Os vândalos que incendiaram a estátua de Borba Gato no sábado (24), em São Paulo, dizem pertencer a um grupo chamado Revolução Periférica, mas não está claro que tipo de revolução eles pretendem alcançar por meio da destruição de estátuas.
Podem existir inúmeros motivos para não gostar do monumento ao bandeirante em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista — desde os históricos, por homenagear um homem que se dedicou a caçar e escravizar indígenas (ou não, como nos explica Jones Rossi), até o estéticos, por parecer um boneco de Playmobil falsificado gigante. Mas queimá-lo não vai mudar o passado nem o que dele sobrou no presente, como o racismo e a desigualdade social.
A derrubada de monumentos com personagens escravagistas ou imperialistas virou tendência em vários países a partir dos protestos motivados pela morte de George Floyd pela polícia de Minneapolis, nos Estados Unidos, em 2020.
Alguns manifestantes acharam uma boa ideia derrubar não apenas estátuas de antigos líderes escravistas do sul do país, como também de heróis nacionais, alguns dos chamados “pais fundadores” da república americana, como George Washington, Thomas Jefferson e James Madison, por terem sido proprietários de escravos mais de dois séculos atrás. Até monumentos ao navegador Cristóvão Colombo foram vandalizados.
Historiadores que defendem esse movimento de destruição de estátuas lembram que a narrativa histórica é “mutável” e que a própria derrubada de monumentos é um “ato histórico”.
Há quem refute esse tipo de argumento dizendo que não se pode medir pela régua de hoje personagens históricos que viviam sob os padrões morais de séculos atrás. Eu nem vou tão longe (até porque esse tipo de raciocínio também é usado para relativizar, por exemplo, os assassinatos cometidos por Che Guevara em nome da Revolução Cubana, entre outras atrocidades da história).
Tudo bem querer livrar a paisagem urbana de homenagens a figuras que simbolizam um passado nefasto. Mas, se for para fazer isso, que seja fruto de um debate democrático, não de atos de violência ou crimes de vandalismo. Quem quiser a derrubada do Borba Gato que faça abaixo-assinados e manifestações pacíficas, e convença um grupo de vereadores a abraçar sua causa, por exemplo.
Precisará também convencer a parcela dos cidadãos que acham que todas as estátuas devem ficar de pé, seja qual for o seu simbolismo, justamente como forma de lembrar do passado e refletir sobre ele.
Já vou avisando, porém, que se trata de um esforço fútil. Derrubar o Borba Gato, além de não mudar o passado nem o presente, iniciaria uma revisão sem fim de monumentos e de nomes de lugares. Palácio dos Bandeirantes teria que se chamar como? O belíssimo e imponente Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, teria de ser reduzido a pó, privando São Paulo de um dos seus cartões postais?
Qual seria o limite desse processo de apagamento? Ruas e avenidas não poderiam mais ter nomes de pessoas. Esculturas em espaços públicos, só com formas abstratas.
Uma alternativa melhor é começar a propor novos monumentos ou memoriais, para homenagear as personalidades que simbolizam aquilo que se quer valorizar atualmente.
Revoluções frequentemente resultam em estátuas derrubadas (muitas cabeças de Lenin, Marx e Stalin foram cortadas após a queda do Muro de Berlim). Mas derrubar estátuas não resulta em revolução nenhuma.
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