As recentes críticas do presidente Jair Bolsonaro à CPI da Covid e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, estão levando parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal a preparar retaliações para acuar o presidente. O plano não passa pela medida mais drástica, de destituição do mandato, mas por iniciativas que tendem a desgastá-lo eleitoralmente e prejudicá-lo na disputa presidencial de 2022.
São três as frentes de contra-ataque: 1) a prorrogação dos trabalhos da CPI por mais 90 dias, seguida da retomada do funcionamento da CPMI das Fake News; 2) um novo fôlego para as duas ações no TSE de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão, ligadas ao disparo em massa de mensagens de WhatsApp na campanha de 2018; e 3) a ameaça de rejeitar, ou ao menos deixar de votar, a indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na quarta-feira (15), por pressão dos integrantes da CPI da Covid, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), prorrogou seu funcionamento até novembro deste ano. O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), um dos que batalhou pela instalação da comissão, apoia a extensão e avalia que o foco continuará nas suspeitas de corrupção e prevaricação na negociação de vacinas contra a Covid.
Mas considera que o resultado mais provável não é um processo de impeachment. “Virou um Fla-Flu né, onde ninguém torce pelo América, ou seja, ninguém age com independência. O objetivo número um deveria ser buscar crimes de responsabilidade. Mas não há nenhuma dúvida que, no fundo do escopo dela, o interesse é 2022. E as suspeitas de corrupção e prevaricação têm mais peso eleitoral. Para transformar isso em condenação é mais difícil. O que resta é desgastar Bolsonaro em 2022”, disse à Gazeta do Povo.
Ele entende que a comissão parlamentar de inquérito já comprometeu a reeleição do presidente. “Antes da CPI ele tinha um número, hoje ele tem outro. A pesquisa do Datafolha mostra que 59% não votariam nele de jeito nenhum. O desgaste é tão grande que ele xinga os senadores todo dia, no nível mais baixo possível. E é isso que está ressuscitando o Lula.”
CPMI das Fake News entra no radar novamente
O prejuízo eleitoral pode ser ainda maior com a retomada da CPMI das Fake News, iniciada no final de 2019 e paralisada no início do ano passado em razão da pandemia. Desde sua instalação, os maiores alvos foram militantes bolsonaristas.
O presidente da comissão, senador Ângelo Coronel (PSD-AM), disse à Gazeta do Povo que, no início de agosto, após o recesso parlamentar, pedirá a Pacheco a continuidade das investigações. Ele afirma que, se a oposição conseguir maioria entre os integrantes para definir a linha da investigação, o prejuízo para Bolsonaro será inevitável.
Um dos focos pode ser as declarações do presidente sobre a ocorrência de fraudes no sistema eletrônico de votação. “Tudo pode, contanto que o plenário aprove. Em toda CPI, quem sempre tem maior dose de prejuízo é o Poder Executivo”, diz Ângelo Coronel.
Para ele, o melhor é que a CPMI das Fake News seja retomada após o fim da CPI da Covid, em novembro, o que pode estender os trabalhos para 2022.
Ações no TSE pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão
A segunda frente de revide a Bolsonaro passa pelo TSE. Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, enviou para o corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, um relatório da Polícia Federal elaborado dentro do inquérito dos atos antidemocráticos.
O documento descreve arquivos apreendidos com o empresário Otávio Fakhoury. A PF descobriu que, em outubro de 2018, ele pagou R$ 53,3 mil a gráficas de João Pessoa (PB) e Natal (RN) para a confecção de mais de 500 mil panfletos e adesivos a favor da eleição de Jair Bolsonaro. A suspeita é de propaganda eleitoral irregular, não declarada pela campanha oficial, e com valores acima do que a legislação permite para doações por pessoas físicas.
Dentro do TSE, porém, a avaliação é que o envio do material é um “blefe”, sem qualquer efeito nas ações que pedem a cassação do mandato, uma vez que o objeto delas é diferente — suposto financiamento, por parte de empresários, a disparos em massa de mensagens de WhatsApp com ataques ao PT.
A jurisprudência da Corte não permite a expansão do objeto de uma ação desse tipo e a defesa de Bolsonaro diz que se trata de uma ação isolada de apoiadores, sem relação com a campanha, incapaz de ter causado desequilíbrio na disputa.
Um integrante da Procuradoria-Geral Eleitoral, que participa das ações, disse de forma reservada à Gazeta do Povo que a iniciativa de Moraes serve mais para “assustar” Bolsonaro. Outras duas ações do PDT, com o mesmo objeto, já foram arquivadas em fevereiro, por falta de provas. A avaliação é que as ações ainda em andamento, apresentadas pelo PT, não têm potencial para uma cassação, e são mantidas como uma “espada de Dâmocles”.
Trata-se de uma referência à história, contada na Antiguidade, sobre um cortesão colocado no trono, por um dia, pelo rei Dionísio, de Siracusa. No momento em que aproveitava as regalias do posto, Dâmocles percebeu que, acima de sua cabeça, pairava uma espada pendurada apenas por uma linha. Era uma lembrança de que, a qualquer momento, por qualquer deslize, ele poderia ser aniquilado.
Indicação ao STF pode ficar em “banho-maria”
A última arma para fragilizar Bolsonaro na disputa eleitoral é a possibilidade de o Senado rejeitar a indicação de André Mendonça para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Apesar de nos últimos dias o advogado-geral da União ter intensificado as conversas, um grupo importante de senadores ainda resiste à sua aprovação.
Um dos que trabalham contra é Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado e atual comandante da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Seu grupo desejava um nome mais simpático ao Centrão, como foi o caso de Kassio Nunes Marques. Há apreensão entre boa parte dos senadores, especialmente entre aqueles que enfrentam problemas no STF, sobre como Mendonça se comportará no julgamento de inquéritos e denúncias. Não há clareza sobre como ele atuará nos casos criminais.
Uma derrota a Bolsonaro poderia ser imposta de duas formas. A mais dura, porém incerta, seria a rejeição do nome de Mendonça pelo plenário. Mas isso exigiria convencer um grande número de senadores a votar contra o indicado, tarefa mais trabalhosa e difícil.
Uma alternativa mais fácil para inviabilizar seu nome seria adiar por tempo indefinido a sabatina, cujo agendamento depende de Alcolumbre. Se isso ocorrer, Bolsonaro seria forçado a revogar a indicação e submeter ao Senado outro nome mais palatável a esse grupo de senadores. Além de um fato inédito e humilhante para Bolsonaro, frustraria a bancada evangélica e as igrejas, fiéis apoiadoras do presidente da República e que contam com a promessa de um ministro “terrivelmente evangélico”.
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