Município mais populoso do interior do Ceará, com cerca de 274 mil habitantes, Juazeiro do Norte completa 110 anos de emancipação política, nesta quinta-feira (22).
Conhecida pelo lema da “oração e trabalho”, a terra do Padre Cícero cresceu rapidamente, se tornando um dos principais destinos do turismo religioso brasileiro, atraindo aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, por ano, com as tradicionais romarias.
Hoje, o Diário do Nordeste lista, com base em livros, jornais e historiadores, 10 curiosidades para celebrar a emancipação da cidade:
1. PADRE CÍCERO LIDOU COM PANDEMIA E CUMPRIU ISOLAMENTO SOCIAL
“Estaremos no começo do fim?”, disse Padre Cícero, em carta escrita no dia 30 de outubro de 1918, durante a pandemia da gripe espanhola.
Aos 76 anos, o sacerdote compartilhava com seu amigo, o padre Frederico, no Rio de Janeiro, a angústia de contrair a doença que havia, há pouco tempo, chegado ao Cariri.
A pesquisa realizada pela historiadora Fátima Pinho vai além: o sacerdote adotou o isolamento social para conter a propagação da doença.
Na mesma carta, o fundador de Juazeiro do Norte confessava: “a influenza espanhola também me vitimou. Estou em convalescênça em nossa casa no horto, no sítio, uma légua e meia da cidade de Juazeiro. Desde Fortaleza, aqui, em todo Estado e nos estados vizinhos, (estamos) cobertos desse flagelo”.
2. MOVIMENTO DE EMANCIPAÇÃO FRACASSOU
Antes de 22 de julho de 1911, Juazeiro do Norte teve outros movimentos emancipacionistas, mas que fracassaram. Na época do primeiro, em 1907, o distrito era formado por dois grupos: os naturais da terra, e os adventícios, romeiros que fixaram moradia no povoado.
E logo se tornaram rivais. Isso aconteceu, antes de tudo, pela questão religiosa, pois quando Roma condenou o milagre, os ricos fazendeiros nativos passaram a descrer no evento. Segundo, porque os comerciantes de fora eram mais bem-sucedidos que os nascidos aqui.
O major João Bezerra de Meneses, fazendeiro e descendente da família de Juazeiro, convocou o movimento pela separação de Crato, mas o conflito entre os grupos, acabou não tendo tanta adesão.
“Apenas em 1909 com a participação do Padre Cícero na campanha, a fundação do jornal O Rebate e as alianças formadas com Floro Bartolomeu e o padre Alencar Peixoto, a campanha emancipacionista de Juazeiro ganharia outro status, unindo os dois Juazeiros em prol da sua independência”, explica o jornalista e pesquisador Cícero Dantas.
3. ESTÁTUA DO PADRE CÍCERO SERIA MENOR
Após o prefeito Mauro Sampaio conceber a ideia de erguer uma estátua do Padre Cícero em 1967 — ela seria inaugurada no dia 1º de novembro de 1969 —, o jornalista e escritor Aldemir Sobreira, falecido há cinco anos,narrou que, a princípio, o monumento teria sete metros de altura, fora a base. Porém, o artista plástico Armando Lacerda, responsável pela obra, optou por construí-la com 12 metros.
Ao logo do processo, ela sofreria uma nova mudança: no galpão foi montado no armazém de uma antiga usina de algodão, na esquina das ruas São Paulo e São Francisco, durante a modelagem, o próprio escultor decidiu ser mais ousado e aumentou o tamanho da estátua para 17 metros.
Os cálculos pelos engenheiros foram feitos e a proposta foi aprovada. Ao todo, a escultura soma 27 metros com a base, sendo o terceiro maior monumento religioso do Ceará.
4. ESTÁTUA EM TAMANHO REAL ERA CULTUADA
Antes da inauguração do monumento conhecido na Colina do Horto, foi a estátua em tamanho real do Padre Cícero, feita pelo escultor italiano Agostinho Balmes Odísio, no Largo da Capela do Socorro, que atraía as maiores atenções de romeiros que visitavam Juazeiro do Norte. Colorida e muito semelhante ao sacerdote, ela impressionava os devotos.“Ela foi, por muito tempo, foi e ainda é, alvo de muitas devoções”, conta a professora e historiadora Amanda Teixeira. Ainda hoje não se sabe quem encomendou e quando foi inaugurada, mas isso aconteceu entre 1934 e 1940.
5. OUTRA ESCULTURA PASSA DESPERCEBIDA
Diferentemente das duas primeiras, há uma estátua feita de bronze do Padre Cícero, inaugurada em 1925, erguida no centro da praça Almirante Alexandrino – atual Padre Cícero, que chega a passar despercebida pelos romeiros.
A obra foi encomendada pelo amigo do sacerdote, o médico e político Floro Bartolomeu, para destruir os discursos de cidade atrasada e fanática que os jornais traziam sobre Juazeiro do Norte.
Como um marco cívico, símbolo do progresso, a escultura não traz o sacerdote como “santo popular”, mas o “homem político”, com o “padim” vestido com uma toga romana, debaixo do sol, sem proteção. Nela, não são deixados sinais de promessas como fitas coloridas ou ex-votos, e é muito raro ser alvo de oração.
