Incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso Nacional, o fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões tem trazido impasses para o Palácio do Planalto e até o momento não há uma definição sobre a sanção ou veto pelo presidente Jair Bolsonaro. Depois de sinalizar que vetaria o fundão eleitoral, Bolsonaro recuou e disse nesta semana que pretende derrubar apenas o que considera um “excesso”; e indicou apoio a um valor menor, de R$ 4 bilhões.
“Vou deixar claro uma coisa. Vai ser vetado o excesso do que a lei garante. A lei, quase R$ 4 bilhões, o fundo. O extra de R$ 2 bilhões vai ser vetado. Se eu vetar o que está na lei, estou incurso na lei de responsabilidade. Espero não apanhar do pessoal como sempre”, disse Bolsonaro a apoiadores na segunda-feira (26).
O montante destinado para financiar as eleições do ano que vem é quase o triplo do que foi aprovado para as eleições de 2020, quando os partidos receberam R$ 2 bilhões. Em 2018, o caixa para bancar as candidaturas havia sido de R$ 1,8 bilhão.
O reajuste no valor para o ano que vem contou com articulação dos partidos do Centrão, que compõe a base do governo Bolsonaro no Congresso. Mas o aumento gerou críticas por parte de alguns parlamentares e até de apoiadores do presidente Bolsonaro, que cobraram o veto. Contudo, aliados governistas buscam uma alternativa para que o presidente costure um acordo com o Congresso antes de o texto ser sancionado.
Apesar de ter sido aprovado em 15 de julho, antes do recesso parlamentar, o texto da LDO ainda não foi entregue para o Executivo, pois o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não assinou a medida. Depois que o projeto for enviado, começa a contar o prazo de 15 dias úteis para a sanção presidencial.
Pacheco já sinalizou que o atraso na assinatura ocorreu por causa da redação final do texto, que só foi finalizada durante o recesso do Legislativo. Por isso, pretende assinar a medida em 2 de agosto, quando voltam os trabalhos da Câmara e do Senado. Com isso, Bolsonaro terá, pelo menos, até 23 de agosto para construir um acordo com os parlamentares.
Outro valor para o fundo eleitoral só pode ocorrer por novo projeto
Apesar de sinalizar que poderia reduzir o montante de R$ 5,7 bilhões para R$ 4 bilhões, técnicos do Planalto e do Congresso admitem que regimentalmente Bolsonaro não pode fazer isso.
Para calcular o valor e chegar ao montante de quase R$ 6 bilhões, o relator da LDO, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), incluiu um dispositivo que prevê que, além de ser composto por uma parte das emendas de bancada estaduais, o fundo receberá 25% dos recursos que a Justiça Eleitoral teve em 2021 e terá em 2022.
Ou seja, no texto da LDO não existe o valor especificado de R$ 5,7 bilhões, mas que o fundo será correspondente a 25% da soma dos orçamentos de 2021 e 2022 da Justiça Eleitoral. Na prática, porém, essas regras levam aos R$ 5,7 bilhões.
Uma questão apontada pelos técnicos do orçamento é que Bolsonaro não pode alterar a redação do texto, e sim vetar integralmente ou parcialmente trechos de uma proposta. A avaliação é de que não é possível, por meio de um veto, reduzir o valor, mas apenas mantê-lo ou eliminá-lo.
Após ser questionado por deputados e senadores sobre a afirmação de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou para os seus aliados que buscaria o governo para entender a fala de Bolsonaro sobre os R$ 4 bilhões.
Para chegar ao valor de R$ 4 bilhões, uma alternativa para o presidente seria vetar integralmente o trecho sobre o fundão na LDO, mas incluir uma nova previsão de um valor no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), que tem de ser enviado ao Congresso até 31 de agosto.
Apesar disso, se não houver acordo com os parlamentares, o veto presidencial poderia vir a ser derrubado posteriormente pelo Congresso, mantendo o valor previsto na LDO.
Veto pode trazer risco de impeachment a Bolsonaro?
Em 2019, quando o valor de R$ 2 bilhões foi destinado ao fundo eleitoral para as eleições municipais de 2020, o presidente Jair Bolsonaro também sinalizou que poderia vetar o valor por causa das repercussões negativas. No entanto, acabou recuando e sancionou o texto alegando que o veto poderia levá-lo a cometer crime de responsabilidade e, consequentemente, a sofrer um processo de impeachment.
O fundo eleitoral é considerado uma despesa obrigatória prevista na Constituição. Diante disso, os aliados do Palácio do Planalto admitem que um veto do presidente ao texto poderia acabar servindo de argumento para abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. Com isso, a equipe técnica está debruçada sobre uma solução para o impasse.
Nesta semana, Bolsonaro voltou a repetir que o veto poderia resultar acusações de crime de responsabilidade contra ele. “Se eu vetar o que está na lei, estou incurso de crime de responsabilidade. Espero não apanhar do pessoal, como sempre. Porque se o pessoal começar a bater muito, vai escolher para segundo turno Lula ou Ciro [Gomes]. A crítica é válida quando ela tem fundamento, pessoal”, reclamou Bolsonaro.
De acordo com o professor e advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional, Bolsonaro já está dando indicativos que não vetará o fundo sob o argumento de que, caso isso ocorra, consequentemente, ele estaria impedindo toda a realização do processo eleitoral por tirar os recursos financeiros necessários para a realização do pleito. Neste caso, seus adversários poderiam entender isso como um atentado à democracia.
“Eu entendo, neste momento, que o argumento dele é correto. Juridicamente eu vejo que o argumento do presidente tem guarida. Por uma estratégia política esse orçamento foi construído junto com o Congresso e, portanto, a criação dessa narrativa agora por parte do presidente evita um desgaste político com seus apoiadores caso ele sancione. Diante disso, nós teremos as eleições mais caras da história. A narrativa foi bem construída e não vejo nada que a gente possa fazer”, explica Miranda.
N.º 2 da Câmara cobra veto total de Bolsonaro ao fundo eleitoral
Em rota de colisão com o Palácio do Planalto, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), chegou a cobrar de Bolsonaro que ele vetasse integralmente o “fundão”. O presidente chegou a responsabilizar Ramos pela aprovação do montante de R$ 5,7 bilhões. Após isso, o deputado passou a disparar críticas contra o governo.
Após o presidente sinalizar que o fundo poderia ser reajustado para R$ 4 bilhões, o vice-presidente da Câmara afirmou que a “máscara” de Jair Bolsonaro estava caindo. Para o parlamentar, ficou claro que o chefe do Executivo sempre desejou o aumento do fundo eleitoral.
“A verdade é uma arma muito poderosa, e ela sempre se impõe. Desde que iniciou essa polêmica, alertei da minha desconfiança de que o presidente estava fazendo um jogo de cena para, através dos seus líderes, aprovar os R$ 5,7 bilhões, vetar e apresentar uma proposta de R$ 4 [bilhões] sob o argumento de que estaria reduzindo quando, na verdade, estaria mais que dobrando o Fundo Eleitoral do atual R$ 1,8 bilhão”, disse o parlamentar.
Nas redes sociais, o vice-presidente da Câmara desafiou o presidente a vetar o fundão. “Cumpra sua palavra e vete tudo, Bolsonaro! R$ 4 bi de fundo eleitoral é golpe nos seus eleitores que acreditaram que você vetaria”, defendeu.
Em meio à crise, Ramos chegou a pedir acesso aos mais de 100 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro protocolados na Câmara. Número 2 da Casa, o deputado poderia acatar um dos processos em uma eventual substituição do presidente da Casa, Arthur Lira.
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