O relator da PEC do Voto Impresso Auditável na comissão especial da Câmara que analisa a matéria, deputado Filipe Barros (PSL-PR), pretende manter em seu novo relatório a proposta de mudar a forma como os votos são contados no Brasil. A ideia é que a apuração seja pública e feita manualmente pela contagem de 100% dos votos, que serão impressos.
Esse foi um dos pontos que quase levou a PEC a ser derrubada em votação que seria realizada antes do recesso parlamentar. A votação só não ocorreu porque, numa manobra regimental, os defensores da proposta na comissão especial conseguiram adiar a apreciação com o argumento de que o texto seria modificado.
Muitos parlamentares reclamaram de que a apuração manual dos votos impressos não fazia parte da ideia original, que era que os votos impressos fossem usados para auditar a totalização eletrônica dos resultados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também é contra esse modelo de apuração de votos.
Agora, a expectativa é de que o novo relatório da PEC seja votado na próxima quinta-feira (5) – o recesso parlamentar termina na segunda (1.º). Filipe Barros ainda trabalha no substitutivo que será apresentado para a votação. Algumas modificações foram feitas em relação ao texto que estava em discussão e outras ainda ocorrerão. Mas a apuração por meio da contagem de votos impressos vai ser mantida.
A proposta do relator é de que, na etapa de apuração, os mesários abram na própria seção eleitoral a urna onde as impressões de voto estarão depositados. Com uma cédula em mãos, um mesário mostraria aos demais presentes, leria em voz alta a informação contida no registro impresso – que não teria as informações do respectivo eleitor – e conferiria a cédula no equipamento de leitura ótica da própria urna utilizada na votação.
A argumentação é de que isso representa uma dupla auditagem, pelo registro digital do voto (RDV) – que estaria presente na impressão por meio de um código QR a ser auditado no equipamento de leitura ótica – e pelo registro impresso das informações dos candidatos. E essa dupla auditagem, que fica facultada no substitutivo, seria feita em cada uma das cédulas contidas na urna nas próprias sessões eleitorais.VEJA TAMBÉM:
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Por que Filipe Barros insiste com a apuração manual
Filipe Barros diz que vai insistir com a apuração manual de cada cédula nas próprias sessões eleitorais para solucionar o que ele considera ser os dois principais gargalos do sistema eleitoral brasileiro. “O primeiro problema é não permitir ao eleitor conferir o registro de seu próprio voto através da impressão. O segundo é a apuração e totalização secreta ao eleitor”, diz Barros.
O deputado afirma que TSE alega que as urnas são auditáveis, mas que isso não é acessível ao próprio eleitor. “O TSE consegue auditar de acordo com os requisitos de auditoria definidos pela própria Corte. Os partidos conseguem auditar até os limites impostos pela Justiça Eleitoral. Mas o eleitor não consegue auditar seu voto, nem acompanhar a apuração, o atual sistema não permite.”
Barros destaca que os boletins emitidos pelas urnas eletrônicas ao fim do processo de apuração traz diversas informações relativas aos dados registrados, mas não possibilita ao eleitor a auditagem de seu voto específico. Os dados dos votos são gravados em um cartão de memória e levados aos fóruns eleitorais, que, por sua vez, são encaminhados ao TSE, que executa a etapa de totalização – também sem a possibilidade de verificação pelo eleitor.
Nas eleições de 2018, a ministra Rosa Weber, presidente do TSE à época, autorizou a presença de representantes técnicos das campanhas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na chamada sala-cofre localizada no prédio da Justiça Eleitoral em Brasília, onde é feita a totalização dos votos. Até os pleitos anteriores, representantes dos candidatos eram convidados a assistir a apuração em uma sala onde haviam apenas monitores para o acompanhamento da totalização.
Por todos esses motivos, Barros justifica que insistirá em propor a apuração manual de 100% das cédulas nas sessões eleitorais, apesar das resistências de partidos políticos.