6. MARCO ZERO NÃO TEM IDENTIFICAÇÃO
O batismo da cidade naturalmente vem em homenagem ao juazeiro, árvore típica do Semiárido brasileiro. Segundo Lira Neto, antes mesmo da chegada de “padrinho”, o povoado rememorava três velhos pés de juá que emprestavam a sombra de suas copas para tropeiros e mercadores descansarem.
Em 2009, um grupo de pesquisadores identificou o local exato destes pés juazeiros, que deram nome ao Município. De acordo com o pesquisador Daniel Walker, já falecido, ele está sob a Praça Beata Maria de Araújo, em frente à Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores.
No entanto, por lá não há nenhuma indicação de onde ficavam as árvores. Há quatro anos, houve a reforma do espaço que incluía a construção de um obelisco, marcando o ponto exato das árvores, mas a iniciativa não foi adiante.
7. UM SANTUÁRIO MÍSTICO
Um dos locais mais visitados pelos romeiros é, sem dúvidas, o Santuário de São Francisco, inaugurado em 1956. Inspirado nos edifícios lombardos do século VII e todas suas imagens vieram da Itália. A principal do santo que fica no centro da Praça das Almas, veio de Milão. Ela é toda feita de bronze, pesa uma tonelada e tem quatro metros de altura. O curioso é que para ser confeccionado, o monumento foi fruto de uma curiosa campanha.
Segundo o frei Raimundo Barbosa, a matéria-prima para a estátua foi conseguida após a doação de vários donos de túmulos. Crucifixos, jarras, letras, o que fosse de bronze foi recolhido, derretido e fundido. Da forma, foram-se duas imagens, que se mantém no centro da chamada “Praça das Almas”, e a outra em Milão.
Inspirada na Praça de São Pedro, do Vaticano, o Santuário também com 224 colunas que suspendem o “passeio das almas”, que circula a Igreja. Nela, há inscrição de pessoas e famílias que ajudaram a erguer o templo. Dentro dele, da mesma forma os nomes cobrem o forro.
Na época, as partes do templo eram “vendidas”. Uma coluna menor, de um total de 28, custava cerca de 4 mil cruzeiros. Cinco janelas com vitrais custavam 20 mil e assim por diante. Os mais pobres traziam madeira, tijolos, pedras ou compravam coletivamente.
8. MILAGRE MODERNO
Antes da inauguração do Museu Vivo do Padre Cícero, a Casa dos Milagres, criada dois anos após a morte do santo popular, era o principal destino de ex-votos.
Com o falecimento do fundador de Juazeiro do Norte, aumentou a quantidade de promessas e graças alcançadas no Município. Por isso, não havia um local adequado para o depósito, já que a Diocese não permitia a veneração do “padim”, que teve suas ordens suspensas após o “Milagre da Hóstia”.
Os romeiros ignoravam. Foi quando o imóvel, na Travessa Maria Gonçalves, no largo da Capela do Socorro, foi destinado para receber os objetos de fé dos romeiros.
Porém, em agosto de 2013, um incêndio consumiu todo o local, destruindo completamente o acervo, que possuída quadros e esculturas de madeira deixadas pelos romeiros.
Segundo o Corpo de Bombeiros, o fogo pode ter sido provocado por uma vela deixada no local. O importante, porém, é que uma peça sobreviveu às chamas: uma imagem de Nossa Senhora das Dores, padroeira da cidade. O fenômeno foi suficiente para ser lembrado pelos devotos, que consideram o local místico.
9. CIDADE QUE PULSA A CULTURA
A chegada de romeiros de várias partes do Nordeste desde o final do século XIX, tornou Juazeiro do Norte um caldeirão cultural.
A influência faz colorir a cidade que reúne cerca de 45 grupos de tradição popular, entre lapinhas, guerreiro, maneiro-pau, coco, mamulengo, banda cabaçal e bacamarteiros. A Secretaria de Cultura do Estado, recentemente, catalogou 22 grupos de reisados espalhados pela cidade.
10. BOICOTE AO CRATO
Cerca de um ano antes da emancipação, no dia 30 de julho de 1901, os líderes do movimento emancipacionista, o médico Floro Bartolomeu e o padre Alencar Peixoto, através do jornal O Rebate, convocavam a população a deixarem de pagar impostos municipais ao Crato. Além disso, os juazeirenses se negaram a ir trabalhar e visitar a cidade vizinha.
Antes daquela data, o coronel Antônio Luiz, então prefeito do Crato, já havia negado a independência do distrito por duas vezes. “A emancipação traria prejuízos à cidade do Crato, perdendo terras e uma boa fonte de impostos que ajudava no progresso da cidade”, explica Cícero Dantas.
O jornalista e escritor Lira Neto, na biografia do Padre Cícero, conta que um acordo entre as lideranças selou a emancipação com os seguintes pontos: os limites da nova cidade seriam traçados em comum acordo entre os chefes políticos das duas localidades, Juazeiro honraria o pagamento dos impostos atrasados e o fim da guerra editorial entre os jornais O Rebate e Correio do Cariri.
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