A história de Pavlik Morozov, o herói dedo-duro da União Soviética

A história de Pavlik Morozov, o herói dedo-duro da União Soviética

Poucos soviéticos foram tão patriotas quanto Pavlik Morozov, de apenas 13 anos, morto em 1932. Entusiasta da coletivização agrícola promovida pelo regime comunista, ao ver seu pai e seu tio escondendo trigo do governo, não teve dúvidas: denunciou ambos às autoridades. Por cumprir seu dever, pagou com a vida: seus avós e seu padrinho o emboscaram na floresta e o mataram a facadas. Seu nome foi dado a ruas em toda a União Soviética, poemas e livros foram escritos e estátuas foram erguidas para homenagear o jovem delator. Uma linda história para inspirar o país comandado por Josep Stalin.

Espera aí! Eu disse “escondendo trigo”? Não, o pai de Pavlik na verdade estava vendendo documentos aos kulaks, ricos fazendeiros que resistiam à coletivização das terras agrícolas, verdadeiros inimigos da revolução. Eu disse Pavlik? Não, não, seu nome era Pavel “Pashka” Morozov.

Desculpe se tudo soa muito confuso, mas a história de Pavlik/Pashka Morozov mistura algumas doses de verdade e outras tantas de mentiras fabricadas sob medida pelo regime stalinista. O objetivo, em um país que buscava destruir a religião e estimular a vigilância estatal, era criar um santo que fosse um exemplo para outros jovens, um estímulo para delatar qualquer inimigo da revolução bolchevique, até mesmo os próprios pais.

A verdade

Pavlik e seu irmão Fyodor foram encontrados mortos em uma floresta próxima da vila de Gerasimovka, nos Urais. Um agente da OGPU (antecessora da KGB) foi designado para investigar o caso. Ele prendeu os avós, um primo e o padrinho (casado com a tia de e um primo de Morozov. Eles seriam kulaks e estariam contra a coletivização das terras — uma faca suja de sangue teria sido encontrada na propriedade dos avós. Levados à capital do estado, foram sentenciados à morte acusados de terrorismo contra o estado soviético.

A história continuou sendo contada desta forma, sem contestações, até a década de 1970, quando um escritor chamado Yuri Druzhnikov começou a desconfiar da história. Após questionar publicamente, foi procurado por agentes da KGB que recomendaram a ele deixar tudo como estava. O efeito em Druzjnikov foi o contrário: a reprimenda só fez atiçar sua curiosidade.

Ele viajou a Gerasimovka, onde a verdade aos poucos foi aparecendo. Pashka, que era como os amigos e familiares chamavam Pavlik, vendido pelo regime como estudante modelo e chefe local dos pioneiros (uma organização comunista voltada para os jovens, parecida com os escoteiros), era quase analfabeto e nunca foi um pioneiro.

Pavlik de fato denunciou o próprio pai. O motivo, porém, teria sido outro. Sua mãe havia sido abandonada, junto com Pavlik e seus quatro irmãos, e por isso viviam em absoluta necessidade. Amargurada, a mãe de Pavlik o convenceu a dedurar o pai.

Quem matou Pavlik?

Yuri Druzhnikov mais tarde se refugiou nos EUA e se tornou professor de alemão e russo, até morrer em 2008, não sem antes escrever o livro ‘Informer 001: The Myth of Pavlik Morozov’ (Informante 001: O Mito de Pavlik Morozov). Em 1982, 50 anos depois da morte de Pavlik, ele encontrou o agente da OGPU designado para o caso, Spiridon Kartashov. Como agente, Kartashov recebeu a missão de forçar os camponeses a aceitar a coletivização das terras. Qualquer um que resistisse perdia tudo: os animais, seus pertences e a liberdade — eram enviados para a Sibéria. Milhões morreram nos gulags e milhões morreram de fome.

Em Gerasimovka as coisas estavam especialmente difíceis. A população local resistia à coletivização e o avô de Pavlik era um dos que mais se opunham. Havia, no entanto, gente que estava a favor da ditadura comunista, e um deles era Ivan Potupchik, primo de Pavlik. Ele era informante da OGPU e hospedou o agente Kartashov em sua casa. De forma suspeita, foi quem liderou o grupo que recolheu o corpo de Pavlik da floresta.

Em depoimento ao escritor Druzhnikov, o ex-agente Kartashov contou o que se passou em Gerasimovka. Ele foi enviado à vila com uma lista de kulaks para enviar para a Sibéria — preparada previamente por Potupchik. Nunca houve uma investigação de verdade sobre o assassinato. Druzhnikov acredita que foi Potupchik quem tenha assassinado o jovem Pavlik, sob ordens da OGPU. Décadas depois, em 1961, Potupchik foi preso pelo estupro de uma adolescente.

Por que assassinar Pavlik? Para assustar os camponeses que se opunham à coletivização. O uso político de sua morte foi algo não planejado, mas que serviu bem aos interesses da ditadura soviética.

queda da União Soviética deveria ajudar a expor a verdade, mas a FSB, agência que sucedeu a KGB, nega acesso aos arquivos alegando que o caso continua aberto. Quase 90 anos após sua morte, Pavlik permanece como símbolo, mas não de heroísmo. E sim de como o comunismo não hesita em jogar pais contra filhos, destruir a família e mesmo usar a morte de crianças para o “triunfo da revolução”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

Be the first to comment on "A história de Pavlik Morozov, o herói dedo-duro da União Soviética"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*