“Com exceção do exercício do voto, que tem que ser sigiloso e ninguém vai mexer nisso, até porque é uma cláusula pétrea, as outras fases são atos administrativos que devem ser públicos e transparentes. O voto deve ser auditável pelo próprio eleitor ao conferir o registro impresso. E a apuração não pode ser secreta. Deixar isso mais claro tem sido minha meta principal”, diz o relator da PEC do Voto Impresso.
Quais as principais diferenças do substitutivo da PEC do Voto Impresso
O substitutivo esboçado pelo relator se difere do parecer que quase foi votado principalmente pela forma como ele decidiu conceituar tecnicamente as diferentes etapas do processo eleitoral: o exercício do voto; o registro do voto; a apuração; a totalização; e a proclamação do resultado.
O exercício do voto é definido por Barros como o “ato personalíssimo” e deve ser secreto, a fim de garantir a plena liberdade de escolha do eleitor. Essa etapa termina a partir do momento em que a cédula do voto entra na urna. O relator não especificou na PEC uma tecnologia específica para esse processo.
O registro do voto é definido por ele como o “procedimento no qual a manifestação de vontade do eleitor é computada”, que deve ser “conferido por papel pelo próprio eleitor assim que gerado”. Já a apuração é apontada como “ato administrativo necessariamente público e transparente”.
Ainda na apuração, Barros estabelece que é uma etapa que deve contar com a presença de eleitores na “contagem dos votos colhidos na seção eleitoral”. Ou seja, ele também manteve a possibilidade de os eleitores serem fiscais de suas próprias seções após a contagem de votos colhida pelos mesários “imediatamente após o período de votação”.
A totalização é classificada pelo relator como outro ato administrativo “necessariamente público e transparente”, que deve contar com a presença de “representantes de partidos políticos” após a soma de todos os votos obtidos em todas as seções eleitorais na apuração. Essa etapa é realizada pelas “autoridades estaduais eleitorais e posteriormente transmitida à autoridade nacional eleitoral”, o TSE.
A proclamação do resultado, por fim, é tipificado por ele como o “ato em que a autoridade nacional eleitoral, após regular apuração e totalização, anuncia o resultado da votação da eleição, do plebiscito ou do referendo”.
Por que o relator decidiu tipificar as diferentes etapas eleitorais
Dois motivos levaram Filipe Barros a tipificar as diferentes etapas eleitorais. Além da busca em deixar mais claro os procedimentos pela transparência da auditagem pelo eleitor, ele também busca garantir o avanço das tecnologias eleitorais.
No parecer atual, Barros tentou apresentar uma redação que não engessasse a progressão tecnológica das urnas. O problema é que o texto foi criticado por lideranças parlamentares e membros da comissão especial da PEC, que avaliaram ser pouco claro na forma proposta.
Os deputados cobraram de Barros um texto mais enxuto e claro sobre as propostas de voto impresso. Por ora, em termos de enxugamento, não é o que o relator sinaliza. O substitutivo esboçado é extenso, mas detalhado.
No relatório discutido na comissão especial, Barros especificava que “os registros do voto deverão ser depositados na urna indevassável separadamente para cada cargo, ou de outra forma, desde que se garanta o sigilo do voto”. No substitutivo, ele pormenoriza menos ao estabelecer que o registro precisa ser impresso e o voto é exercido quando a cédula entra a urna.
“Conceituar as etapas do processo eleitoral é a maneira de fazer com que, independentemente da tecnologia utilizada — se for de primeira, segunda ou terceira geração —, se garanta o formato essencial do procedimento público e transparente de votação”, explica.
Que pontos ainda podem ser alterados na PEC do Voto Impresso
O relator planeja apresentar o texto final de seu substitutivo até a próxima terça-feira (3). Até lá, Filipe Barros admite que mudanças podem ser feitas à versão atual do texto. O deputado aguarda que lideranças de outros partidos lhe deem um retorno. E ainda terá uma conversa com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
A ideia do relator é convencer os partidos de que a apuração manual de 100% das impressões de voto é a melhor alternativa para assegurar a transparência do processo eleitoral e evitar contestações judiciais na Justiça Eleitoral.
