão ou se criarão pernas próprias para poderem concorrer à eleição com seus quadros. Qual a solução que acho que vai acontecer? Não sei. Só saberemos a regra no dia 3 de outubro.
Em relação a impeachment: o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que poderia pautar o impeachment de Jair Bolsonaro no caso de uma ausência temporária do presidente Arthur Lira. O senhor acha que existe possibilidade de impeachment hoje?
Ricardo Barros: Não há a menor chance de impeachment. Impeachment vem das ruas. Não vem de canetada de ninguém. Impeachment é uma vontade da população. Ninguém vai mudar um governo se não tiver a vontade da população. Então, nós temos que ter clareza de que o Bolsonaro tem a sua personalidade, a sua característica própria, faz um excelente governo para o Brasil e, obviamente, contraria interesses, porque ele tem um estilo diferente de administrar daquele que vinha sendo feito até agora. Não tem vontade popular de mudar o presidente da República.
E como o senhor recebeu a declaração do vice Marcelo Ramos, que se posicionou como integrante da oposição a Bolsonaro?
Ricardo Barros: O Marcelo Ramos reagiu a uma fala do presidente muito rápido [Ramos se colocou como oposicionista após o presidente colocar nele a responsabilidade pela aprovação da ampliação de recursos para o fundo eleitoral]. Eu acho que sempre é bom contar até 10 antes de reagir a qualquer atitude. O Ramos é uma pessoa que é dos quadros dos partidos governistas, é um bom parlamentar, e eu espero que ele recomponha a sua relação com o presidente.
Sobre reforma tributária: teremos a retomada do projeto mais amplo, ou apenas a votação da mudança nas regras do Imposto de Renda?
Ricardo Barros: Primeiro o Imposto de Renda, depois a CBS [Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, tributo que pode substituir PIS e Cofins], depois a PEC 110 do senador Roberto Rocha. Tudo a seu tempo.
Em relação ao Auxílio Brasil, qual a expectativa do senhor para a tramitação no Congresso e para os impactos do projeto?
Ricardo Barros: O presidente falou que o Auxílio Brasil será 50% maior do que o Bolsa Família. A tramitação será rápida e o valor será mantido.
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