Mas ele sabe que prosseguir com isso é uma missão difícil diante do atual cenário político, contestado até por membros da base governista do Centrão. Por esse motivo, Barros admite que seu texto pode ser alterado.
Lideranças políticas discutem outras duas formas de debater a auditagem eleitoral: com a contagem manual de 100% das cédulas nos fóruns eleitorais, não nas seções; ou por amostragem. Uma parte considerável do Congresso propõe, contudo, formas alternativas de auditagem que não sejam pela impressão do voto.
O relator vai ouvir as sugestões e, se for da vontade da maioria dos partidos alterar o processo de apuração, ele diz estar à disposição para discutir uma mudança. Mas questiona as alternativas. “Como seria feita a apuração de 100% nos fóruns eleitorais? Por apenas uma mesa receptora? Se for assim, vai demorar ainda mais [a apuração]”, diz.
Na apuração por amostragem, seriam contabilizados eletronicamente os votos, como funciona atualmente, e seriam auditados apenas os votos de um percentual pré-determinado de urnas. Os partidos discutem um percentual entre 2% a 10%. “Essa é uma grande furada. Se apura 10%, quem perdeu a eleição vai judicializar e pedir a recontagem dos outros 90%”, diz Barros.
Já a alternativa de auditar os votos sem o registro impresso, por meio de uma cópia certificada do registro digital fora da urna, embora não seja totalmente descartada por Barros, não é bem avaliada por ele.
“A ideia não é ruim, mas ela por si só não resolve o problema do sistema sigiloso e obscurantista que nós temos. Tem que ser necessariamente complementada com a impressão do voto. Não adianta ter a auditagem só com certificação digital”, justifica.
Outro ponto que pode entrar em discussão é a implementação gradual das urnas de voto impresso. Partidos político chegaram a propor um porcentual inicial de 20% de urnas com a tecnologia de impressão do voto para as eleições de 2022. Mas o “piso mínimo” considerado por Barros é de 55%. Esse é o percentual de urnas atuais que já são adaptáveis para a geração do registro impresso, segundo informou o TSE nas audiências públicas da comissão especial.
Transporte, recontagem e investigação: o que prevê o novo texto
No substitutivo de Filipe Barros, encerrada a apuração, os registros impressos de voto serão transportados até os fóruns eleitorais a cargo das “forças de segurança pública” ou das Forças Armadas. Uma vez entregues, a responsabilidade pela custódia e preservação das impressões ficaria sob a responsabilidade da autoridade eleitoral.
A proposta de transporte do substitutivo se difere do parecer atual, que previa essa etapa sendo realizada apenas pelas Forças Armadas. Uma vez entregues nos fóruns eleitorais, o substitutivo propõe que os registros impressos sejam preservados pelo período de um ano contado a partir do dia seguinte da proclamação do resultado.
A exceção do prazo estipulado ficaria condicionada a “situações em que haja pedido de recontagem ou procedimentos de investigação”. “Ocasião na qual os registros impressos de voto deverão ser guardados até o trânsito em julgado do respectivo procedimento”, diz o substitutivo.
O período de um ano previsto para a preservação das impressões de voto é diferente do relatório entregue em junho, que sugeria o armazenamento até 31 de janeiro do ano seguinte às eleições, “salvo situações excepcionais definidas pelo TSE”.
A grande diferença do substitutivo para o parecer vigente está na previsão de que os pedidos de recontagem e “qualquer investigação sobre o processo de votação” deverão ser conduzidos pela Polícia Federal e pela Justiça Federal de primeira instância, e não pelo TSE. Barros ainda veda que o processo tramite em segredo de Justiça.
O relator defende sua proposta, que, na prática, reduz as atribuições do TSE sobre o processo de eventual recontagem. “O TSE, hoje, é o administrador eleitoral. Se houver uma falha ou uma fraude numa sessão eleitoral, ou ele é vítima ou alguém ali dentro pode ser o autor da falha ou da fraude. Portanto, a Corte não pode ser parte da investigação, nem se for vítima, e nem se for responsável ou um dos autores. Então, tem que se manter independente”, sustenta.
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